Liliam Chagas, diretora do Departamento de Clima do Ministério das Relações Exteriores, enfatiza posição brasileira de que países mais ricos paguem pelas emissões de gases de efeito estufa. A embaixadora faz um panorama das negociações da COP de Baku, que começa nesta segunda-feira (11), e projeta a realização da conferência no Brasil no ano que vem.
A entrevista foi publicada na newsletter Um Grau e Meio, produzida pelo IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) e enviada aos leitores e às leitoras quinzenalmente. Clique aqui para se inscrever!
Qual papel o Brasil desempenhará nas negociações da COP29 em Baku?
Pretendemos exercer uma liderança construtiva na COP de Baku, que será importantíssima à medida que será a “COP financeira”. O principal resultado da COP29 será a definição do novo objetivo global de financiamento climático (NCQG, na sigla em inglês). O novo objetivo deverá substituir os 100 bilhões de dólares anuais que eram previstos de 2020 a 2025, e que não há comprovação de que foram desembolsados efetivamente. Esses recursos são aportados por países desenvolvidos e alimentam os mecanismos financeiros da UNFCCC [órgão das Nações Unidas para as Mudanças Climáticas] e o Acordo de Paris, como os fundos existentes – Fundo Verde do Clima e Fundo de Adaptação, por exemplo. Nosso interesse, também, recai em conseguir uma definição, mesmo que preliminar, do que é financiamento climático no regime do clima, já que a ausência de definição traz incertezas sobre o que está sendo contabilizado pelos países doadores. Nossa intenção é de que todos os temas com decisão prevista para Baku tenham avanços, para que não fique nenhuma pendência para a COP30, a ser presidida pelo Brasil.
Muitos analistas apontam a COP de Baku como de transição para a COP30. Quais são os temas considerados centrais nesse debate?
As negociações são processos que evoluem de uma COP a outra, são mais de 120 temas de agenda (sob os três acordos vigentes), então é esperado que as discussões avancem nesta para serem retomadas ou concluídas na próxima. Cito o exemplo dos indicadores para os objetivos globais de adaptação [à mudança do clima]. As discussões em curso sobre esses indicadores precisam evoluir para que uma decisão sobre eles seja tomada em Belém. É assim ocorre com vários outros temas. Não diria que é uma COP de transição, porque todas o são de certa forma, mas uma COP em que o principal tema será financiamento para ação climática nos países em desenvolvimento. Um momento chave para trazer novo ânimo ao processo negociador e aos países que precisam de recursos internacionais para financiar processos de transição energética.
Outro tema que vai ser destaque em Baku será o novo ciclo de NDCs [Contribuições Nacionalmente Determinadas], as políticas climáticas nacionais que cada Parte no Acordo de Paris tem que apresentar a cada cinco anos. Embora fora das negociações formais, pois cada país faz a sua NDC, vários eventos paralelos em Baku tratarão de como as próximas NDCs serão determinantes para que o aumento da temperatura média global não ultrapasse 1,5º C [acima da média de temperatura global na época pré-industrial].
De que maneira o Brasil pretende abordar o financiamento climático, tanto em termos de receber apoio quanto de contribuir para o fundo global?
A UNFCCC e o Acordo de Paris (Artigo 9) possuem provisões específicas sobre financiamento e elas dizem que são os países desenvolvidos que devem “prover e mobilizar” recursos a favor de países em desenvolvimento. Isso em resposta a que foram os mais desenvolvidos que jogaram os gases na atmosfera no passado. A responsabilidade está com os mais ricos, porque foram os que poluíram primeiro.
Além disso, a mitigação de emissões em países em desenvolvimento é condicional à existência desse apoio. É o que foi pactuado. Na negociação do novo objetivo de financiamento coletivo global a ser aprovado em Baku, esperamos que a parte principal do novo montante seja assegurada pelos países que têm a responsabilidade de prover esses recursos.
Países em desenvolvimento, como o Brasil, não têm que assumir novas obrigações nesse sentido. O Acordo de Paris já diz que “outras partes” podem colaborar de forma voluntária, e muitos países do Sul Global já fazem na cooperação Sul-Sul. Temos defendido também a necessidade de definir, multilateralmente, o que pode ser contabilizado como financiamento climático. Sem esta definição fica muito difícil fazer o seguimento dos aportes. O financiamento climático internacional deveria ser um instrumento efetivo de mudança da realidade, e vir de forma concessional, para não gerar maior endividamento externo aos países.
O Brasil trouxe a discussão sobre o alinhamento de fluxos financeiros aos objetivos do Acordo de Paris para o G20, grupo que reúne as maiores economias do mundo, também os maiores emissores, A Força-Tarefa para a Mobilização Global contra a Mudança do Clima (TFClima), de iniciativa da presidência brasileira do G20, reuniu pela primeira vez as áreas de clima e finanças para mapear obstáculos e sugerir mudanças.
Como o Brasil está alinhando suas políticas internas de combate às mudanças climáticas com as metas globais estabelecidas pelo Acordo de Paris?
A política climática do Brasil está totalmente alinhada aos compromissos internacionais assumidos pelo país. A NDC atual é um compromisso internacional advindo do Acordo de Paris, segundo o qual um país deve comunicar sua política climática, a cada cinco anos, refletindo a máxima ambição possível a cada momento e progressiva no tempo. Comprometido com o combate à mudança do clima globalmente, o Brasil tem umas das NDCs mais ambiciosas entre os países em desenvolvimento, que abrange toda a economia, com meta de redução de emissão para 2025 e 2030.
Esse compromisso se reflete em diversas frentes, que vão desde a revisão da NDC ocorrida em 2023, passando pelo processo atual de preparar a que deve ser apresentada em 2025 (com metas para 2035), até a formulação e implementação de políticas públicas em múltiplos setores da economia.
A reestruturação do Comitê Interministerial de Mudança do Clima foi um grande passo na coordenação de iniciativas em âmbito nacional. A Política Nacional de Mudança do Clima, a Estratégia Nacional de Mudança do Clima, com os Planos Clima Mitigação e Adaptação, o Plano de Transformação Ecológica, a inclusão da mudança do clima como um dos temas do Plano Plurianual Participativo (PPA), entre outros, não deixam dúvidas de que o país acompanha o cenário internacional e busca uma inserção competitiva na “economia verde” do futuro.
Qual será o papel do Brasil como anfitrião na COP30 e como isso pode influenciar as negociações globais sobre mudanças climáticas?
Está ocorrendo algo inédito no plano internacional que é uma antecipação da presidência brasileira. Isso ocorre porque a COP28, em Dubai, deu um mandato político para que as três presidências atuem em conjunto para promover maior cooperação internacional nesta década crítica a favor da ambição climática. Dessa forma, os Emirados Árabes Unidos (COP28), o Azerbaijão (COP29) e o Brasil (COP30) vem trabalhando juntos, desde o início do ano, em esforço inédito de mobilização para que os países fortaleçam suas ações domésticas para reduzir emissões, mobilizar recursos para adaptação, pôr o combate à mudança clima no topo da agenda de todo o sistema ONU etc. O trabalho da Troyka de presidências é uma novidade do sistema.
O Brasil também está comprometido em fortalecer sua posição de liderança na agenda climática. A COP30 terá o importante papel de buscar reequilibrar o regime de clima entre seus cinco pilares (mitigação, adaptação, financiamento, tecnologia e capacitação), essenciais para o enfrentamento da urgência climática.
Há algumas negociações para as quais já estão previstos resultados na COP30, nos temas de adaptação, transição justa e com o alinhamento de fluxos financeiros internacionais com cenários de descarbonização, para citar alguns. A intenção é buscar resultados significativos nos cinco pilares do regime do clima, com base na ciência e no balanço global realizado em 2023. Reanimar a centralidade das negociações baseadas nos três acordos e seus princípios basilares seria um ganho sistêmico, porque são essas as decisões que são de cumprimento obrigatório para todos.
Há uma percepção de que é preciso reforçar fortemente as capacidades de adaptação no nível local e a dar respostas efetivas a eventuais perdas e danos, porque os eventos extremos estão cada vez mais frequentes e avassaladores. Também será necessário reforçar sumidouros de CO2 em grande escala e viabilizar técnicas de remoção, dado o efeito cumulativo dos gases de efeito estufa na atmosfera. Em síntese, há muito o que fazer e pouco tempo para acertar.
Em paralelo às negociações, a presidência de uma COP pode propor iniciativas que tem por objetivo engajar atores não estatais no que se convencionou chamar de Agenda de Ação. Este espaço tem crescido enormemente e é de grande importância. As conferências de clima são também grandes vitrines para que pesquisadores, cientistas, economistas, parlamentares, juízes, ativistas se encontrem para avaliar o estado de situação e explorar soluções para um mundo em transformação. A mudança do clima está forçando uma mudança de paradigma nos meios de produção e consumo e, nessa trajetória, o conceito de desenvolvimento sustentável se torna indispensável.
Quais são os maiores desafios que o Brasil antecipa enfrentar na organização e condução da COP30? E quais oportunidades únicas isso apresenta?
São muitas as questões operacionais na organização de uma grande conferência multilateral, em qualquer lugar. Locais para as reuniões, acessos, hospedagem, segurança, credenciamento, alimentação para um público numeroso e internacional. É uma questão de planejamento, organização e recursos. Envolve uma carga grande de trabalho, mas já há muita experiência acumulada e, todos os anos, mais de um país disputa o direito de realizar o evento. O Brasil não teve concorrência, mas é normal ter.
É preciso lembrar que a conferência que vai ocorrer em Belém do Pará em 2025 é um evento internacional, liderado pela UNFCCC. A COP30 será uma conferência da ONU [Organização das Nações Unidas] realizada no Brasil. Haverá grande coordenação nesta organização compartilhada. Tudo deve ser pensado nos mínimos detalhes.
A outra face do desafio se dará no plano das decisões a serem alcançadas, chegar aos acordos necessários, e criar ou aprimorar mecanismos de implementação que possibilitem aos diferentes países executar suas políticas nacionais rumo à meta de neutralidade climática, dentro da moldura jurídica oferecida pelos acordos, que assegurem equidade e a prerrogativa do desenvolvimento.
Será um desafio liderar mais de 120 itens de agenda de negociações complexas, equilibrando as expectativas e as responsabilidades de países desenvolvidos e em desenvolvimento. A diversidade de interesses, somada à urgência das questões climáticas, torna a tarefa de mediar consensos uma verdadeira oportunidade para diplomacia brasileira.
Como o governo brasileiro está engajando diferentes setores da sociedade, incluindo empresas, ONGs e comunidades indígenas, na preparação para a COP30?
O governo brasileiro está empenhado em criar um processo preparatório para a COP30 inclusivo e participativo. Há diálogos e consultas com diferentes setores, como o setor privado, acadêmico, ONGs e movimentos sociais. Foi criado um programa de participação aberta, o Brasil Participativo, para que a população faça sugestões. O novo Plano Clima entrou em consulta pública, antes de ser aprovado. O Comitê Interministerial da Mudança do Clima conta com representante da Rede Clima (cientistas) e do Fórum Brasileiro de Mudança do Clima (sociedade civil). O governo também tem buscado ampliar o diálogo com povos indígenas, povos e comunidades tradicionais, respeitando seus direitos e conhecimentos.
Qual legado o Brasil espera deixar após sediar a COP30 e como isso pode impactar futuras negociações e políticas climáticas globais?
O maior legado seria o de trazer esperança de que o problema da mudança do clima pode ser contornado no tempo que a ciência indica como sendo o necessário para agir. O Brasil tem sido castigado, de norte a sul, com secas, enchentes e incêndios que já situam o país entre os mais vulneráveis do planeta. A COP de Belém ocorrerá em momento crítico para o alcance do objetivo de limitar o aumento da temperatura global em 1,5ºC. Pavimentar o caminho para que esse esforço conjunto seja bem-sucedido, de forma justa e sem aumentar a desigualdade no mundo, seria um ótimo legado. Será muito simbólico também fazer a conferência na Amazônia, dada a importância de florestas tropicais para o clima.