Karina Custódio*
Em entrevista para a Um Grau e Meio, Clarisse Guerreiro, especialista em Gerenciamento de Projetos e pesquisadora do IPAM, detalha os desafios e caminhos viáveis para a criação de áreas protegidas na caixa d’água do Brasil
Por que a concentração das áreas protegidas é maior na Amazônia do que no Cerrado?
Aparentemente, os conflitos e as ameaças à Amazônia têm mais apelo nacional e internacional, o que acaba resultando em um maior direcionamento de áreas para conservação. O Cerrado não chega nem a constar em nossa Constituição Federal como patrimônio nacional, como é o caso da Amazônia e outros biomas, de forma a assegurar que a sua utilização ocorra na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente.
Precisamos reverter essa impressão de que o Cerrado é local apenas para a pastagem e produção de commodities. Fazer com que a sociedade e os agentes públicos percebam a responsabilidade que temos em salvaguardar a savana mais biodiversa do mundo. Assim como conscientizar acerca das consequências de danos a seus serviços ecossistêmicos, principalmente, em termos de regulação climática e de recarga hídrica.
O Brasil tem políticas de destinação de áreas protegidas no Cerrado?
Em novembro de 2023, foi lançada a 4ª fase do PPCerrado (Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento e das Queimas do Bioma Cerrado). Entre outras medidas, esse plano prevê a destinação de 1,2 milhões de hectares de terras públicas federais, e, tendo em vista a lacuna de informações sobre as terras públicas estaduais nos Estados do Cerrado, o plano também prevê apoio na identificação, arrecadação e destinação das terras públicas estaduais. O PPCerrado tem como meta ainda a criação ou expansão de 500 mil hectares de unidades de conservação no bioma até 2027, e a ampliação da demarcação, homologação e/ou regularização de terras indígenas, territórios quilombolas e de outros povos e comunidades tradicionais.
Além disso, o governo federal está restabelecendo a Câmara Técnica de Destinação e Regularização Fundiária de Terras Públicas Federais Rurais, e entre as demandas está a priorização de políticas públicas de conservação ambiental e o reconhecimento de terras tradicionalmente ocupadas por povos indígenas e comunidades tradicionais. Então, há a expectativa de que as demandas de destinação relacionadas ao Cerrado sejam também endereçadas no âmbito dessa Câmara.
Nos últimos cinco anos houve mais criação de unidades de conservação no Cerrado do que na Amazônia. Mas, ao olhar para o tamanho dessas unidades, as do Cerrado são menores. Por que isso ocorre?
É pela alta concentração de imóveis rurais no bioma, em razão da instalação de um manejo agropecuário baseado na extensão, e não na concentração, há uma fragmentação muito grande da paisagem. Então, quando olhamos para o Cerrado, vemos recortes de áreas preservadas.
Esses recortes de áreas preservadas têm o mesmo potencial de preservação que grandes áreas de proteção?
Se esta área pequena estiver conectada a outras áreas, formando um mosaico, ela pode contribuir muito para a preservação, favorecendo, inclusive, o fluxo gênico que colabora na variação genética das espécies, melhorando sua saúde e consequentemente sua permanência no espaço. No entanto, a conservação de fragmentos isolados muito pequenos pode não ser suficiente para impedir a perda de biodiversidade.
Em 2023, a área desmatada no Cerrado ultrapassou a da Amazônia. A criação de áreas protegidas auxiliaria na redução de ameaças ambientais, como o desmatamento?
Sim, sem dúvidas! Não só a criação de novas áreas, também o fortalecimento das existentes. É importante notar que o governo federal reconhece isso ao determinar metas de criação, expansão e demarcação de áreas protegidas no PPCerrado (Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento e das Queimas do Bioma Cerrado).
Adicionalmente às iniciativas públicas de criação de áreas protegidas, e tendo em vista os altos índices de desmatamento em área privada no Cerrado, uma estratégia interessante para o bioma é o incentivo para a criação de RPPNs (Reserva Particular do Patrimônio Natural), que são áreas protegidas perpétuas criadas a partir da vontade do proprietário.
Já existem incentivos para a criação desse tipo de reserva?
Atualmente o principal incentivo é a isenção de ITR (Imposto Territorial Rural), e a possibilidade de aproveitar a área para educação ambiental, pesquisas e ecoturismo. Alguns Estados estão avançando para que o proprietário receba também benefícios vindos do PSA (Pagamento por Serviço Ambiental) das reservas, por exemplo.
Incentivos semelhantes precisam ser discutidos e difundidos, pois um dos caminhos para ampliar a proteção do Cerrado é olhar para as RPPNs como um instrumento de conservação adicional ao Código Florestal.
*Jornalista do IPAM
Foto de capa: Mariana Güths/IPAM