“Para além de ideias importadas, a bioeconomia deve servir à Amazônia”

15 de junho de 2022 | Notícias

jun 15, 2022 | Notícias

Por Bibiana Alcântara Garrido*

A urgência em consolidar o entendimento de uma bioeconomia da Amazônia que garanta proteção ambiental, justiça social e modelos econômicos sustentáveis e prósperos para a região é destacada por pesquisadores do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) em publicação na revista científica Ecological Economics na última sexta, 10. Num esforço que considera complexidades territoriais, culturas e conhecimentos ancestrais, o grupo propõe quatro princípios orientadores para uma bioeconomia na região que envolva vozes e ideias amazônidas em um processo coletivo “debaixo para cima”. São eles:

  1. Desmatamento Zero
  2. Diversificação dos métodos de produção em resposta ao sistema de monocultura
  3. Fortalecimento de práticas milenares amazônidas
  4. Repartição justa dos benefícios

O conceito da bioeconomia ainda não tem uma definição única para a Amazônia e circula entre diferentes contextos, de organizações indígenas e de pequenos produtores ao poder público, do setor financeiro, de multinacionais do agronegócio e da tecnologia a associações de comércio internacional. No centro deste debate está a floresta amazônica, o potencial econômico de sua sociobiodiversidade, que coloca em pauta a conservação ambiental, além de seus serviços ecossistêmicos, que regulam o clima do planeta. 

A abordagem dos pesquisadores se soma à discussão com a proposta de uma bioeconomia da Amazônia que direcione os projetos na região a não mais reproduzir lógicas excludentes de marginalização e de empobrecimento da população local.

“Se a gente continuar com uma escala de atividade predatória, mesmo que embasada numa economia de produto natural, no caso do açaí ou de outras commodities oriundas da Amazônia, se não tomarmos cuidado, a perda acelerada de processos ecológicos no bioma, somada às mudanças climáticas, levará a um potencial ponto de inflexão na Amazônia. Então, a ideia é que a bioeconomia seja um vetor para reduzir e não acelerar esse cenário, colaborando com a proteção da biodiversidade, dos povos originários e com o combate à crise climática global”, comenta Patrícia Pinho, diretora adjunta de Pesquisa no IPAM e uma das autoras do artigo.

A “açaízação” é lembrada como evidência do não funcionamento da importação de práticas de monocultivo para o chão da floresta: são as “armadilhas da bioeconomia de produtos florestais”. Com crescente demanda no mercado internacional – segundo o texto, exportações cresceram 15.000% na última década -, a produção do açaí costuma ser vista como caso de sucesso da bioeconomia amazônica, mas traz consequências negativas para o ecossistema local e para as populações da região. A expansão do garimpo ilegal, de plantações de soja e de pastagens por terras griladas também ameaçam a soberania de territórios indígenas. 

“São atividades que beneficiam poucas pessoas e trazem grandíssimos impactos socioambientais para muitas. Uma maior rentabilidade não se reflete, necessariamente, em melhores condições de vida”, afirma Daniel Bergamo, pesquisador no IPAM, primeiro autor do artigo. “Tem-se que ir além do produto em si. É necessário entender o imenso patrimônio da sociobiodiversidade que emerge das realidades locais para saber como atrelar práticas econômicas àquele contexto, considerando que em alguns locais a bioeconomia já existe há muito tempo e já funciona de uma certa forma”, diz. 

Um exemplo do antagonismo da bioeconomia é citado no escrito: a realização simultânea, em 2021, na capital Belém (PA), do Encontro Amazônico da Sociobiodiversidade, no qual participaram populações tradicionais e movimentos locais com uma perspectiva ecossocial, e do Fórum Mundial da Bioeconomia, em que estiveram grupos nacionais e internacionais pensando o mercado para a bioeconomia da Amazônia. No primeiro, surgiram questionamentos, pela organização do evento, sobre os tipos de bioeconomia discutidos no segundo, alegando não serem compatíveis com os interesses da população local, ressalta um trecho do artigo.  

Também autora, a pesquisadora no IPAM Olivia Zerbini acrescenta: “A falta de uma definição clara e de um debate ao redor do que é uma bioeconomia justa, sustentável, inclusiva e responsável para a Amazônia traz, junto com os desafios, a grande oportunidade de haver uma construção coletiva de um modelo que faça sentido a quem mais importa: os habitantes da região e, principalmente, as pessoas que irão atuar diretamente nessa bioeconomia”.

Em busca de convergências, pesquisadores alertam que a bioeconomia da Amazônia não alcançará seu potencial, tampouco será suficiente para superar desafios sociais e ecológicos, caso se mantenham visões tidas como dominantes de países desenvolvidos sobre o assunto, que em sua maioria ocupam o hemisfério norte global. Abordagens como a “biotecnologia”, centrada no uso de alta tecnologia, na produtividade industrial e no crescimento econômico para inserção de produtos florestais ao mercado, tendem a deixar de lado a realidade das desigualdades sociais na região amazônica, bem como a proteção da floresta e dos direitos de suas populações. 

“Na identificação das iniciativas que estão debaixo do guarda-chuva da bioeconomia, há estratégias e interesses diferentes. Existem várias definições, a maioria importadas, que não são suficientes. Sugerimos, no artigo, princípios orientadores que sustentariam uma bioeconomia amazônica: o que se propõe é um processo de escuta com os diversos setores sociais da Amazônia no atual processo de construção do conceito. Para além de ideias importadas, a bioeconomia deve ouvir e servir as diversas vozes da Amazônia”, diz Bergamo.

Em uma breve análise histórica, o pesquisador ressalta aspectos do texto que discutem a influência do processo colonizador em práticas de mercado, como a substituição da biodiversidade pela monocultura, bem como em culturas e modos de viver. “Percebemos a bioeconomia amazônica como uma oportunidade de superar o legado colonial que, historicamente, alienou conhecimentos ancestrais e tradicionais na Amazônia e na América Latina como um todo, trazendo desigualdades. É necessário criar esse conjunto de valores e critérios, que idealmente resulte em um modelo econômico adaptado à região, sabendo das microrregiões dentro do bioma, cada uma com suas peculiaridades”, comenta.

A partir de processos participativos de escuta e que envolvam as pessoas nas tomadas de decisão, a bioeconomia para a Amazônia, defendem os pesquisadores, não deveria ser guiada somente por expectativas de mercado externas à região ou por modelos predatórios, e sim por um motivador principal: a prosperidade econômica e o bem-estar das e dos amazônidas, respeitando seus anseios, seus modos de vida e de manejo tradicional da terra, que vem mantendo o bioma em pé de maneira milenar e ancestral. 

*Jornalista e analista de Comunicação no IPAM, bibiana.garrido@ipam.org.br



Este projeto está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

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