Pacto Global da ONU Brasil promove curso sobre Justiça Climática

8 de junho de 2022 | Notícias

jun 8, 2022 | Notícias

Por Mariana Abuchain, sob supervisão de Natália Moura

O Pacto Global da Organização das Nações Unidas (ONU) no Brasil deu início na terça-feira, 7, a um curso virtual sobre Justiça Climática, que ocorre nos dias 7, 9, 14 e 21 de junho, e as principais discussões giram em torno de temas como “Justiça Climática: conceito, Agenda Nacional e Internacional”; “Um olhar interseccional: como o clima impacta grupos vulneráveis?”; “Estratégias para a ação: respostas multissetoriais incluindo setor público” e “Estratégias para ação em adaptação para uma trajetória resiliente: respostas do setor privado”.

Na abertura do evento, a diretora-adjunta de Ciência do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), Patrícia Pinho, conduziu o debate sobre “Justiça Climática: os conceitos e os exemplos relevantes para a compreensão na prática”, no qual apresentou um panorama geral acerca das bases teóricas e conceituais para reflexões referentes ao tema rumo à uma trajetória de desenvolvimento climático resiliente, traduzido pela maneira em que a sociedade e os ecossistemas se adaptam à mudança do clima atual ou esperada.

Assimetrias associadas às condições de um mundo 1,5 ºC mais quente

Para a diretora, dentre as contribuições para o desequilíbrio, destacam-se o caminho de desenvolvimento desde a industrialização – período que promoveu o crescimento econômico e desenvolvimento humano de alguns países historicamente beneficiados pela emissão de gases estufa – até a revolução industrial, modelos que favoreceram o aquecimento global.

A contribuição à mitigação e à adaptação climática exige, de acordo com Pinho, uma responsabilidade superior de países mais desenvolvidos, que se situam, em sua maioria, no Hemisfério Norte. Contudo, segundo ela, os maiores impactos das mudanças no clima recaem sobre populações, Estados e gerações que, na conta geral, pouco colaboram para o agravamento do cenário.

“Sabemos que a capacidade de moldar soluções futuras tem muito a ver com o potencial das regiões e das populações mais afetadas em conseguirem se adaptar”, ressalta a diretora. “A preocupação gira em torno de como podemos incluir todas as pessoas em uma trajetória de baixo carbono ou de resiliência climática”, acrescenta.

O que 1,5 °C significa para as diferentes localidades do Sul global?

A variação regional na experiência de aquecimento a 1,5° grau, previsto no Acordo de Paris, é grande. Para a Amazônia, por exemplo, significa um aquecimento de até 4 graus entre 2040 e 2050 – limite muito acima do socialmente aceito –, afetando, principalmente, populações que dependem de modos de vida muito sensíveis à variabilidade do clima, como os indígenas, a agricultura e a pesca.

“No Estado de São Paulo, nos últimos 50 anos, a temperatura já aumentou 1.5 ºC”, afirma Patrícia. “Essas regiões, sobretudo nos países tropicais e no Sul global, já têm vivido com os desafios do que é acordar com o clima mais quente”, comenta. Pinho alerta que esse aumento impacta na segurança alimentar, na produtividade agrícola, na disponibilidade hídrica, na saúde e em outros componentes de desenvolvimento sustentável, bem como na habilidade de todos conseguirem uma trajetória de sustentabilidade.

Por que se preocupar com as mudanças climáticas?

Dentre as razões citadas durante o primeiro dia do curso, Pinho aponta para as ameaças sofridas pelo Ártico, pela Amazônia e por biomas como Cerrado e recifes de corais. Todos ecossistemas únicos e extremamente vulneráveis ao aumento da temperatura global.

“Devido à ausência de soluções globais para a redução das emissões e à temperatura global, temos um efeito cascata em muitos outros tipos de atividades e ecossistemas”, conta Pinho. O primeiro, segundo a diretora, é o aquecimento das águas e as perdas de recifes de corais, que, além de amortecer os impactos do aumento do nível do mar na própria infraestrutura da região costeira, são o berçário para a produtividade pesqueira. “Uma vez que esses recifes ficam inviabilizados com a temperatura global, a segurança tanto física quanto alimentar é afetada”, lembra.

A pesquisadora adverte que também existem evidências de possíveis inundações costeiras e fluviais, a inviabilidade da pesca de pequena escala, além da perda de atrações e de recursos econômicos oriundos do turismo. Além disso, espera-se que os dias mais quentes sejam mais pronunciados nas regiões tropicais, e que essas ondas de calor surjam mais cedo.

Dimensão econômica para o Brasil

Pinho comenta que, no caso do Brasil, as reduções de crescimento econômico são mais expressivas com o aquecimento acima de 1,5 °C, pois afeta países de baixa e média renda, e alta desigualdade. “Tais efeitos justificam porque há tanta necessidade de manter o Acordo de Paris, e evitar mais perdas econômicas”, afirma a diretora.

Segundo o relatório disponibilizado pela ONU, o Atlas do Sofrimento Humano, contudo, os impactos negativos das mudanças climáticas são ainda maiores, a vulnerabilidade mais exacerbada, cenário no qual as estratégias de adaptação constituem um legado. “Estamos muito longe, sobretudo nos países mais impactados, de ter soluções, não só no conhecimento, mas também nas implementações dessas estratégias”, declara Pinho.

Para a pesquisadora, os impactos adversos associados às mudanças climáticas, ao processo de desenvolvimento social e econômico e à desigualdade se acentuam mutuamente. “Quando falamos de vulnerabilidade e da própria desigualdade, os impactos e os riscos são diferentes para as pessoas e para os ecossistemas, evidenciando ainda mais a questão da justiça climática. Esse é o resultado de muitas questões relacionadas à situação de pobreza, não só socioeconômica, mas étnica, de cor de pele, de gênero, de geografia, da capacidade de acesso a serviços básicos como educação e saúde, de capacidade de governança. Muito tem a ver com o legado histórico, no nosso caso, do colonialismo”, diz Pinho.

Em relação à mortalidade, observa-se uma alta desigualdade no que tange à perda de vidas consequente de eventos extremos. Na América do Norte, a morte de grande parte da população tem sido associada a tempestades, e a fração mais atingida é a das pessoas com grau maior de vulnerabilidade.

“As mudanças e os impactos climáticos não poupam ninguém e nenhum país globalmente, mas, existe uma diferença no tipo de perigo e no nível de mortalidade, principalmente, em quem são as pessoas afetadas”, alerta Pinho.

Trajetória de Resiliência Climática

A Justiça Climática vincula desenvolvimento e direitos humanos para alcançar uma abordagem centrada no ser humano, a fim de tratar as alterações climáticas, protegendo com salvaguardas os direitos dos mais vulneráveis e partilhando encargos e benefícios das mudanças no clima e seus impactos de forma equitativa e justa.

“Se tratarmos de entrar em uma estratégia de desenvolvimento social que tenha baixo índice de pobreza, que tenta reduzir expressivamente a desigualdade, temos uma trajetória mais possível de ficar em um limite seguro de aquecimento global, reduzir significativamente os desafios de adaptação, as perdas e os danos, e conseguir entrar dentro dessa trajetória de desenvolvimento econômico que seja resiliente climaticamente”, detalha a diretora.

Soluções para maior Justiça Climática

Pinho diz acreditar que utilizar a igualdade de compensações, que sejam distributivas e processuais nas políticas públicas e nas práticas do setor privado, é crucial para lidar com perdas e danos associados às mudanças climáticas, sobretudo das atividades que são mais “perversas” e mais emissoras.

“Vemos que a raiz disso é a sustentabilidade, a equidade, a resiliência e a justiça. No entanto, o que vemos é que a dependência contínua de mecanismos de mercado e o desrespeito por essa equidade e justiça distributiva e processual têm sido um obstáculo para a implementação global de uma agenda de justiça climática”, relata a pesquisadora.

Se houver aprimoramento na coerência entre as estratégias de adaptação de diferentes grupos sociais e de setores em escalas distintas de tempo e espaço, conforme explica Pinho, é possível ter maiores chances de reduzir a má adaptação.

As soluções que têm sido discutidas e de custo relativamente baixo são aquelas baseadas na natureza – infraestrutura verde urbana, gestão de ecossistemas, dentre outros – que podem fornecer diversas opções de subsistência e modo de vida, além de contribuir significativamente com a economia de variados setores, reduzir a pobreza e apoiar agentes de mitigação e de adaptação.

 

Confira a programação completa:

9 de junho, das 10h às 11h30

Um olhar interseccional: como o clima impacta grupos mais vulneráveis?

Como as mudanças do clima afetam pessoas negras, indígenas, quilombolas, mulheres, imigrantes e a comunidade LGBTQIAP+ e quais as soluções.

Palestrantes: Ana Carolina Querino (Representante Adjunta, ONU Mulheres Brasil) + Toya Manchineri (Coordenador Associação dos Povos Indígenas) + Priscilla Santos (Mentora Escola de Geografia e Meio Ambiente da Universidade de Oxford)

14 de junho, das 10h às 11h30

Estratégias para ação: respostas multissetoriais incluindo setor público.

A relevância dos movimentos organizados, respostas adaptativas e resilientes, que sejam multissetoriais. A importância de pensar políticas públicas e tecnologias de defesa do clima.

Palestrantes: Diogo Santos (Ministério Ciência, Tecnologia e Inovação) + Jean Ometto (Coordenador Geral de Ciências da Terra, Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) + Telma Rocha (Diretora Programática, Fundação Avina)

21 de junho, das 10h às 11h30

Estratégias para ação em adaptação para uma trajetória resiliente: respostas do setor privado.

Os desafios e ações urgentes do setor privado para combater as mudanças do clima com olhar para a justiça climática.

Palestrante: Rebeca Lima (CDP, a confirmar) + Denise Hills (Natura, a confirmar) + Rafaela Dortas (Diretora Executiva ESG, BTG Pactual)

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