“O CONSERV busca aproximar visões aparentemente distintas”

14 de julho de 2025 | Notícias, Um Grau e Meio

jul 14, 2025 | Notícias, Um Grau e Meio

Sara Leal* 

A nova edição da newsletter Um Grau e Meio fala sobre incentivos financeiros que valorizem florestas em propriedades privadas para enfrentar os desafios das mudanças climáticas. Para isso, apresenta o CONSERV, mecanismo que remunera proprietários rurais e empresas agrícolas por protegerem o excedente de vegetação nativa que poderiam, por lei, desmatar.

Em entrevista, André Guimarães, diretor executivo do IPAM e um dos idealizadores do CONSERV, explica como funciona o projeto, os desafios enfrentados durante sua implementação e resultados até aqui. Leia a íntegra.
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Qual a diferença entre o CONSERV e outras iniciativas de incentivo financeiro que já existem, como PSA e REDD+? 

Tem duas características vitais para o sucesso do CONSERV. A primeira é que foi construído de baixo para cima: antes de desenharmos esse mecanismo financeiro, fomos a campo e fizemos consultas aos produtores para entender o que os convenceria a renunciar ao seu direito de desmatar.

A segunda característica é que sempre lutamos para que o CONSERV fosse simples. O dinheiro vai, o hectare de vegetação nativa fica. Não tem que indexar em tonelada de carbono, imaginar o valor da biodiversidade, taxas disso, daquilo etc. Essa simplicidade é uma das maiores virtudes do projeto.

Há outros mecanismos financeiros que atrelam o benefício a uma taxa de juros diferenciada, um tipo de investimento diferente, abertura de mercado mais específica. Isso às vezes é intangível para o produtor.

Como foi a recepção dos produtores ao projeto? 

Nunca foi fácil convencer produtores a renunciarem a um direito, mesmo que em troca de uma remuneração. Alterar direitos estabelecidos pela lei é, talvez, a questão mais sensível de uma pessoa ou de uma empresa.

Essa característica do projeto de pensar fora da caixa exigiu muita sensibilidade da equipe do IPAM e coragem dos produtores.

Nós estamos num momento da história em que ainda há visões que carregam um modelo antigo de produção e de relação com a natureza. Por outro lado, pessoas, especialistas e mesmo empresários já têm uma visão mais contemporânea de que teremos que manter mais vegetação nativa no mundo se quisermos seguir convivendo bem no planeta.

A meu ver, temos que olhar para esse momento da história procurando valorizar os dissensos. É a partir desta dicotomia, buscando entender quem pensa diferente, que os caminhos são construídos.

Creio que a beleza de um projeto como o CONSERV, e até na nossa atuação enquanto entidade científica que se propõe a qualificar o debate, é acoplar os anseios e as expectativas de quem pensa diferente. O CONSERV busca aproximar visões aparentemente antagônicas que podem ser harmonizadas em torno de um objetivo comum.

Quais os resultados do projeto até agora? 

Acho que o primeiro resultado é provar a tese de que é possível conservar para além da exigência da lei, desde que haja incentivos. E hoje, na conjuntura global, temos que ir além do que o Código Florestal exige; sermos mais abrangentes e num período mais curto possível para evitar os efeitos das mudanças climáticas, que já estão intensos.

Um aprendizado é que, por conta do CONSERV, sabemos hoje quanto custa pagar para conservar no Brasil, o que faz da iniciativa um marco. Ainda, o projeto criou uma forma nova de pensar sobre conservação em propriedades privadas.

Tivemos aprendizados sutis também, como relacionar-se com um coletivo que pensa diferente, incorporando visões distintas. Essa escuta faz com que o IPAM seja uma das poucas organizações da sociedade civil do Brasil que tem um diálogo aberto e franco com o agronegócio, tanto concordâncias quanto discordâncias.

Como você vê o CONSERV no futuro? 

Precisamos colocar o CONSERV numa perspectiva mais ampla, da nova relação da humanidade com a natureza. Nós não conseguiremos sobreviver nesse país se não houver manutenção da floresta tropical, harmonia entre seres humanos e natureza.

Do jeito que a gente vai poluindo os oceanos, matando os rios, degradando florestas, aumentando a temperatura do planeta, nós estamos indo para a derrocada. Isso é expresso pelas catástrofes climáticas, pelo aumento da temperatura, pela mudança de microclima local. Há várias expressões da natureza que estão apontando que passamos dos limites.

Desde o primeiro Homo sapiens, 300 mil anos atrás, não paramos de expandir e nos espalhar por todos os cantos do planeta, mas isso vem com um custo. É preciso colocar em prática uma nova forma de a espécie humana se relacionar com a natureza.

Há pouco tempo, o valor era visto em retirar a natureza. Hoje, o valor está em como você inclui a natureza dentro do processo.

Portanto, a grande pergunta da humanidade atualmente é: somos uma espécie inteligente o suficiente para poder neutralizar a característica genética de expandir o tempo todo? A resposta a essa pergunta vai dizer se a gente merece continuar vivendo na Terra.
*Coordenadora de Comunicação do IPAM 

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