Maria Garcia*
João Viktor Pankararu iniciou na militância indígena aos 16 anos. Do povo Pankararu, da Terra Indígena Pankararu (PE), ele é ativista ambiental, comunicador e atua como liderança jovem nas articulações do ATL (Acampamento Terra Livre).
Esta entrevista foi publicada originalmente na Um Grau e Meio, newsletter com análises exclusivas sobre clima, meio ambiente e sociobiodiversidade, produzida pelo IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia).
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Você avalia que o ATL é um espaço que vai continuar se mantendo como referência de mobilização indígena mesmo no futuro?
Sim. O ATL hoje, para mim, é a maior assembleia dos povos indígenas de todo mundo. Não existe nenhuma outra organização indígena que realize um movimento tão forte como o que nós realizamos aqui.
E isso eu não falo reivindicando uma patente sobre isso ou uma síndrome de primeiro lugar, mas como um espelho também.
A cada edição, o ATL traz uma pauta emergente. A de demarcação das terras indígenas é sempre a principal. Enquanto nós não sanarmos esse problema da demarcação, nós vamos continuar realizando o ATL.
Mas trazemos também outros temas e fazemos essa manutenção do movimento. Antigamente era só uma lona de circo onde os parentes se concentravam ali. Hoje, nós temos uma plenária principal, tendas das delegações regionais e cada uma delas têm feito as suas programações.
Eu comparo o ATL hoje, por exemplo, a uma Conferência das Mudanças Climáticas (COP), com vários eventos bilaterais e recebendo personalidades políticas, embaixadores, ministros, deputados.
E a gente tem conseguido conversar com todos eles e apresentar as pautas que o movimento indígena como um todo tem demandado. Ele vem ganhando muita força em uma proporção imensa a cada ano.
O ATL também está cada vez mais influenciando diretamente na política brasileira?
Sim, ele está sendo estratégico e significativo para direcionar o Estado brasileiro na tomada de decisões em relação à política indígena. Os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário ficam aguardando o ATL para saber o que é que os povos indígenas vão demandar.
A gente vê cada vez mais esses espaços políticos recebendo a gente. Os ministérios estão ouvindo as delegações e lideranças indígenas. Isso é muito importante. Há 10 anos, por exemplo, a gente sequer imaginaria que isso iria acontecer.
Éramos vistos como um acampamento de arruaceiros vindo para Brasília. Já hoje, eu peguei um Uber e ele disse que ‘aqui não dá para passar porque os povos indígenas estão acampados aqui e trazendo suas reivindicações’. Fiquei até surpreso com isso.
Além das reivindicações presentes na Carta dos Povos Indígenas do Brasil aos Três Poderes do Estado Acampamento Terra Livre, os jovens também estão trabalhando em outras vias de reivindicação e temas para debate?
A gente tem visto delegações serem lideradas por jovens e a juventude fazendo parte das equipes técnicas das organizações e da própria APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), que organiza o ATL.
Isso também é uma forma que o próprio movimento encontrou de demonstrar que nós temos indígenas formados com capacidades técnicas e profissionais para estarem até em espaços por trás dos bastidores, por muito tempo ocupados por pessoas não-indígenas que iam conduzindo os povos indígenas. Hoje pessoas jovens também estão nesses perfis técnicos.
Outras demandas que talvez não sejam tão urgentes e emergentes os jovens também têm trazido como, por exemplo, o financiamento direto de iniciativas de cuidado dos territórios. Jovens estão liderando projetos de reflorestamento de suas comunidades que estão sendo replicados.
Há um intercâmbio de gerações, de jovens e anciãos, compartilhando saberes e isso tudo impacta nas comunidades que são, de fato, as pessoas que reivindicam, que demandam as pautas que devem ser tratadas aqui.
São 20 anos de Acampamento Terra Livre e a gente vê agora uma mudança bem significativa na participação. A estimativa hoje é de 10 mil pessoas e a gente pode dizer que, dessas, 5 mil delas são jovens. Estamos na comunicação, na secretaria e na logística ajudando as pessoas que estão precisando de suporte.
A militância indígena agora tem acesso às plataformas digitais que não havia antigamente. Como essas ferramentas são usadas?
A juventude tem agregado essas novas ferramentas à luta. Elas estão para somar aquelas que foram utilizadas pelos nossos mais velhos. A gente agrega os conhecimentos tradicionais que os anciãos têm sobre o território, sobre o cuidado com plantas, com os animais e com a cosmo percepção dos territórios.
Usamos essas tecnologias para ecoar vozes, dar visibilidade às iniciativas que nós temos de cuidado dos nossos territórios e de mostrar que nossas ações são eficazes e eficientes no enfrentamento às mudanças climáticas, na defesa da demarcação dos territórios e na importância na garantia dos nossos direitos tanto os constitucionais como os originários.
Isso possibilita que elas saiam lá dos territórios, das bases e das aldeias, e cheguem, por exemplo, no campo internacional. Que outras pessoas, outros coletivos, possam ver o que a gente está fazendo nas nossas bases, em nossas aldeias e que isso possa ser expandido e replicado. O intuito maior é compartilhar a responsabilidade que povos indígenas têm no enfrentamento da mudança climáticas, no cuidado com o planeta como um todo.
E vocês estão vendo que esse alcance das novas mídias está chegando cada vez mais em pessoas diferentes, levando a causa?
Sim, a gente tem visto. Por muito tempo, o hemisfério norte, o norte global, concentrou as ações mais eficazes e eficientes. E hoje esse norte global tem visto juventudes indígenas chegando ao campo internacional.
A gente tem visto o norte global perceber a importância de povos indígenas nessa linha de frente de cuidado ao planeta e a importância de demarcação territorial, que é um tema mais comum no Brasil. E isso tem se expandido também para outros campos que antigamente não se via isso, sendo que essas iniciativas já eram realizadas há muito tempo.
A defesa pelo território não vem da época da constituinte, por exemplo. Há muito tempo atrás já se fazia isso. É uma causa anterior à ditadura militar. Desde muito tempo, os povos indígenas fazem essa defesa do território porque isso faz parte da nossa própria cosmo percepção.
Temos visto que agregar essas novas ferramentas de luta, como as tecnologias, a comunicação, tem sido importante para fortalecê-la. É uma luta dos antepassados, mas que a juventude tem conduzido também e vai conduzir para as próximas gerações que vão vir.
*Jornalista do IPAM