Na COP27, congressistas debatem regularização fundiária e PEC do Clima

14 de novembro de 2022 | Notícias

nov 14, 2022 | Notícias

Por Lucas Guaraldo*

Durante o painel “Iniciativas Parlamentares e Populares para reduzir as emissões por desmatamento no Brasil”, realizado nesta segunda-feira (14) na COP27 e organizado pelo IPAM em parceria com o IDS (Instituto Democracia e Sustentabilidade) e com o o Instituto NOSSAS, congressistas e lideranças da sociedade civil apresentaram panoramas e desafios para a preservação da Amazônia. Avaliaram a política fundiária brasileira dos últimos anos, bem como a importância de criar sinergias entre sociedade e parlamentares na implementação de políticas ambientais efetivas. Segundo os participantes, existe hoje no Brasil um mau uso do CAR (Cadastro Ambiental Rural), fato que contribui para o aumento da grilagem de terras em florestas públicas não destinadas. 

Segundo dados do IPAM, apresentados em maio deste ano na Comissão de Meio Ambiente do Senado, 65% dos 3,2 milhões de hectares desmatados de florestas públicas não destinadas na Amazônia até 2020 possuíam cadastros ambientais irregulares. 

“As comunidades e povos tradicionais da Amazônia estão segurando a floresta de pé com seus próprios corpos e suas vidas. Precisamos que as políticas públicas acompanhem esse esforço. Precisamos destinar as florestas ainda não destinadas e cancelar todos os CARs irregulares”, alertou a coordenadora de Parcerias da Amazônia de Pé, Renata Ilha. 

A afirmação de Ilha fundamenta-se em dados recentes: dos 56,5 milhões de hectares de florestas públicas não destinadas na Amazônia, 18,6 milhões de hectares possuem CARs ilegais sobrepostos às áreas preservadas. Dos 3,2 milhões de hectares de florestas públicas não destinadas desmatados na região até 2020, 65% eram áreas com cadastros irregulares. 

Na esteira da resolução, protocolado em março de 2022 pelo senador José Serra (PSDB-SP) e fruto de uma colaboração entre o IPAM e a RAPS (Rede de Ação Política pela Sustentabilidade), o PL 486/2022, que tramita no Senado, pretende criminalizar inscrições ilegais e proibir o CAR em áreas protegidas, como unidades de conservação e terras indígenas, e em florestas públicas não destinadas a qualquer um desses usos. Além do projeto de lei, o senador também protocolou a PEC do CAR, que altera o artigo 188 da Constituição Federal para definir a destinação de florestas públicas. 

O Brazil Climate Action Hub recebeu também a deputada Joênia Wapichana (REDE-RR), os senadores Fabiano Contarato (PT-ES) e Randolfe Rodrigues (REDE-PE), o presidente do Instituto de Terras do Pará (Iterpa), Bruno Kono, e a diretora-adjunta de Políticas Públicas do IPAM, Gabriela Savian.

Para Rodrigues, mais do que consolidar as pautas, o evento permitiu um olhar esperançoso e propositivo para a agenda ambiental brasileira. “A boiada foi detida pela luta popular, pela luta de ribeirinhos, indígenas, sociedade civil e órgãos públicos. Chegou o momento de não só conter a boiada, mas de plantar o futuro que está por vir. Um futuro com desmatamento zero, com a PEC do Clima e com o Brasil assumindo novamente o papel central em um futuro sustentável.”

Regularização fundiária 

Apesar do histórico, o CAR, ferramenta prevista no Código Florestal Brasileiro, tem um papel fundamental na regularização fundiária brasileira. Para Savian, o desmonte das políticas de terras no Brasil é responsável pela corrupção da ferramenta. “Temos uma desestruturação programática da pauta ambiental e isso faz com que uma ferramenta de cadastro ambiental vire arma de grilagem na mão de criminosos. O CAR pode ser um ótimo instrumento, mas estão permitindo que ele seja usado com fins espúrios.”

Por ser autodeclaratório, a CAR permite que comunidades isoladas possam, por exemplo, registrar suas terras e, assim, orientar políticas públicas focadas na preservação. “Temos anônimos ocupacionais na Amazônia. Sabemos que existem pessoas morando em algumas áreas, mas não sabemos quem são essas pessoas. Como vamos aplicar qualquer política pública se não sabemos se são indígenas, quilombolas ou ribeirinhos? Precisamos conhecer nossos povos”, afirma Kono.

De acordo com último relatório do Tô no Mapa, mais de cinco mil famílias de povos e comunidades tradicionais e de agricultores familiares – ainda não reconhecidas nos mapas oficiais do Brasil – utilizaram o aplicativo para realizar o automapeamento de seus territórios. São quilombolas, indígenas, ribeirinhos, pescadores artesanais, extrativistas, quebradeiras de coco-babaçu, entre tantos outros, que acessaram a ferramenta para registrar os limites de suas terras. Dados do IPAM e do ISPN (Instituto Sociedade, População e Natureza), produzidos por meio de um levantamento em parte do Cerrado, mostraram que existem 3,5 vezes mais comunidades tradicionais do que consta nos bancos de dados de órgãos governamentais responsáveis. 

Construindo a PEC do Clima

Durante o encontro, a deputada Wapichana apresentou detalhes da PEC 37 de 2021, apelidada de PEC do Clima, que inclui a segurança climática como direito humano fundamental, como princípio da ordem econômica e financeira nacional e como núcleo essencial do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. 

A tramitação da PEC se iniciou após reuniões do Conselho de Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas), que reconheceu o meio ambiente limpo, saudável e sustentável como um direito humano fundamental. Segundo a deputada, trata-se da “lei mais urgente do mundo”.

“Por que constitucionalizar a justiça climática? Porque isso obriga a sistematização de várias áreas e coloca peso na preservação de um meio ambiente ecologicamente equilibrado e reconhece que não existem outros direitos, incluindo o direito à vida, se não tivermos um meio ambiente equilibrado”, explica Wapichana. 

A proposta de emenda foi desenvolvida pela deputada Wapichana, primeira deputada indígena eleita no Brasil, em conjunto com Rodrigo Agostinho (PSB-SP), deputados da Frente Parlamentar Ambientalista, pesquisadores e lideranças sociais. 

Pagamentos por serviços ambientais

Em tramitação no Congresso está ainda a regulamentação da Lei 14.119, que institui a Política Nacional e o Programa Federal de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), sancionada em janeiro de 2021. Documento trata da remuneração de agricultores familiares, comunidades tradicionais e povos indígenas por serviços prestados em suas propriedades. 

A proposta, desenvolvida em parceria com as instituições integrantes da Força-Tarefa de pagamento por Serviços Ambientais e Mercado de Carbono da Coalizão Brasil, Clima, Floresta e Agricultura, estrutura  objetivos e diretrizes com foco em ações de manutenção, recuperação ou melhoria da cobertura vegetal em áreas consideradas prioritárias para a conservação. A remuneração pode vir através de recursos monetários, melhorias sociais ou títulos verdes por redução de emissões.

Durante sessão na Câmara dos Deputados em julho deste ano, a pesquisadora do IPAM e líder da Força-Tarefa, Erika Pinto, afirmou que, além de criar um ambiente jurídico para o pagamento dos serviços, a norma será fundamental para a sustentabilidade econômica do Brasil nos próximos anos

“Vamos entrar num colapso muito grande nos próximos anos se não fizermos nada, estudos mostram que no sul da Amazônia brasileira, por exemplo, a perda de receita considerando só a cadeia da carne seja de 180 bilhões de dólares até 2050”, alertou a pesquisadora.  

*estagiário sob supervisão de Natália Moura



Este projeto está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

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