Karina Custódio*
Luís Suruí sonhava em ver seu povo retomar as tradições que tinha antes do contato com não indígenas, e foi perseguindo este objetivo que criou um projeto de resgate cultural na escola onde trabalhava. Do projeto nasceu o “Paiter a Soe”, o primeiro museu da Amazônia localizado dentro de uma aldeia, a Gambi, na terra indígena Sete de Setembro, em Roraima. Luís lembra o processo:
“A história e a memória que meu pai carrega com ele sempre me guiou. Eu via a sabedoria mantida por ele e minha mãe e há muito tempo queria usá-la para divulgar e valorizar nossa cultura. E aí eu pensei em transformar o espaço que tínhamos construído no projeto da escola em um museu”, conta o idealizador da iniciativa.
Sua esposa, Alexandra Suruí, que já trabalhava na causa indígena como antropóloga, embarcou nessa jornada e hoje é coordenadora de projetos do museu. Para implantá-lo, em 2016, os dois tiveram que enfrentar grileiros na terra indígena. Alexandra narra que foram os filhos que lhe deram força para continuar.
“No começo, a gente foi muito perseguido pelos madeireiros, nem andávamos sozinhos, porque recebíamos muitas ameaças. Nesse momento eu quis desistir, achava que não valia a pena colocar nossa vida em risco. Mas foi bem nessa época que eu engravidei e tivemos nosso primeiro filho e vi que tínhamos que continuar”, explica a antropóloga.
Os malefícios do distanciamento da cultura tradicional nas comunidades da terra indígena ficaram evidentes durante a pandemia. Alexandra relata que muitas famílias ficaram sem ter o que comer, pois não podiam comprar alimentos na cidade. O isolamento as obrigava a permanecer no território, e a prática de cultivar roças havia sido interrompida.
As ações de valorização cultural do museu traçaram um caminho de volta para as tradições do povo Paiter Suruí: um projeto de resgate da maternidade, por exemplo, reintroduziu práticas que reconectam as comunidades com a floresta, como a confecção da tipoia — um instrumento de algodão usado para carregar bebês. O
uso de óleos e remédios produzidos com castanhas, plantas e frutos da mata, reforçou para a comunidade a necessidade de manter a floresta.
Alexandra conta que, graças ao fortalecimento da cultura Paiter Suruí, as comunidades envolvidas com o trabalho do museu hoje voltaram a criar suas roças, coletar recursos da floresta e produzir artesanato, o que, para ela, não só contribui para a proteção da Amazônia, mas também para o bem-viver.

Anciã Imakor Paiter em oficina de confecção da tipoia, instrumento de algodão feito para carregar bebês (Foto: Acervo Museu Paiter a Soe)
Etnoturismo e renda para a comunidade
Conforme relatam, os problemas causados pelas invasões na terra indígena diminuíram, e os projetos de etnoturismo implementados no museu ajudaram a mudar essa realidade. Alexandra explica que a renda dessas atividades é destinada a 22 famílias envolvidas com o coletivo que compõe o museu.
Fortalecidas pela renda e pelas ações culturais, as famílias fizeram frente aos invasores no território, fiscalizando e denunciando as atividades ilegais. Mesmo o garimpo, tem sido reprimido pelas comunidades com o apoio do museu, a partir do monitoramento com drones.
Analista de comunicação do IPAM*