A conversão de florestas para uso agropecuário está por trás dos altos níveis de emissão de gases de efeito estufa registrados no Norte do Brasil. Em aproximadamente 75% dos 450 municípios da região, grande parte das emissões ocorreu devido a mudanças de uso da terra, decorrentes principalmente do desmatamento, de acordo com dados da primeira edição do SEEG Municípios, uma iniciativa do Observatório do Clima.
O Norte é campeão na liberação de gases de efeito estufa na atmosfera quando comparado ao resto do país, revela o levantamento. Em 2018, a região emitiu 625,5 milhões de toneladas brutas de gás carbônico equivalente (CO2e), o equivalente a 31,5% do total nacional. O cálculo leva em conta o CO2 e outros gases associados ao aquecimento global, como o metano (CH4) e o óxido nitroso (N2O).
O SEEG Municípios computou as emissões de gases de efeito estufa de todos os 5.570 municípios brasileiros. O estudo cobre todos os anos de 2000 a 2018 e abrange mais de uma centena de fontes de emissões organizadas em cinco categorias: agropecuária, energia, processos industriais, resíduos e mudança de uso da terra.
É a primeira vez que se observa com lupa as emissões no âmbito municipal. No sul do Pará, por exemplo, destaca-se São Félix do Xingu, município responsável pela emissão de 29,7 milhões de toneladas de CO2e em 2018. Desse total, a alteração no uso da terra responde por 25,4 milhões de toneladas. “É o município que mais emite carbono no Brasil”, informa Bárbara Zimbres, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), uma das entidades que participaram do levantamento.
Se fosse um país, São Félix do Xingu seria o 111o do mundo em emissões, à frente de Uruguai, Noruega, Chile, Croácia, Costa Rica e Panamá, de acordo com dados do ranking global de emissões do World Resources Institute (WRI), centro de análise de assuntos ambientais com sede nos Estados Unidos.
“O desmatamento se intensificou muito em São Félix do Xingu nas últimas décadas”, afirma Zimbres. Ela explica que a razão disso é a expansão da fronteira agrícola, puxada pela abertura de pastos para a pecuária.
Não por acaso, São Félix do Xingu também desponta como o maior emissor no setor de agropecuária, com 4,2 milhões de toneladas de CO2e emitidas em 2018. Contribui para esse resultado o fato de que o município paraense contabiliza mais de 2,5 milhões de cabeças de gado – o maior rebanho do país.
“O rebanho bovino da região responde por 91,9% das emissões totais do setor de agropecuária”, explica Renata Potenza, coordenadora de projetos do Imaflora, organização responsável por compilar as informações sobre o setor. Durante a chamada fermentação entérica, os animais liberam gás metano via eructação – arrotos, em linguagem coloquial.
“Dentro da agropecuária, a fermentação entérica é o principal emissor em 94% dos municípios da região Norte”, analisa Potenza. Além da adoção de estratégias para melhorar a eficiência da digestão bovina, por meio do balanceamento de alimentos, a engenheira ressalta a importância de ações de remoção de gases da atmosfera.
Nesse aspecto, a região Norte traz boas notícias. Algumas das maiores cidades dos Estados do Pará e Amazonas, onde ainda há grandes extensões de florestas públicas em áreas protegidas, conseguem remover volumes consideráveis de carbono da atmosfera – reduzindo as chamadas emissões líquidas.
O campeão de remoções é Altamira, no Pará, o maior município do país em área. O município registra remoções de mais de 22 milhões de toneladas de CO2e. Já São Félix do Xingu tem remoções na ordem de 10 milhões de toneladas de CO2e. “Por isso é fundamental desenvolver estratégias municipais de manejo para a criação e manutenção de unidades de conservação e reservas indígenas, que preservam a biodiversidade local e podem barrar o avanço do desmatamento”, comenta Zimbres.
Dos 15 municípios mais emissores na região Norte, Manaus é o único cujas principais fontes de emissão estão no consumo de energia, e não nas mudanças de uso da terra. “A capital amazonense utiliza muita eletricidade gerada por usinas termelétricas fósseis, sobretudo aquelas movidas a gás natural”, diz Felipe Barcellos e Silva, pesquisador do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema).
O consumo de energia gerada nessas usinas é o principal fator de emissão em Manaus (49%). Além disso, municípios mais populosos têm no setor de energia sua principal fonte de emissões, devido especialmente ao consumo de combustíveis fósseis, como diesel e gasolina, nos transportes. É o caso das capitais Belém (PA), Porto Velho (RO), Boa Vista (RR) e Macapá (AP).
Levando em consideração o uso de energia para transformação química em processos industriais, chama a atenção a preponderância das emissões geradas na produção de cimento no município de Primavera, no Pará. “O uso de combustíveis fósseis em fornos da indústria de cimento é alto nessa cidade”, pontua Barcellos. Barcarena, no Pará, também se destaca pelas emissões de gases de efeito estufa em processos industriais por ser uma grande produtora de alumínio – cuja fabricação demanda muita eletricidade.
Cidades grandes e populosas da região Norte também são aquelas onde o tratamento de resíduos é uma fonte de emissões relevante – ainda que essa categoria responda por apenas 4% das emissões brutas do Brasil. Manaus, por exemplo, está entre os dez municípios brasileiros que mais emitem gases de efeito estufa pela disposição final de resíduos sólidos em aterros sanitários, controlados ou lixões.
“Cerca de 75% das cidades da região Norte têm como principal fonte de emissão, dentro do setor de resíduos, a disposição final do lixo”, assinala Íris Coluna, engenheira ambiental do ICLEI – Governos Locais pela Sustentabilidade.
Para ela, um dos méritos do SEEG Municípios é disponibilizar dados locais para que cada município possa elaborar suas próprias estratégias de redução de emissões. “Almeirim, no Pará, que se destaca na produção de celulose, é um dos 28 municípios da região Norte onde o tratamento dos efluentes industriais são uma fonte poderosa de emissão de gases de efeito estufa”, diz Coluna. “Ter acesso a essa informação é importante para que cada uma dessas cidades compreenda suas realidades ambientais e enfrente os problemas de maneira mais efetiva.”
Na visão do engenheiro florestal Tasso Azevedo, coordenador-geral do SEEG, o levantamento fornece informações para que gestores municipais e outros atores sociais possam se concentrar na elaboração de planos e políticas públicas.
“Até hoje, menos de 5% dos municípios brasileiros tinham algum inventário de emissões de gases de efeito estufa. Como os dados são disponibilizados de forma aberta e gratuita, significam também uma enorme economia de recursos públicos, que podem ser direcionados em ações para reduzir emissões”, observa Azevedo.
Os dados completos estão disponíveis na plataforma seeg.eco.br.
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Sobre o Observatório do Clima: rede formada em 2002, composta por 63 organizações não-governamentais e movimentos sociais. Atua para o progresso do diálogo, das políticas públicas e processos de tomada de decisão sobre mudanças climáticas no país e globalmente. Site: www.oc.eco.br.
Sobre o SEEG: O Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa foi a primeira iniciativa nacional de produção de estimativas anuais de emissão para toda a economia. Ele foi lançado em 2012 e incorporado ao Observatório do Clima em 2013. Hoje, é uma das maiores bases de dados nacionais sobre emissões de gases estufa do mundo, compreendendo as emissões brasileiras de cinco setores (Agropecuária, Energia, Mudança de Uso da Terra, Processos Industriais e Resíduos).
As estimativas são geradas segundo as diretrizes do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), com base nos Inventários Brasileiros de Emissões e Remoções Antrópicas de Gases do Efeito Estufa, do MCTIC (Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações).
Atuaram no SEEG Municípios pesquisadores das ONGs: Ipam e Imazon (Mudança de Uso da Terra), Imaflora (Agropecuária), Iema (Energia e Processos Industriais) e ICLEI – Governos Locais pela Sustentabilidade (Resíduos).
O SEEG Municípios é apoiado pela União Europeia, por meio do Instrumento de Parceria da UE e o Ministério do Meio Ambiente da Alemanha (SPIPA/EU-BMU), pela Climate and Land Use Alliance e pelo Instituto Clima e Sociedade.