Karina Custódio*
Balsas foi o município com a segunda maior área desmatada no Cerrado em 2023. Tem mais de 873 mil hectares de vegetação nativa, segundo dados da rede MapBiomas. É nessa cidade, localizada no sul do Maranhão, que está o povoado Rio Coco, comunidade em que vive Maria de Jesus de Sousa, agricultora familiar e filiada ao Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) de Balsas.
Há doze anos atuando em defesa dos trabalhadores rurais, Maria de Jesus narra que a luta pela terra era tarefa diária no sindicato. Segundo relatório da CPT (Comissão Pastoral da Terra), o Maranhão foi o terceiro Estado com o maior número de conflitos no país em 2023. A sindicalista explica que embora as disputas pela terra tenham se intensificado nos últimos anos, tiveram início na década de 1970.
Para Maria de Jesus, a regularização do território é o primeiro passo para ter acesso a políticas públicas que beneficiem a produção de agricultores familiares, defendidos pelo sindicato. Mas, para ela: “a justiça é lenta para os pequenos e rápida para os grandes”.
Em 2020, a líder sindical atuou na defesa da comunidade de Bom Acerto. Naquele ano, oito famílias do povoado criado há mais de 50 anos, tiveram suas casas derrubadas. Quase quatro anos depois a situação segue sem resolução.
Redução das águas
O conflito entre grandes e pequenos produtores rurais, a nível local, reverbera em todo o Cerrado. O Maranhão é o que mais desmatou o bioma em 2023, quando grandes propriedades concentraram cerca de 36% dos alertas de desmatamento no Estado.
Maria de Jesus conta que o desmatamento não é o único problema: em sua cidade há projetos de irrigação que captam água até de pequenos cursos d’ água, como o rio Coco, que passa em seu povoado. Ela conta serem frequentes as secas nos rios.
“Mesmo no verão eles puxam água do rio, o ano mais crítico foi em 2015, que secou o rio Coco, rio Jenipapo e vários outros rios pequenos. Eu participava da luta para que fosse suspensa a questão de puxar água dos rios”, relata a sindicalista.
Em 37 anos, Balsas perdeu 39% de sua área de rios e lagos, passando de um 1,3 mil hectares de corpos d’água, em 1985, para 798 hectares em 2022, conforme dados da rede MapBiomas. O impacto nas águas causa prejuízo para os pequenos produtores, que plantam próximo aos rios e criam gado. A pecuária é a mais afetada pela seca, já que com a seca dos pastos é necessário comprar ração e aumentar o custo da produção.
Outra preocupação são os agrotóxicos usados em propriedades vizinhas. Maria de Jesus descreve que, ao usar pesticidas, os fazendeiros expulsam insetos e fungos para lavouras que não usam esses produtos. Em 2023, ela conta que viu um avião dispersando agrotóxico a alguns metros da chácara da família.
O futuro dos trabalhadores rurais
Os conflitos agrários no sul do Maranhão muitas vezes têm como consequência a redução da área de propriedades dos agricultores familiares, como ocorreu com a família de Maria de Jesus, que viu sua possibilidade de plantar e criar animais reduzida a 20 hectares.
Maria de Jesus explica que essa redução das terras impede o modo de plantação tradicional da região. O costume é deixar parte da terra “descansar” por alguns meses, ou até anos, sempre que um plantio acaba, o que permite que a vegetação retorne e que o solo se fortaleça para a lavoura futura. Com seu território reduzido, pequenos agricultores muitas vezes têm de lidar com a degradação, e acabam recorrendo a produtos químicos.
Depois de décadas de luta, Maria de Jesus teme pelo futuro dos trabalhadores rurais: “Se não houver políticas públicas de fato, que façam o trabalhador rural permanecer na terra, acessar crédito e ter o documento da terra na mão, eu não vou dizer que vai acabar, mas vai ficar muito difícil, porque os grandes estão tomando de conta e a vida do pequeno não é fácil”.
Jornalista do IPAM*