“Marco temporal cria mais insegurança jurídica, não menos”, diz André Guimarães

5 de agosto de 2024 | Notícias

ago 5, 2024 | Notícias

Por Bibiana Alcântara Garrido*

O entendimento de que adotar um marco temporal das terras indígenas ‘pacificaria’ o debate no país é contestado por André Guimarães, diretor executivo do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), em posição divulgada nesta segunda-feira (5). Para Guimarães, o marco temporal cria mais insegurança jurídica, não menos.

Segundo o diretor, a instituição da regra teria efeito oposto ao esperado por campos favoráveis ao marco temporal, e aumentaria ainda mais a judicialização dos casos. O comentário se insere no contexto de início das atividades da comissão de conciliação sobre o marco, determinada pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes.

Foto de um igarapé, de água entre esverdeada e amarronzada, com a floresta em volta.

Igarapé na aldeia Vista Alegre, localizada no Baixo Tapajós (Bibiana Garrido/IPAM)

“A alegação de que a restrição à criação de terras indígenas ‘pacifica’ o campo não é verdadeira. Na realidade, o atrito entre o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional evidencia que haverá mais, e não menos, judicialização do debate. Portanto, o marco temporal cria ainda mais insegurança jurídica no campo, tanto para agricultores como para indígenas”, diz

A comissão foi aberta por Mendes depois de o magistrado ter sido sorteado como relator de uma ação pelo cumprimento da lei 14.701, votada no Congresso e promulgada em dezembro passado para a validação do marco temporal das terras indígenas. O STF havia julgado a tese inconstitucional meses antes, em setembro de 2023.

Equilíbrio climático

“Terras indígenas são os lugares em que a natureza é mais conservada no Brasil, mas estão cada vez mais ameaçadas pelo fogo e desmatamento, além do garimpo ilegal. Nós precisamos das terras indígenas protegidas para termos chance ao nosso futuro e para conseguir, inclusive, continuar produzindo alimentos em um clima equilibrado. Da mesma forma, precisamos manter nossa capacidade de produção agropecuária, o que demanda segurança jurídica, entre outros meios, para que sigamos sendo líderes globais de produção nesse setor. Não é o marco temporal que nos propiciará tais garantias para seguirmos sendo campeões da conservação e da produção agropecuária”, acrescenta Guimarães.

Um estudo divulgado pelo IPAM em setembro de 2023 mostrou que a fragilização do direito constitucional dos povos indígenas às suas terras colocaria em risco até 55 milhões de hectares de vegetação nativa. A perda causaria a emissão de até 18,7 bilhões de toneladas de carbono – o equivalente a 14 anos de emissões brasileiras, conforme o SEEG (Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases do Efeito Estufa).

Ameaças

Atividades predatórias no entorno e até mesmo dentro de terras indígenas colocam em risco a vida das pessoas e da biodiversidade. De 2022 para 2023, a área queimada em terras indígenas na Amazônia teve um aumento de 73%, indicou uma nota técnica publicada pelo IPAM em junho de 2024. Entre as explicações para o número está a seca extrema no bioma, intensificada pelas mudanças climáticas, combinada com a ignição humana do fogo, que acaba perdendo o controle e se tornando um incêndio na floresta.

O desmatamento nesses territórios já havia subido 153% no triênio 2019-2021 em comparação com os três anos anteriores, como mostrou outra nota técnica publicada pela instituição em fevereiro de 2022. Este fator agrava a perda de umidade e multiplica a degradação que deixa a floresta mais frágil ao alastramento de chamas. “Ar-condicionado” do Brasil, as terras indígenas, com biodiversidade protegida por seus povos, refrescam a temperatura local em até 5°C.

Ainda, com 80 mil pontos de garimpo, a Amazônia brasileira viu a mineração crescer em 361% dentro de terras indígenas de 2016 a 2022, revelou um estudo de abril de 2024. Cerca de 122 territórios no bioma estão localizados em bacias hidrográficas impactadas pelo garimpo.

“Continuar defendendo o marco temporal das terras indígenas é assinar a ruína da humanidade. Isso porque, sem os povos indígenas e os benefícios que colhemos de sua proteção à natureza, não há economia, não há política, nem vida possível”, conclui o diretor do IPAM.

*Jornalista de ciência do IPAM, bibiana.garrido@ipam.org.br
Foto de capa: O diretor executivo do IPAM, André Guimarães (Foto: Acervo IPAM)



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