Salvador Ribeiro foi um dos poucos que escolheu ficar no território depois da construção da BA-099, no final da década de 1980. A rodovia atravessou o Quilombo Limoeiro, no litoral norte da Bahia, próximo ao município de Entre Rios.
Pescador e quilombola com orgulho, Salvador falava que só sabia viver da terra e que não tinha como sobreviver sem ela. Recusou vender a área e lutou pela certificação, que só veio mais de 20 anos depois, em 2017.
Sua família, no interior da Bahia, não tinha ideia do que viria a seguir: no mesmo ano da certificação do quilombo, um neto do patriarca contou ser homossexual.
Frequentador das reuniões da Agriquilombola (Associação dos Agricultores Familiares Remanescentes de Quilombos da Comunidade Limoeiro), que encampou a luta pelo território, Lucas Ribeiro levou o debate LGBTQIA+ para todo o quilombo. Lá, procura sempre conversar sobre questões de gênero e sexualidade.
“Eu tenho trabalhado muito no diálogo nos momentos de reunião, quando estou presente na comunidade, nos momentos de distração, ali no bar, no quiosque. Conversando sobre isso, impondo, inclusive, alguns posicionamentos”, compartilha Lucas.
Para ele, a batalha pelo direito à identidade caminhou com a luta pela terra. Ao ingressar no ensino superior, o jovem passou a integrar a CONAQ (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas). Hoje, é coordenador geral do Coletivo Pró Secretaria Nacional LGBTQIA+ na organização.
Lucas está ajudando a construir uma ação pioneira: o primeiro mapeamento de quilombolas LGBTQIA+ do país, que pretende apoiar a construção de políticas públicas para a população. A pesquisa ainda não foi lançada, nem divulgada, o coletivo está a procura de apoio institucional de organizações com capacidade e experiência na produção de dados para garantir a construção de um relatório sobre o tema.
Insegurança territorial e ameaça a atividades tradicionais
Mesmo na universidade, Lucas continua atento aos conflitos que atingem o quilombo e sua família. Ele enfatiza que as ameaças continuaram mesmo depois da titulação. O território, que foi reduzido por conta da construção da rodovia, é pressionado por plantios de eucalipto e pela expansão da rede hoteleira na região.
“Muitas dessas comunidades onde tem plantio de eucalipto perto, sofrem com a infestação de pragas recorrente. Tem uso de veneno, agrotóxico, que muitas vezes contaminam os solos e os rios”.
As pragas prejudicam a agricultura familiar da comunidade, principal fonte de renda junto com o artesanato tupinambá, que também foi afetado pela perda de vegetação. Outro problema enfrentado é a grilagem de terras. O jovem detalha que é a associação do quilombo que lida com as situações, levando os casos até a Defensoria Pública e o Ministério Público Estadual da Bahia.
Trazendo o quilombo para a academia
Estudante de Museologia na UFRB (Universidade Federal do Recôncavo da Bahia), Lucas ampliou ainda mais a rede de atuação: tornou-se idealizador da Rede Museologia Kilombola e coordenador de comunicação do Coletivo Unificado dos Estudantes Quilombolas na universidade.
Nesses espaços, lidera atividades que conscientizam sobre a importância de manter e espalhar a memória quilombola e garantir os direitos dessas comunidades. A pesquisa acadêmica é parte importante desse processo, e é o que ele busca aprofundar no futuro profissional.
Para o trabalho de conclusão da graduação, Lucas planeja escrever sobre o trançado Tupinambá e sonha que o estudo impulsione o reconhecimento do artesanato como patrimônio imaterial para criar incentivos à atividade presente em seu quilombo. Ele destaca os benefícios do reconhecimento:
“É importante, inclusive, para valorização das pessoas que produzem, porque o trançado, antes de tudo, é uma atividade que precisa que se mantenha a mata em pé, que preserve a Mata Atlântica, porque não dá para produzir sem a proteção do meio ambiente”.
Entre os planos para o mestrado e doutorado, está a elaboração de uma pesquisa que relacione a museologia com o quilombo e sua própria comunidade.