Por Sara Leal*
Raquel Poça, analista de pesquisa do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), fala sobre os desafios da regularização fundiária na Amazônia.
A entrevista foi divulgada na newsletter Um Grau e Meio, uma produção quinzenal e gratuita do IPAM com análises exclusivas sobre clima e meio ambiente. Clique para receber!
IPAM: Quais são as oportunidades e gargalos da regularização fundiária?
Raquel Poça: Apesar de garantir maior celeridade na análise na regularização fundiária, a transformação digital empregada na operacionalização da política fundiária é algo muito recente.
No nível federal, o desenvolvimento do SIGEF (Sistema de Gestão Fundiária), em 2014, foi um passo importante nessa transição e viabilizou o desenvolvimento de outras melhorias tecnológicas como a conversão das informações de documento físico para digital. Em especial o acervo fundiário, que abriga todo o histórico da regularização fundiária.
São papéis a serem analisados que datam da época imperial do Brasil e trazem todo o histórico de formação do país, como é o caso dos chamados “títulos paroquiais”.
A partir de 2019, com o desenvolvimento da Plataforma de Governança Territorial, a regularização fundiária passa a integrar informações cadastrais e de ocupação da terra. A interoperabilidade das informações é a palavra da vez, a qual garante celeridade processual e cruzamento de um volume de dados de forma facilitada.
Quais são os desafios da regularização na Amazônia legal brasileira?
Embora se tenha avançado no uso de meios de análise mais ágeis para regularização fundiária, o custo operacional ainda é alto. É preciso modelar novos mecanismos e instrumentos financeiros para implementar a política pública de modo que haja sustentabilidade de implementação a longo prazo.
Há também baixa consolidação de informações territoriais. Nem todos os estados têm base de dados consolidado. As informações são imprecisas e isso dificulta qualquer planejamento. Informação é tudo. Se a informação é imprecisa, há fragilidade na execução daquela política.
Do mesmo modo, a desarticulação com outras políticas de desenvolvimento e o baixo investimento para políticas de regularização fundiária são gargalos estruturais. Embora tenha algumas mudanças e avanços, a demanda represada é histórica e segue como desafio.
Também, como qualquer outra política a ser operacionalizada e por não ser centralizada na União, mas sim distribuída, há dificuldade de infraestrutura dos próprios estados, que nem sempre possuem condições adequadas para avançar na escala requerida.
Como a sociedade civil pode apoiar os esforços dos estados em regularizações?
Um exemplo é a contribuição do IPAM a partir do apoio técnico para a consolidação de base de informações, estudos e análises técnicas e científicas, de forma a apoiar políticas públicas para o desenvolvimento da Amazônia. No Estado do Pará, por meio de parceria com o ITERPA [Instituto de Terras do Pará], tem subsidiado o estado com a elaboração de estudos estratégicos, identificando oportunidades de melhorias e soluções que aperfeiçoam a implementação da regularização fundiária.
Desde a criação do SICARF [Sistema de Cadastro de Regularização], em 2018, pelo Pará, o Estado tem exponenciado sua atuação tanto na regularização de imóveis rurais individuais e coletivos. Como sistema inovador que opera do cadastro à análise fundiária, reconhecido em âmbito nacional e internacional, vem sendo promovido pelo governo federal como referência para outros estados enquanto estratégia de melhoria para a operacionalização da política fundiária.
Complementarmente a estes avanços, como forma de qualificar ainda mais o processo de regularização fundiária do estado, analisamos a capacidade organizacional e de gestão de processos, a partir do mapeamento dos fluxos em plena operação, identificando gargalos e possíveis melhorias de âmbito normativas, tecnológicas e processuais.
A partir das demandas identificadas e qualificadas, apoiamos o estado no desenvolvimento de um módulo para automatização das análises ambientais nos processos antes e pós titulação, sendo o único Estado a realizar esse tipo de análise e monitoramento da pós titulação.
Além da automatização, caso o resultado dessas análises aponte indeferimento, conforme critérios previstos em legislação, o dado publicizado para que outros órgãos públicos e sistema financeiro possam acessar – garantindo maior segurança na informação no processo de emissão de crédito, o que dificulta o financiamento de atividades em apropriações ilegais.
Outra contribuição significativa que buscamos apontar, é a geração de informação de qualidade fundamentada na ciência para subsidiar as políticas públicas. Em um estudo de caso sobre os custos operacionais de regularização fundiária, em uma das 12 regiões de integração do Estado do Pará, foram levantados os custos médios para executar a regularização fundiária, perfazendo valores em torno de R$ 3.800,00 por hectare para a titulação.
Os dados revelam que a logística ainda é um fator de alto impacto no custo, o qual se comporta de forma variável por região de integração, nível de consolidação do território e base fundiária estruturada.
Estes são valores de estudo, específicos para o contexto do local analisado, que servirão como base para avaliação de custos no estado do Pará, assim como as formas e mecanismos de implementá-lo. À medida que as melhorias e aperfeiçoamentos operacionais estão sendo incorporadas, a tendência é que esses valores se reconfigurem.
Esse e outros dados estarão presentes em uma nota técnica a ser publicada em setembro pelo IPAM, que trará diversas outras informações que servirão como base para contribuir com a operacionalização da política fundiária na Amazônia.
*Coordenadora de comunicação do IPAM, sara.pereira@ipam.org.br