A Fazenda Tanguro, laboratório a céu aberto do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) em Querência (MT), recebeu jornalistas e produtores de conteúdo para uma expedição científica voltada à apresentação de resultados de estudos sobre desmatamento, fogo, água e biodiversidade numa área de transição entre Amazônia e Cerrado.
A principal pesquisa trata do comportamento em longo prazo da floresta diante de distúrbios causados por queimadas experimentais. Uma área de 150 hectares de vegetação nativa foi dividida em três tratamentos: uma permaneceu intacta, a segunda foi queimada a cada três anos; e a terceira, anualmente. As queimas ocorreram entre 2004 e 2010.
“Fazemos um inventário florestal: a gente calcula carbono, composição e número de espécie de árvores, o impacto do fogo sobre as plantas e as taxas de mortalidade em cada uma das áreas”, enumera Leonardo Maracahipes-Santos, pesquisador do IPAM e coordenador de projetos na Fazenda Tanguro.
A coleta de dados é feita por meio de monitoramento manual e usando a tecnologia. Em pontos espalhados pela floresta, foram instaladas 500 redes para coletar folhas que depois de ressecadas em estufas são analisadas individualmente para avaliar a quantidade de serrapilheira jogada no solo e a produtividade da floresta.
As áreas do estudo também têm torres instaladas que medem, por meio de sensores no solo e acima das copas das árvores, numa altura de 36 metros, o fluxo do carbono armazenado, fluxo de água e a umidade relativa do ar na floresta.
Os resultados identificaram impactos negativos para a biodiversidade. Por causa dos distúrbios, houve a substituição de espécies, algumas com funções ecossistêmicas diferentes. Insetos perderam a capacidade de polinização de plantas, e, em geral, animais e microrganismos não conseguiram sobreviver a eventos climáticos extremos como ventos e queimadas.
A fazenda abriga uma fauna com mais de 825 espécies de animais silvestres. Animais ameaçados como tatu-canastra, anta e onça pintada encontraram um lar na Tanguro. Foi registrada, ainda, a ocorrência de 87 espécies de abelha e um aumento nas espécies de formiga. Mas uma maior diversidade de animais em áreas atingidas pelo fogo, por exemplo, não é sinônimo de impacto positivo.
“Se a gente for analisar que a floresta se mantém com sombra quando preservada, com menor entrada de luz, a abertura de áreas em floresta tem um impacto negativo para a diversidade da fauna, porque você muda a espécie que deveria estar naturalmente no lugar. Vão chegando espécies generalistas, que são competidoras, e eliminam as espécies mais sensíveis. Consequentemente isso muda o papel das espécies na floresta e causa a perda de serviços ecossistêmicos”, explica Filipe Arruda, pesquisador do IPAM.
O impacto da agricultura nas represas da região também é objeto de estudos. As águas em florestas preservadas são mais limpas, a vegetação é mais densa, fechada e o solo menos úmido, permitindo que seja mais resistente a distúrbios. Nas áreas usadas para lavoura, há sedimentos na água, a temperatura é mais alta e há maior quantidade de combustível natural para o fogo, como galhos, folhas e gramíneas.
Para avaliar essas alterações, os pesquisadores colocaram sensores no leito de um córrego que atravessa as diferentes realidades. Também há estudos em curso sobre a concentração de gases de efeito estufa nas represas, como o metano. “É importante para termos uma noção do balanço hidrológico. Sabemos a quantidade de chuvas, a quantidade de água que está passando pelo solo. É como tirar uma amostra de sangue de uma pessoa. É entender o que está acontecendo na bacia como um todo”, diz Márcia Macedo, pesquisadora do Centro de Pesquisa em Clima Woodwell e pesquisadora associada do IPAM.
A expedição ocorreu na primeira semana de março com apoio da Fundação Charles Stewart Mott. “O intuito é sensibilizar cada vez mais as pessoas e a sociedade, para entenderem como a ciência funciona e como chegamos a resultados que têm consequências nas suas vidas. Seja por meio do alimento, da saúde, dos preços no mercado, tudo envolve o meio ambiente, principalmente, proteger nosso planeta hoje para garantir que ele ainda seja habitável pelas futuras gerações”, define Carolina Guyot, analista de pesquisa do IPAM e coordenadora da atividade.
A visita na Fazenda Tanguro contou com a participação dos jornalistas Fabíola Sinimbú (Agência Brasil) e André Cabette (Fundação Reuters), além de Amanda Costa, criadora de conteúdo digital.