Por Bibiana Alcântara Garrido*
Mais de 40 pesquisadores do Brasil e do mundo assinam uma carta publicada na revista científica Nature nesta segunda-feira (6) em defesa de ecossistemas não florestais. A publicação alerta que ignorar a perda de vegetação fora de florestas coloca em perigo o Cerrado brasileiro e pede medidas para a proteção do bioma.
“A ênfase global em deter a perda florestal falhou em não reconhecer a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos prestados por biomas não florestais, como o Cerrado brasileiro. Nesta carta, destacamos a necessidade urgente de abordar sua destruição, inclusive na próxima Conferência das Partes (COP28), e de esforços coordenados para proteger esses ecossistemas não florestais em meio à crise climática”, avaliam os autores.
O Cerrado corresponde a 23,3% do território nacional, o segundo maior bioma brasileiro e da América do Sul, e já perdeu mais da metade da vegetação original. Em 2022, dado mais recente disponível, 47,9% de sua área era de vegetação nativa e 50,1% de uso agropecuário, segundo o mapeamento da rede MapBiomas, da qual o IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) faz parte.
Negligência
Enquanto o desmatamento cai na Amazônia (queda de 33,6% nos alertas no primeiro semestre de 2023), o inverso ocorre no Cerrado: o bioma teve alta de 21% no desmate no mesmo período. Mais de 10,6 mil km² foram desmatados no Cerrado em 2022, conforme o INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), uma área próxima aos 12 mil km² de vegetação perdidos naquele ano na Amazônia – só que o Cerrado é mais de duas vezes menor.
A aceleração no desmatamento do Cerrado registrou em 2022 a maior destruição desde 2015. De janeiro a setembro de 2023, foram 7,4 mil km² desmatados no bioma, indica o SAD Cerrado (Sistema de Alerta de Desmatamento do Cerrado).
Para os pesquisadores, “a destruição implacável de biomas não florestais é um reflexo não apenas da alta conversão de vegetação nativa, mas da negligência histórica em relação a esses ecossistemas ricos em biodiversidade”.
“A falta de ambição no que diz respeito à conservação do Cerrado põe em risco não somente a biodiversidade desse hotspot mundial, mas também os serviços ecossistêmicos providos pelo bioma”, diz Ane Alencar, diretora de Ciência no IPAM e coordenadora da rede MapBiomas Fogo, uma das autoras da publicação.
Riscos
O Cerrado é um dos biomas brasileiros com maior área ocupada pela agropecuária, portanto, fundamental para a segurança alimentar do país e para setores produtivos relacionados, além de ser casa para milhões de pessoas, povos e comunidades tradicionais.
A distribuição e o abastecimento de água ficam comprometidos com o ritmo atual de desmatamento, que contribui para uma diminuição de 15% no volume dos rios. Projeções também alertam para o risco de extinção de mais de 400 espécies endêmicas de plantas – aquelas que só nascem no Cerrado – até 2050.
Como segundo maior bioma do país, o Cerrado também tem o segundo maior “banco de carbono” do Brasil, com uma média de 48 toneladas de carbono estocadas por hectare. Destruir sua vegetação implicaria na emissão de mais gases superaquecedores da atmosfera, agravando a emergência climática global.
Instrumentos legais como o CAR (Cadastro Ambiental Rural) e o projeto de lei 2903/2023 são citados pelos pesquisadores como medidas que aumentam os riscos ao Cerrado e, consequentemente, à toda a população, por acirrar disputas por terras, criando sobreposições irregulares e chances de mais desmatamento.
Proteção
“Os mesmos esforços para reverter o aumento do desmatamento na Amazônia devem ser estendidos para combater a perda de vegetação nativa no Cerrado e em outros biomas brasileiros”, sugerem os autores.
Com 3% de sua área sob proteção integral, o Cerrado tem 62% da vegetação nativa remanescente dentro de áreas privadas, submetidas às regras do Código Florestal. Para o Cerrado, a lei permite o desmatamento de 65% a 80% da área total do imóvel rural – um contraste, expõem os pesquisadores, em relação aos 80% que devem ser conservados em propriedades particulares na Amazônia.
A proteção do Cerrado inclui, portanto, legislações que se aplicam a propriedades privadas no bioma. Ainda que o Cerrado seja “geralmente excluído das políticas e iniciativas de sustentabilidade relacionadas ao agronegócio, como no caso da Moratória da Soja”, critica a carta.
Para o grupo, a revisão do PPCerrado (Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento e das Queimadas no Bioma Cerrado) oferece uma oportunidade “crucial” de aumentar a ambição e o compromisso na implementação de medidas de proteção para reverter o cenário de destruição.
“O PPCerrado é a oportunidade para que o Brasil seja ousado e zere qualquer tipo de desmatamento no Cerrado, não somente o ilegal. Os avanços tecnológicos possibilitaram uma otimização da agricultura intensiva no Cerrado, sendo desnecessária a abertura de novas áreas para aumentar a produtividade. Além disso, o Cerrado precisa urgentemente de uma política de incentivo à restauração e que os programas REDD+ valorizem também a rica biodiversidade da região. Sem dúvidas, a COP28 é a oportunidade para que os países com biomas não florestais possam construir sólidas estratégias para conservar essas regiões”, completa Celso Silva-Junior, pesquisador do IPAM que liderou o estudo com a cientista brasileira De. Polyanna Bispo (The University of Manchester).
Outros ecossistemas não florestais citados na carta como vulneráveis de maneira similar são Caatinga, Pampa e Pantanal, no Brasil; Chaco, que compreende também Bolívia, Argentina e Paraguai; Savanas Africanas e Grandes Planícies Americanas.
*Jornalista de ciência no IPAM, bibiana.garrido@ipam.org.br