Por Lucas Guaraldo*
Em meio à expansão agrícola no Matopiba – fronteira agrícola que compreende Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia – grandes produtores rurais se apossam das terras preservadas de comunidades tradicionais e as registram como as áreas de reserva legal de suas propriedades. Segundo Abner Costa, diretor da Agência 10envolvimento, essa “grilagem verde” tem se transformado em um dos principais motivadores para conflitos violentos na região.
“Para poder ter acesso aos créditos rurais e legalizar suas áreas, fazendeiros que desmataram mais do que poderiam alocam suas áreas de reserva legal no vale onde vivem as famílias de geraizeiros. Como as áreas de reserva legal devem estar intocadas, os grileiros usam dessa declaração irregular para expulsar dezenas de famílias das terras que ocupam há séculos. A partir desse momento, já está instalado o conflito”.
O Código Florestal Brasileiro define que pelo menos 20% da vegetação nativa presente em uma propriedade rural no Cerrado deve ser preservada para permitir o uso sustentável dos recursos naturais e a preservação do ecossistema. Contudo, segundo Abner, a lentidão no processo de mapeamento faz com que grileiros tenham facilidade em declarar áreas em que comunidades vivem há séculos como partes preservadas de suas propriedades.
“As comunidades podem entrar com seu próprio pedido de demarcação no CAR [Cadastro Ambiental Rural], mas é muito difícil contratar profissionais que possam fazer esse mapeamento e conseguir a validação. Ao mesmo tempo, os fazendeiros já têm todas essas áreas mapeadas. Então, quando as comunidades finalmente mapeiam suas áreas, os grandes produtores da região já as declararam como suas e o processo fica mais difícil”
Ciclos de violência
A Agência 10envolvimento atua desde 2004 em defesa das comunidades tradicionais e dos recursos naturais na região próxima a Barreiras, no coração do Cerrado baiano e um dos centros de desmatamento do bioma. Nos últimos 12 meses, o município derrubou mais de 10,7 mil hectares de vegetação nativa, segundo o SAD Cerrado.
Comunidades de geraizeiros – famílias de extrativistas e de criadores de gado solto – da região têm sido expulsas de suas terras há décadas para alocar novos latifúndios, conta Abner.
“Antigamente as grandes áreas da chapada próximas de Barreiras eram usadas pela comunidade da região, mas eles foram expulsos de lá e desceram para os vales que não interessavam aos grandes produtores por conta do relevo. Mas a vegetação nativa e as áreas vazias da parte alta acabaram. A partir do momento que a grilagem verde começa a agir nas comunidades tradicionais, chega a violência e novamente ameaçam e tentam expulsar famílias”, destaca.
De acordo com dados do aplicativo Tô no Mapa, que permite o autodeclaração de comunidades tradicionais, 52,9% das mais de 20 mil famílias cadastradas denunciaram pelo menos um tipo de conflito em suas terras. Conflitos por terra, como os causados pela grilagem verde, representam 28% de todas as denúncias da ferramenta, seguidos por disputas por acesso à água, que totalizam 18%.
Matopiba
O Matopiba é o principal centro de desmatamento do Cerrado. Segundo dados do MapBiomas Alerta, a região respondeu pelo desmatamento de 512 mil hectares em 2022, 77,7% de todo o desmatamento do bioma no período. Municípios da Bahia, Piauí e Maranhão estão no topo da lista de maiores desmatadores do ano passado.
“A grilagem verde é um dos principais motores de violência socioambiental aqui no Cerrado, mas isso parte também do incentivo de algumas repartições públicas. A exploração econômica da região é um projeto que foi pensado, estudado e financiado. Hoje temos o Matopiba, uma coisa relativamente nova, que é só mais um nome para incentivar a migração de agricultores para essa região do Cerrado”, analisa Abner.
De acordo com dados do SAD Cerrado, em 2023 já foram desmatados quase 178 mil hectares de Cerrado nos estados do Matopiba. A Bahia foi o estado que teve a maior área de vegetação nativa desmatada, com 58,3 mil hectares; seguido pelo Tocantins, com 55,7 mil hectares desmatados; Maranhão, com 34,4 mil hectares; e Piauí, com quase 30 mil hectares derrubados.
Jornalista no IPAM, lucas.itaborahy@ipam.org*