Por Bibiana Alcântara Garrido*
A vegetação do tipo savana concentrou 78% da área desmatada no Cerrado diretamente para o pasto e o plantio de soja entre 2010 e 2021. Com uma mescla característica de árvores e arbustos, as savanas ocupam 30% do bioma, que também é composto por vegetações do tipo florestal (14%), campestre (5%) e áreas úmidas (3%). Os números são da Coleção 7 da iniciativa MapBiomas Brasil, lançada nesta sexta (26), e preocupam diante de um cenário que exclui vegetações savânicas da regulação de mercado e acordos internacionais para rastreamento de produtos oriundos do desmatamento.
De 1985 a 2021, as savanas perderam cerca de 25% da cobertura original, ou 20 milhões de hectares, uma área maior que o estado do Paraná. No mesmo período, as vegetações florestais do Cerrado perderam 15% da cobertura, ou 5 milhões de hectares, área aproximada do Distrito Federal. O Cerrado tem ainda 53% de vegetação nativa. Outros 47% do bioma estão cobertos por uso antrópico, de atividades humanas – sendo 45,5% só de uso agropecuário com pastagem e agricultura. Entre esses dois tipos de uso da terra, foi a agricultura que teve o maior crescimento em área no Cerrado desde 1985, com mais 24,4 milhões de hectares ocupados nos últimos 37 anos, uma expansão de 504%.
“Apesar da formação savânica ser a cobertura predominante no Cerrado, é urgente protegê-la e criar mecanismos para acabar com seu desmatamento, já que estamos observando um rápido avanço da pastagem e do cultivo de grãos sobre essa vegetação”, analisa Julia Shimbo, pesquisadora no IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) e coordenadora científica no MapBiomas.
Uma das novidades na Coleção 7 do MapBiomas Brasil é a análise das trajetórias da vegetação nativa, que é como se fosse um histórico do comportamento do desmatamento e da dinâmica da conversão de terras para uso antrópico do Cerrado. Desde 1985, pesquisadores apontam que 20% do bioma foi desmatado e convertido diretamente ao uso agropecuário, tendo assim permanecido nos últimos 37 anos – ou seja, as áreas desmatadas não deixaram de ser ocupadas pela agropecuária em nenhum momento. No mesmo período, 16% do Cerrado foi cenário de alternâncias entre ganho e perda de vegetação nativa ao longo dos anos – um comportamento que pode combinar desmate, abandono e uso da terra.
A maior parte da vegetação nativa do Cerrado encontra-se dentro de propriedades rurais privadas, 60%, o que indica a relevância desses locais na formulação de políticas voltadas à conservação do bioma. Outros 24% da vegetação nativa estão em áreas sem informação de categoria fundiária e 11% dentro de áreas protegidas.
“Quase ¼ da vegetação nativa do Cerrado está no vazio fundiário. Pela dificuldade de responsabilização, essas áreas são as mais vulneráveis a degradação e à grilagem de terras, de modo que a regularização fundiária e a ampliação de áreas protegidas são passos fundamentais para a conservação do Cerrado”, destaca Dhemerson Conciani, pesquisador no IPAM e no MapBiomas.
Matopiba concentra fogo, desmatamento e soja
A fronteira agrícola do Matopiba concentrou 60% da área desmatada e 66% da área queimada no Cerrado entre 2010 e 2021. Região que compreende os estados Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, ocupa 30% da área total do Cerrado e guarda 45% da vegetação nativa remanescente do bioma. Foi no Matopiba que ocorreu 47% da conversão direta de áreas de vegetação nativa para uso agropecuário no Cerrado na última década. Também entre 2010 e 2021, a região concentrou pouco mais de 80% de todas as conversões diretas para plantio de soja ocorridas no bioma. A análise do MapBiomas indica ainda que ao menos 67% do Matopiba já queimou uma vez desde 1985.
“O Matopiba vem concentrando grande parte das mudanças de uso da terra no Cerrado, além da maior parte do fogo provocado por atividade humana no bioma. Essas conversões estão seguindo um rumo diferente do observado em outras regiões, não para pasto, mas direto da vegetação nativa para a soja. Esses dados demonstram claramente a necessidade de maior engajamento do setor de commodities agrícolas em seu papel na conservação da vegetação nativa do Brasil”, diz Ane Alencar, diretora de Ciência no IPAM e coordenadora das iniciativas MapBiomas Cerrado e MapBiomas Fogo.
*Jornalista no IPAM, bibiana.garrido@ipam.org.br.