Fogo queimou quase 200 milhões de hectares do Brasil nos últimos 39 anos

18 de junho de 2024 | Notícias

jun 18, 2024 | Notícias

Por Lucas Guaraldo*

O fogo queimou 199 milhões de hectares, atingindo 68% de vegetação nativa, entre 1985 e 2023. Área queimada equivale a 23% de toda a extensão do País e supera o território de países como México, décimo terceiro maior do mundo. Dados foram publicados nesta terça-feira (18) na terceira coleção do MapBiomas Fogo e produzidos e coordenados por pesquisadores do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) e outras equipes que compõem a rede.

Apenas em 2023, foram queimados 16,2 milhões de hectares, sendo 11,6 milhões de hectares em áreas de vegetação nativa, cerca de 71% do total, e 4,6 milhões de hectares em áreas de uso antrópico, 29%. No ano passado, formações savânicas e pastagem  foram as categorias mais queimadas, totalizando, juntas, 7,7 milhões de hectares afetados pelo fogo.

“O fogo ainda é uma ferramenta importante utilizada na agropecuária brasileira. Grande parte das pastagens no Brasil tem seu capim renovado com o uso do fogo, assim como as queimadas são a principal forma de transformação da biomassa derrubada pelo desmatamento facilitando a conversão da floresta em áreas de cultivo ou pastagem.​ O grande problema é quando essas queimadas ultrapassam o limite desejado e viram incêndios. Infelizmente esse cenário está ficando cada vez mais comum principalmente por conta das mudanças climáticas”, destaca Ane Alencar, diretora de Ciência do IPAM.

Gráfico de incremento de área queimada de 1985 a 2023

Gráfico de incremento de área queimada de 1985 a 2023

 

Nos últimos 39 anos, 68,4% do fogo atingiu áreas de vegetação nativa, cerca de 136 milhões de hectares, sendo as formações savânicas, típicas do Cerrado, as mais afetadas pelas chamas, devido a sua composição majoritária por gramíneas e arbustos esparsos que são bastante suscetíveis ao fogo. As áreas de uso antrópico – aquelas modificadas por humanos – concentraram 31,6% do que queimou, aproximadamente 62,9 milhões de hectares, sendo 50 milhões apenas em áreas de pastagem.

 

Gif de área queimada de 1985 a 2023 (em vermelho)

 

O fogo no Brasil está fortemente relacionado ao período seco do centro do país, que ocorre entre julho e outubro. De acordo com os dados produzidos, 79% da área queimada no Brasil ocorre nesse intervalo, coincidindo com o período de seca no centro do País. A diminuição da umidade na vegetação durante esse período facilita a propagação dos incêndios, agravando a situação ambiental na região.

Os dados da Coleção 3 do MapBiomas Fogo indicam que 65% da área afetada pelo fogo no Brasil foi queimada mais de uma vez em menos de 40 anos. “Queimadas frequentes em biomas florestais como a Amazônia levantam sérias preocupações ecológicas e ambientais, degradando a vegetação nativa, comprometendo a biodiversidade e a recuperação dos ecossistemas. A recorrência do fogo torna as florestas mais suscetíveis a novos incêndios, criando um ciclo de degradação contínua. Além disso, o fogo afeta diretamente a fauna local e aumenta a emissão de gases de efeito estufa, intensificando as mudanças climáticas. Práticas agrícolas inadequadas, desmatamento e mudanças climáticas são fatores que contribuem para esse ciclo de degradação.”, detalha Felipe Martenexen, pesquisador do IPAM.

Municípios com maior área queimada no Brasil entre 1985 a 2023.

Mato Grosso, com 43,6 milhões de hectares; Pará, com 28,4 milhões de hectares; e Maranhão, 20 milhões de hectares, foram os líderes de área queimada desde 1985: 46% de tudo que queimou estava localizado nos três Estados, cerca de 92 milhões de hectares. Dentre os municípios, Corumbá (MS), São Félix do Xingu (PA) e Formosa do Rio Preto (BA) foram os maiores registros de área queimada, totalizando 7,5 milhões de hectares nos últimos 39 anos. Juntos, os 10 municípios que mais desmataram, dos quais cinco estão no Cerrado, quatro na Amazônia e um no Pantanal, responderam por 8% de toda a área queimada do Brasil nos últimos 39 anos.

Esses mesmos estados e municípios também aparecem nos rankings de desmatamento, conforme o Relatório Anual de Desmatamento 2023. A concentração do fogo nesses locais pode ser explicada pela relação entre desmatamento e fogo: áreas desmatadas são frequentemente queimadas para limpeza e preparação do solo para atividades agropecuárias.

Amazônia e Cerrado juntos concentraram 86% da área queimada nos últimos 39 anos

Entre 1985 e 2023, Cerrado e Amazônia concentraram cerca de 86% da área queimada pelo menos uma vez. Os dois maiores biomas brasileiros, que juntos cobrem 73% do País, tiveram cerca de 171 milhões de hectares queimados nos últimos 39 anos, área maior do que a de todo o Estado do Amazonas, ou três vezes a área da França. No Cerrado, onde esteve concentrada 44% da área queimada, foram afetados, em média, 9,5 milhões de hectares por ano, enquanto a Amazônia, que concentra 42% da área queimada, queimou em média 7,1 milhões de hectares por ano.

As mudanças climáticas desempenham um papel significativo na intensificação das áreas queimadas no Cerrado e na Amazônia. O aumento das temperaturas e a alteração dos padrões de precipitação tornam esses biomas mais suscetíveis ao fogo. “O regime do fogo no Cerrado, que naturalmente possui ciclos de queimadas, está sendo drasticamente alterado. As secas prolongadas e as altas temperaturas, combinadas com o uso indiscriminado do fogo estão aumentando a frequência e a severidade dos incêndios, colocando em risco a biodiversidade local e a integridade do ecossistema,” destaca Vera Arruda, pesquisadora do Ipam.

“A Amazônia enfrenta um risco elevado com a ocorrência de incêndios devido à vegetação não adaptada ao fogo, o que agrava a degradação ambiental e ameaça a biodiversidade local”, alerta a cientista Ane Alencar, diretora de Ciência do IPAM. “A seca histórica e a falta de chuvas suficientes para reabastecer o lençol freático intensificam a vulnerabilidade da região. Vejo com muita preocupação a estação seca de 2024 na Amazônia, pois ainda sentiremos o impacto do período chuvoso de 2023, que não foi suficiente para reduzir o estresse deixado pelo El Niño,” explica.

Além da inclusão de dados de 2023, a Coleção 3 do MapBiomas Fogo traz dois novos dados: o tamanho da cicatriz do fogo, que mede a área afetada por um único evento de fogo, e o último ano em que ocorreu o fogo na série histórica desde 1985. Ambos podem ser utilizados para análises de mudanças no regime do fogo e para avaliar os impactos das áreas queimadas ao longo do tempo. Os novos dados apontam que quase metade (43%) das áreas queimadas no Brasil desde 1985 tiveram sua última ocorrência de fogo entre 2013 a 2022. No Pantanal e no Cerrado, predominam as grandes áreas queimadas (entre 1.000 ha e 50.000 ha). Na Amazônia, predominam as áreas entre 100 e 500 hectares, que representam cerca de 20% do total afetado pelo fogo nesse bioma. A Caatinga e a Mata Atlântica apresentam áreas predominantemente pequenas (entre 10 e 50 ha), e no Pampa, a maioria das áreas queimadas é menor que 10 hectares.

Sobre o MapBiomas Fogo

O MapBiomas Fogo realiza o mapeamento anual e mensal das áreas queimadas no Brasil por meio do processamento de imagens geradas pelos satélites Landsat de 1985 a 2023. Com a ajuda de inteligência artificial, foi analisada a área queimada em cada pixel de 30 m x 30 m dos mais de 8,5 milhões de quilômetros quadrados do território brasileiro ao longo do período, em todos os tipos de uso e cobertura da terra. Os novos módulos incluem dados do tamanho das cicatrizes de queimadas e o último ano em que cada pixel foi afetado pelo fogo. Os resultados estão disponíveis em mapas e estatísticas anuais, mensais e acumulados para qualquer período entre 1985 e 2023 na plataforma, acessível a todos. A plataforma também inclui dados de frequência de fogo, indicando as áreas mais afetadas nos últimos 39 anos e o tipo de cobertura e uso da terra queimado, permitindo recortes territoriais e fundiários por bioma, estado, município, bacia hidrográfica, unidade de conservação, terra indígena reserva da biosfera, quilombos e assentamentos.

Jornalista do IPAM, lucas.itaborahy@ipam.org.br*
Foto capa: Floresta amazônica coberta pela fumaça de incêndios em área grilada (Foto: Bibiana Garrido/IPAM)



Este projeto está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

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