Por Bibiana Alcântara Garrido*
O fogo causado por ação humana no Cerrado tem um alvo principal: a vegetação nativa da savana mais biodiversa do mundo. De 1985 a 2022, 88% dos 729 mil km² que queimaram ao menos uma vez no bioma tinham cobertura natural. É o que mostra a série de dados da Coleção 2 do MapBiomas Fogo que mapeia as cicatrizes do fogo no Brasil, lançada na quarta-feira (26). O mapeamento é realizado pela rede MapBiomas em parceria com o IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), que também é responsável pelo mapeamento da Amazônia e do Cerrado.
A área de Cerrado que pegou fogo ao menos uma vez nos últimos 38 anos corresponde a 40% do bioma, ou a mais de três vezes o estado de São Paulo. O fogo foi mais frequente na maior parte das regiões: cerca de 64% da área afetada foi queimada mais de uma vez no período. Desde 1985, em média 79 mil km² são atingidos pelo fogo anualmente no Cerrado ‒ uma área maior que a da Irlanda.
Vegetações savânicas, com gramíneas, árvores e arbustos, foram as mais afetadas pelo fogo no período. O segundo tipo mais atingido foram as vegetações campestres, que podem ter arbustos, plantas herbáceas e gramíneas, além de rochas. Os outros 12% do fogo ocorreram em áreas antrópicas, de uso humano, como pastagens.
“A predominância do fogo em formações campestres e savânicas se deve à vegetação herbácea, composta por gramíneas, que principalmente na época da seca se torna um excelente combustível. Além disso, o fogo é mais restrito na formação florestal com árvores e arbustos de grande porte devido à elevada quantidade de água na biomassa viva, e as consequências para o ecossistema são muito mais devastadoras”, explica Vera Arruda, pesquisadora no IPAM e no MapBiomas Fogo.
Em 38 anos, o Cerrado concentrou 42,7% de tudo o que foi queimado no país. Praticamente a mesma proporção vale para a Amazônia, que abrigou 43% de toda a área queimada em território nacional. Os dois maiores biomas da América do Sul foram afetados por 85,7% do fogo que se alastrou pelo Brasil desde 1985.
Temporada de fogo
O mapeamento da área queimada também mostra a época do ano em que há maior incidência de fogo. No Cerrado, a “temporada de fogo” coincide com os meses de seca: 89,5% da área atingida foi queimada entre julho e outubro. Com 37% das ocorrências, o mês de setembro é o que registra mais fogo no bioma.
Depois de meses com nenhuma ou pouca chuva, é em setembro que a vegetação do Cerrado se encontra mais propícia para o alastramento das chamas. Por ser um bioma que “evoluiu com o fogo” ao longo de milhares de anos, o senso comum pode tender a relevar a gravidade da ocorrência de fogo no Cerrado. Na verdade, o fogo natural no bioma é causado por raios, na transição entre as estações chuvosa e seca. Quando ocorre estritamente durante a seca, a ignição é humana.
“O fogo só é ruim quando é utilizado de forma inadequada e em biomas que não dependem do fogo para se manter, como a Amazônia. Em biomas como o Cerrado, o fogo tem um papel ecológico e ele deve ser manejado de forma correta para não virar um agente de destruição. Para isso, as práticas relacionadas ao Manejo Integrado do Fogo (MIF) são importantes pois elas podem, através das queimas prescritas e controladas, reduzir a quantidade de material combustível e evitar grandes incêndios”, acrescenta Ane Alencar, diretora de Ciência no IPAM e coordenadora do MapBiomas Fogo.
Estados e municípios
Mato Grosso e Tocantins são os estados que mais acumularam área queimada no Cerrado no período, com 183 mil km² e 160,6 mil km² atingidos pelo fogo. Na sequência estão: Maranhão (114 mil km²); Goiás (96,8 mil km²); Bahia (73,9 mil km²); Piauí (69,8 mil km²); Minas Gerais (57,6 mil km²); Mato Grosso do Sul (22,4 mil km²); Pará (5,9 mil km²); São Paulo (4 mil km²); Distrito Federal (2,4 mil km²); Paraná (639 km²) e Rondônia (517 km²).
Os dois municípios que mais tiveram áreas afetadas pelo fogo de 1985 e 2022 foram Formosa do Rio Preto e São Desidério, localizados no oeste da Bahia. Acumularam 13.392 km² e 11.701 km², respectivamente. Na sequência, ficaram os municípios mato-grossenses Cocalinho, com 11.404 km², e Paranatinga com 11.123 km² queimados.
Municípios na região do rio Araguaia, bem como na fronteira agrícola do Matopiba – que compreende os estados Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia – tiveram mais de 80% de suas áreas com presença de fogo no período.
*Jornalista de Ciência no IPAM, bibiana.garrido@ipam.org.br