O Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) repudia a forma como o Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) conduziu uma consulta pública sobre regras que afrouxam o licenciamento ambiental no país. Na calada da folia, véspera de Carnaval, uma página de internet pedia contribuições dos brasileiros sobre uma proposta de mudança na resolução 237/97, que trata do licenciamento e do estudo prévio de obras que causem impactos ambientais. A “consulta” terminou no domingo após o Carnaval.
É inadmissível que um órgão da importância do Conama, cuja presidência é exercida pela ministra do Meio Ambiente, menospreze a necessidade de se discutir ampla e abertamente o tema com a sociedade, como demonstrado pelo prazo exíguo da consulta pública.
Toda obra gera um impacto social e ambiental. A existência de um processo de licenciamento sério e amplo sintoniza dois direitos constitucionais: o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida, e o direito da livre iniciativa. Além disto, um licenciamento bem feito não é custo, é gestão de risco e prevenção de prejuízos. Algo que muitas empresas, como a Samarco, aprenderam a duras penas.
Ao realizar uma consulta a jato, em pleno Carnaval, o Conama acabou por colocar uma fantasia de palhaço na sociedade. Parece não querer ouvi-la. Alinha-se assim a um movimento no Congresso em favor do Projeto de Lei do Senado (PLS) 654/2015, que visa a fragilizar o licenciamento ambiental estabelecendo ritos sumários para obras consideradas estratégicas para o governo, e que propõe também implantar o “milagre da multiplicação” das licenças ambientais. Ou seja, para que uma obra “estratégica” obtenha uma licença ambiental, basta que outra obra similar e estabelecida na mesma região já tenha sido licenciada.
Ambas as iniciativas – a do Conama e a do Congresso – querem dar celeridade ao processo de licenciamento. Mas celeridade não pode ser sinônimo de desleixo: empreendimentos feitos de qualquer jeito podem trazer graves consequências ao meio ambiente e a quem depende dele. A tragédia em Mariana (MG), que expôs um conjunto de falhas nesse processo, é a prova cabal disso.
Alterações propostas no rito do licenciamento ambiental devem colocar o país e a sociedade em alerta. Se algo assim passa, será uma Mariana atrás da outra. No coração da Amazônia, por exemplo, o governo federal planeja construir um complexo de mais de 30 hidrelétricas na Bacia do Tapajós. Dez delas estão no Plano Decenal de Energia 2014. Segundo estudo do IPAM, o desmatamento nesta região pode chegar a 32 mil quilômetros quadrados em 2030, devido ao crescimento populacional e ocupação desordenada associado à obra. Se o milagre da multiplicação de licenças for permitido na região, o desmatamento anunciado poderá ser muito pior, colocando o país na contramão dos esforços de redução de emissões de gases de efeito estufa e transformado as intenções declaradas do governo na COP21 em Paris em desilusão de Carnaval.
Sem um processo de licenciamento completo e os instrumentos legais efetivos de apoio à participação da sociedade na discussão sobre mudanças no licenciamento ambiental será difícil os brasileiros usufruírem de um meio ambiente equilibrado e minimamente digno da próxima geração. Que o processo seja célere sim, mas com transparência e responsabilidade sempre.