Por Sara Leal*
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Fernando Berg ou apenas “Berg”, como assina suas obras, transforma bichos em divindades por meio de esculturas e murais espalhados pelo país. Com foco em animais brasileiros, em especial aqueles que não são tão “populares”, o artista visual usa seu trabalho para sensibilizar sobre a conservação da natureza.
Nascido na Vila das Belezas, bairro da zona sul da cidade de São Paulo, quando adolescente vivia com papel e lápis na mão para desenhar aonde fosse. Em uma manhã de 2010, enquanto se deslocava de ônibus até o escritório onde trabalhava, avistou da janela um homem grafitando. “É isso que eu quero fazer!”, conta que pensou naquele momento. Outro dia, saiu do escritório, comprou duas latas de spray, e tentou desenhar. “Saiu tudo errado”, comenta. A partir daí, foi aprendendo a pintar “na rua”, com os amigos.
Os animais sempre estiveram presentes em seus desenhos. A princípio, misturava partes de diferentes bichos do mundo em busca de criar seres que sobrevivessem a tudo – até mesmo ao desmatamento e à depredação. O desejo de retratar os animais de maneira mais fidedigna o levou a estudá-los individualmente. Ficou fascinado com suas descobertas, como a influência da alimentação nas cores de pelos e penas.
Em 2018, no dia de seu aniversário, foi chamado para pintar o muro de um posto de gasolina próximo à sua casa. Ao chegar lá, descobriu que o tema destoava do que acredita. Negou o trabalho e partiu dali para continuar uma pintura que estava fazendo em um viaduto – um leopardo das neves. Enquanto pintava, percebeu que não via mais sentido em retratar espécies que vivem em locais distantes.
A partir de então, começou a focar em espécies da fauna e flora brasileiras, em especial aqueles não tão conhecidos. Se lhe pedem para retratar uma onça, ele sugere: “tem também o gato do mato, a jaguatirica…”. Por conta disso, o próprio artista passou a conhecer diversas espécies e suas distribuições geográficas. “Poder pintar no lugar onde tem aquele animal, mas não costumam falar dele, é bem legal também porque o pessoal interage muito. Já ouvi ‘pô, eu via esse bicho aqui, faz tempo que não vejo’”, relata.

Jupará pintado em Urucurituba, no Amazonas, município produtor de cacau. A espécie é uma das maiores disseminadoras de sementes do fruto no Brasil. A composição da coroa envolve Marianinhas-de-cabeça-preta, protegendo o cacau. Em seu habitat, é costume duas aves dessa espécie assumirem posição de sentinelas enquanto as demais se alimentam.
Cada pintura envolve um estudo sobre as espécies retratadas na obra. “Gosto de entender por que a unha do bicho cresce tanto, como ele arranha… porque quando estou na rua, consigo conversar com as pessoas. Alguém vem perguntar o que é e eu consigo explicar de onde vem, o que faz etc.”, diz.
Outra particularidade de suas obras é a representação dos animais em seres divinos que se unem como uma ideia de protocooperação: trabalham juntos, se fortalecendo e protegendo uns aos outros. Tudo isso retratado em grande escala. “Sempre imaginei os animais muito maiores que a cidade, do que o concreto, do que o planeta. Na minha cabeça, eu consigo imaginar o som deles e suas luzes. Virou minha religião”, completa o artista.

Bugio-preto (mescla entre macho e fêmea) com sagui se protegendo em seus braços. Sapos-ponta-de-flecha os rodeiam. Adornos imitam movimento dos cipós, apesar de não serem visíveis aos olhos humanos na natureza. Popularmente conhecidos por cambada-de-chaves (devido ao som que emitem), os pássaros possuem as chaves para abrir a fechadura localizado no olho da flor, que seriam os olhos dos humanos. Próxima a ela, uma abelha lambe-olhos, que tem este nome por “lamber” a secreção dos olhos das pessoas. Na obra, ajuda a secar as lágrimas que caem do olho. Da flor (dália), nasce um sol e uma lua, fazendo do bugio-preto protetor da noite e do dia.
As auréolas, frequentemente vistas em pinturas religiosas da época renascentista, nas obras de Berg rodeiam as cabeças de pássaros. Os sapos pontas de flecha aparecem com guias. Adornos delicados e brilhantes imitam o movimento dos cipós e complementam as coroas, utilizadas pelos animais. Cada um olhando para um lado, vigiando, e um que sempre mira diretamente o espectador – um olhar que inspira inocência e, ao mesmo tempo, a sabedoria da natureza.

Conhecida como “jardineira da floresta”, a anta dispersa sementes em suas fezes, contribuindo com a restauração da vegetação. Na obra, o filhote aprende com a mãe. Em seu dorso, um casal de gaviões-carrapateiros (fêmea à esquerda, macho à direita) se alimentam dos seus parasitas, em uma relação de protocooperação interespecífica. Um deles observa a floresta renascendo, enquanto o outro vigia o caminho à frente. À esquerda, um gavião-de-anta observa. Pintura feita a convite da INCAB-IPÊ (Iniciativa Nacional para a Conservação da Anta Brasileira).

Escultura de lobo-guará feita com materiais descartados que representam ameaças ao animal, como lona de caminhão (colisão/atropelamento veicular) e barril de plástico (agrotóxicos ilegais). As patas representam arvores queimadas, como uma extensão da flora. A espécie percorre cerca de vinte quilômetros diários, espalhando sementes de frutas do qual se alimenta, como a fruta-do-lobo. A flor do fruto serve como coroa na obra.

A tentativa de adaptação das capivaras à cidade é retratada na obra. Quero-queros se somam a elas para alertar sobre possíveis perigos. Ao fundo, veículos dão alusão ao consumo desenfreado e descarte irregular em matas..

Colhereiro pousado em uma garrafa pet, substituindo um galho. A ave é conhecida como uma indicadora de boa qualidade ambiental, já que possui baixa resistência à poluição e contaminação. Seu bico, em forma de colher, serve para peneirar a água a procura de alimento. Na pintura, é representada como uma entidade de pós-morte e purificação em um cenário “vazio e seco”, como alusão ao impacto ambiental do descarte irregular.

Quando seu habitat é ameaçado, o tatu-canastra, maior tatu do mundo, é forçado a encontras novas fontes de alimento, como larvas de abelhas em colmeias. O comportamento leva a conflitos com apicultores, resultando em medidas contra o animal. A pintura inclui uma anta que busca refúgio na toca; uma abelha mandaçaia (palavra indígena que significa “vigia bonito”); e tiribas-do-paranã, aves ameaçadas pelo desmatamento e expansão agrícola. Pintura feita em referência ao projeto “Canastras e Colmeias”, que visa adaptar as colmeias, dificultando o acesso dos tatus e protegendo tanto as colmeias quanto os tatu-canastras.
Veja mais obras do artista em seu Instagram: _b.erg
*Coordenadora de Comunicação do IPAM, sara.pereira@ipam.org.br