“Estamos testemunhando o maior roubo de patrimônio público dos brasileiros”

13 de junho de 2022 | Notícias

jun 13, 2022 | Notícias

Por Sara R. Leal*

“Estamos testemunhando o maior roubo de patrimônio público dos brasileiros”. A frase foi dita pelo pesquisador sênior do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), Paulo Moutinho, durante o programa Além da Pauta, exibido na última quarta-feira (8) na TV Alese, emissora da Assembleia Legislativa de Sergipe. A edição tratou dos desafios para a proteção ambiental e para o combate à grilagem.

Durante sua participação, Moutinho ressaltou que quase a metade do desmatamento na região amazônica acontece em terras públicas, oriunda de invasão ilegal de terceiros – os chamados grileiros – que se apropriam e especulam a terra, sem retorno algum para o país ou para a sociedade brasileira.

Isso se dá pelo uso indevido de um instrumento importante do Código Florestal: o CAR (Cadastro Ambiental Rural). Dados do governo mostram que apenas 4% dos registros declarados no Sicar (Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural) é fiscalizado. Só nas florestas públicas não destinadas para conservação na Amazônia, são mais de 120 mil CARs fraudulentos na base, aguardando validação.

“Há pelo menos 56 milhões de hectares ameaçados por grilagem desenfreada na região, isso é quase o tamanho da França ou duas vezes o tamanho de São Paulo”, explica o pesquisador, que reforça que este é um ato criminoso que não acontece exclusivamente no bioma, mas nos demais também.

Usurpação, violência e riscos à saúde

Segundo dados levantados por ações da Polícia Federal, o custo para derrubar vários hectares de floresta amazônica é alto (R$1.200 por hectare). “E o que se observa é que o tamanho das áreas declaradas irregularmente em terras públicas é imenso. Algumas terras possuem dimensões que se assemelham a cidades, em um cadastro só. Considerando o montante de dinheiro necessário, sabemos que não são os pequenos produtores, indígenas e extrativistas os responsáveis”, diz Moutinho.

Tampouco tratam-se de pecuaristas, segundo o pesquisador. “Geralmente, após desmatar a área, o grileiro a ocupa com gado, que é uma maneira de se consolidar a ocupação ilegal. Isso traz consequências negativas ao setor agropecuário, que acaba levando a ‘má fama’ de estar contribuindo com o desmatamento”, afirma ele. “Trata-se de um problema muito sério e de segurança nacional, eu diria, pois a Amazônia é o grande sistema de irrigação do Brasil, inclusive para a agricultura. Quando se corta uma árvore madura da floresta, deixa-se de emitir 500 litros de água por dia. Portanto, qualquer distúrbio grave e amplo na floresta acarreta em problemas no país inteiro e fora dele”, reforça.

Desde a década de 1970, segundo Moutinho, há uma situação preocupante de conflito e violência na região amazônica, mas que nos últimos anos ficou exacerbada devido à falta de apoio aos órgãos de fiscalização, federais e estaduais, e à ausência do exército, que era presente nas áreas de fronteira. “Ou seja, não há políticas públicas de longo prazo para o desenvolvimento e para a proteção dessas terras e dos brasileiros que lá moram. A questão da grilagem, inclusive, está ligada ao tráfico de drogas, de armas e de exploração ilegal de ouro, que explodiu na região”, explica.

Este cenário afeta não só as pessoas que vivem na região. “Na minha opinião, existe uma desconexão entre o mundo urbano e o mundo rural. As pessoas parecem não ter noção de que o que acontece no campo atinge diretamente a área urbana, para o bem ou para o mal”, diz o pesquisador, que exemplifica citando as consequências das fumaças das queimadas. “Durante a temporada de fogo, há uma corrida para os hospitais das pessoas que vivem em cidades por conta de problemas como asma, bronquite, e assim por diante”.

O prejuízo também se traduz em números: só para o SUS (Sistema Único de Sáude) da região amazônica, o custo para tratamento de problemas respiratórios devido às queimadas, que são ligadas ao desmatamento ilegal, pode chegar a 15 milhões de dólares por ano, acrescenta Moutinho.

O Brasil sabe como combater o desmatamento

O pesquisador explica que há várias formas viáveis para combater o problema. A primeira delas seria cancelar os CARs declarados por pretensos proprietários em terras públicas. O segundo ponto seria destinar as áreas públicas para um uso específico. No caso da Amazônia, segundo a lei de gestão de florestas públicas, devem ser transformadas em TI (terra indígena), área de conservação ou uso sustentável de recurso florestal. Em terceiro lugar, seria implementar e cumprir o Código Florestal e aumentar as punições para quem não anda de acordo com a lei.

“Hoje a grilagem está solta, sem qualquer penalidade, e as pessoas estão vendendo terra pública, invadida ilegalmente. Além disso, PLs (Projetos de Lei) que anistiam os atos criminosos foram aprovados”, diz Moutinho.

Por outro lado, segundo ele, há PLs recentes que propõem a criminalização do uso indevido do CAR ao mesmo tempo que obriga governos federal e estaduais a destinarem suas áreas de florestas públicas para a conservação e para o uso sustentável. “Se fizermos isso, é possível reduzir uma boa parte da taxa de desmatamento da Amazônia. Taxa esta que vem manchando a imagem do Brasil e da sociedade brasileira de uma forma prejudicial ao país”.

Para Moutinho, se continuarmos na trajetória de destruição em que nos encontramos, os prejuízos não serão apenas do ponto de vista ambiental, mas econômico. “A Amazônia é um grande irrigador do agronegócio Brasileiro. Sem a floresta, estaremos com um problema sério de produção de alimentos. Isso porque 95% da agricultura brasileira não é irrigada e depende de chuva. Portanto, estamos dando um tiro no pé ao não avançar com programas de desenvolvimento sustentável para região.”

O pesquisador reforça que o Brasil já possui todos os elementos e tecnologias (como o Inpe – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) necessários e sabe como acabar com o problema. “Entre 2005 e 2015, conseguimos reduzir as taxas de desmatamento na Amazônia em 80%. Nesse mesmo período, dobramos a produção de carne e soja na região, nossas duas grandes comodities. Se foi possível fazer isso lá atrás, por que não fazer de novo ao invés de continuar batendo recordes de desmatamento? Se há um culpado para a questão ambiental do Brasil, este culpado é a absoluta falta de vontade política de fazer diferente”, reitera.

A esperança de Moutinho se volta para a juventude. “Jovens brasileiros precisam se engajar cada vez mais na conservação da floresta, pois isto será um dos pilares fundamentais de uma vida melhor para eles e para os brasileiros que virão depois.”
O pesquisador afirma ainda que a solução em longo prazo para resolver todas essas adversidades é investir em educação para uma cidadania climática, já que o grande problema atual é a mudança do clima. “Precisamos incorporar na construção de cidadania dos brasileiros essa dimensão socioambiental. Sem isso, não teremos mais um planeta tão bom para se viver. Perderemos o ’habite-se’ planetário”, conclui.

Assista ao programa completo aqui.

*Jornalista e analista de Comunicação no IPAM.



Este projeto está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

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