Lucas Guaraldo*
“São 60 milhões de hectares – área maior que a França -, sendo monitorados por uma ferramenta produzida pela sociedade civil em prol da garantia dos direitos dos povos indígenas e da integridade das terras indígenas e da Amazônia”, destacou André Guimarães, diretor executivo do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), durante evento de celebração dos 10 anos do SOMAI (Sistema de Observação e Monitoramento da Amazônia Indígena) neste mês de outubro.
O SOMAI é uma plataforma virtual de acesso livre que funciona como uma biblioteca de informações geográficas e científicas para que indígenas insiram, pesquisem e analisem informações sobre seus territórios. A ferramenta foi desenvolvida pelo IPAM em parceria e diálogo com organizações indígenas como a Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira), o CIR (Conselho Indígena de Roraima) e o Instituto Raoni.
Através do site e do aplicativo ACI (Alerta Clima Indígena), que permite o mapeamento de pontos de interesse e de alertas de crimes nas terras indígenas, a ferramenta disponibiliza uma base de dados segura para o monitoramento territorial indígena.
“A plataforma é uma maneira de viabilizar o que acontece nos territórios e expor os dados. Temos o compromisso de manter sigilo. Hoje, são 729 pessoas utilizando o aplicativo e 182 organizações”, ressalta Martha Fellows, pesquisadora do Núcleo de Estudos Indígenas do IPAM.
Criado a partir de uma demanda dos povos indígenas e com base no seu conhecimento tradicional, o SOMAI possui atualizações frequentes que surgem a partir de sua utilização nos territórios. Ao longo da primeira década, já houveram três versões da ferramenta, que se tornou mais segura, intuitiva e passou a incluir mais atividades e alertas relevantes para os territórios, como grilagem, espécies de interesse econômico e mudanças no clima.
“Vimos a necessidade de trazer a questão do monitoramento climático para mais perto e o IPAM mostrou como a plataforma estava sendo construída, que casa bem com os conhecimentos tradicionais para o monitoramento das TIs pela proteção do limite das terras. A ferramenta é fundamental para podermos apoiar as comunidades”, disse Sineia do Vale, coordenadora do departamento territorial e ambiental do CIR (Conselho Indígena de Roraima), do povo Wapichana, durante a cerimônia realizada na UnB (Universidade de Brasília). O evento contou com a participação de pesquisadores, lideranças indígenas, estudantes universitários e parceiros.
Mudanças no clima
Durante a celebração, os participantes destacaram o volume de queimadas que atingiu a região Norte, assim como o calor excessivo e um clima cada vez mais imprevisível. Segundo dados publicados pelo IPAM em setembro, a área queimada em todas as terras indígenas do Brasil aumentou 80,6% em 2024, passando de 1,7 milhões de hectares queimados em 2023 para 3 milhões em 2024.
“Neste ano, tivemos a perda de 25% do território para as queimadas. Por isso, o ACI e o SOMAI são parte primordial desse processo para colaborar com o monitoramento desses danos. Temos orgulho de fazer parte desses 10 anos”, ressaltou Roiti Metuktire, coordenador de Monitoramento Territorial no Instituto Raoni, do povo Kayapó.
A Amazônia foi o bioma com a maior área queimada em setembro de 2024, correspondendo a 52% de toda a área queimada no Brasil no mês, que chegou a 10,6 milhões de hectares. O aumento do fogo se deve, em parte, ao avanço das chamas no Mato Grosso e no Pará, que lideram o ranking estadual de área queimada no mês de setembro. No total, foram 3,1 milhões de hectares queimados em setembro em solo matogrossense, que possui áreas de Cerrado, Amazônia e Pantanal, enquanto o Pará perdeu 2,9 milhões de hectares para o fogo durante o mês.
Boletins
Além dos destaques da plataforma, foram apresentados quatro dos boletins desenvolvidos por estudantes indígenas da UnB que foram convidados pelo IPAM a desenvolver artigos detalhando questões vividas em seus territórios e na universidade. O material trata de temas como a proteção da cosmologia indígena, papel das mulheres em suas comunidades e a vulnerabilidade social e jurídica sofrida.
“Os parentes acabam tendo esse contato com a nossa escrita e é relevante para eles que um estudante indígena, um filho, um neto, escreva sobre a realidade de sua comunidade, sobre a realidade de sua cultura, de sua identidade, falando sobre povos indígenas. Enquanto acadêmicos indígenas trazemos essa voz das comunidades”, aponta Saory Txheska, estudante indígena do curso de Ciências Sociais.
Carolina Guyot, analista de pesquisa do IPAM, explica que os textos buscam destacar como a falta de supervisão estatal, a exploração econômica e a invisibilidade nos espaços de tomada de decisão afetam as comunidades. “A integração da sabedoria ancestral e das metodologias feministas nas estratégias de preservação e justiça fortalecem o combate à degradação ambiental e promovem a proteção das áreas preservadas”, afirma.
Jornalista do IPAM, lucas.itaborahy@ipam.org.br*