Por Sara Leal*
Em entrevista publicada na newsletter “Um Grau e Meio”, a pesquisadora Sirlene Barbosa, mestre em Sustentabilidade junto a Povos e Território Tradicional, doutoranda em Antropologia Social pela UnB (Universidade de Brasília) e parte da comunidade quilombola de Puris/Calindó (MG), fala sobre os desafios e contribuições dessas populações.
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A produção é gratuita e quinzenal, de autoria do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), com abordagem especializada e análises exclusivas sobre clima, meio ambiente e sociobiodiversidade.
IPAM: Como as comunidades quilombolas integram a ação climática global?
Sirlene: As comunidades quilombolas realizam o manejo tradicional, que consiste em práticas sustentáveis, de saber lidar com o cultivo sem impactar, preservando a biodiversidade local pois sobrevivem dela. Elas retiram suas sementes e ervas tradicionais de uma forma que não agride o meio ambiente. Também fazem uma vigilância, de certa forma, contra várias práticas Ilegais, como desmatamento e caças predatórias.
Quais são os principais desafios que os territórios quilombolas enfrentam atualmente?
São vários, mas o primeiro desafio é a falta de políticas públicas para esses povos. As comunidades tradicionais, como as quilombolas, são muito impactadas pelas ações climáticas. A minha comunidade, por exemplo, é abastecida pelo rio Calindó e, nesse período de seca, vem sofrendo vários impactos. As pessoas são obrigadas a se reestruturarem para não sofrerem tanto com a escassez de água, deixando de desenvolver suas culturas tradicionais. Muitas comunidades sobrevivem de poço artesiano e, em vários deles, a água é insalubre, por isso a importância do abastecimento de água potável. Outra questão é a manutenção nas estradas: muitas comunidades estão em locais de difícil acesso e, a depender do período, é ainda mais difícil de trafegar. Outro desafio é a educação de qualidade – muitas das nossas crianças utilizam o transporte escolar para sair da comunidade pois as escolas de Ensino Médio são fora do território. Também há falta de alimentação e moradia dignas, dentre tantos outros desafios.
Como a falta de proteção aos territórios quilombolas ameaça essas comunidades?
Essa falta de proteção dos territórios, baseada na falta e na morosidade da regularização territorial, tem um impacto muito grande pois deixa a porteira do território aberta para que grileiros adentrem nossos territórios e façam o que bem quiserem. Ficamos desprotegidos porque a sociedade brasileira possui um olhar diferenciado para nós, de marginalização, porque a maioria das comunidades são constituídas de populações negras. Isso está vinculado à questão da discriminação racial, do racismo ambiental e institucional.
Como o acirramento dos conflitos fundiários afetam as comunidades quilombolas?
As comunidades têm os seus territórios divididos por conta de conflitos e por isso elas não conseguem plantar, pois esses territórios acabam fragmentados e elas ficam com a pior parte, onde não tem água, por exemplo. Muitos fazem barreiras, criam cercas, colocam porteiras e a comunidade acaba tendo que fazer um desvio muito grande para poder passar para um outro local.
Quais são as medidas mais urgentes a serem tomadas para garantir a proteção das comunidades quilombolas?
A primeira coisa é a regularização fundiária. Regularizando os territórios quilombolas, eu acredito que diminuiria todos esses conflitos e impactos. Outra medida é a fiscalização das leis de proteção ao território e de proteção à identidade. A minha comunidade, por exemplo, é certificada desde 2006, mas a gente não sabe em que nível está o processo de regularização fundiária. Isso faz com que haja muita especulação e impacta muito a nossa vivência, nossos modos de vida, porque os invasores acabam tendo uma certa “proteção” e é como se nós quem fossemos os intrusos.
Como a sociedade, de modo geral, pode contribuir com a luta das comunidades tradicionais?
Primeiro reconhecendo as comunidades quilombolas, as comunidades tradicionais de modo geral, como parte pertencente e fundamental da sociedade. A partir do momento que a sociedade entende que existem povos e comunidades tradicionais no Brasil e que reconhece a sua luta, que sabe que são parte fundamental do nosso país, eu acho que já é um pontapé inicial. Muitas pessoas não enxergam a nossa luta e nos ignoram, não acham que isso é importante, sendo que nós, de povos e de comunidades tradicionais, nós, quilombolas, o que a gente faz não é só para o nosso modo de vida, não é só para nossa vivência, mas contribuímos com um planeta equilibrado, protegendo os biomas e sua sociobiodiversidade. Não fazemos isso só para a gente. Fazendo para a gente, a gente também faz para o outro, para a sociedade como um todo.
*Coordenadora de comunicação do IPAM, sara.pereira@ipam.org.br
Foto de capa: João Victor Corrêa