Durante evento paralelo oficial da COP30 nesta segunda-feira (10), representantes da China, do Brasil, do Paquistão e do PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) defenderam o fortalecimento da cooperação Sul-Sul como chave para alinhar desenvolvimento econômico, conservação ambiental, boas práticas produtivas e comércio sustentável.
O painel “O Sul Global Reformulando o Multilateralismo Climático: Natureza, Segurança Alimentar e Transições Justas” foi organizado pelo IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) e parceiros de organizações brasileiras e chinesas.
“O Sul Global tem uma grande responsabilidade para o futuro do planeta e uma grande oportunidade também, sendo uma região que abriga alguns dos países que mais produzem alimentos. Só é possível continuar produzindo se mantermos as florestas tropicais, que irrigam a agropecuária. Para isso, precisamos mudar o modelo que nos trouxe até aqui, de expansão, para intensificação”, afirmou André Guimarães, diretor executivo e Enviado Especial da COP30 para a Sociedade Civil, durante a abertura do painel.
O papel da Ciência
Presente no evento, Ludmila Rattis, pesquisadora do IPAM e representante da FDC (Fundação Dom Cabral), apresentou o projeto de pesquisa GALO (Global Assessment from Local Observations), desenvolvido pelo IPAM e pelo Centro de Pesquisa Climática Woodwell, para investigar como florestas influenciam a produção agropecuária e vice-versa. Resultados preliminares mostraram que plantações de soja próximas a florestas são mais produtivas.
“Ao comparar áreas de produção em áreas desmatadas com áreas que ainda mantêm a vegetação nativa, a diferença é imensa, pois as florestas atuam como um ar-condicionado para a paisagem. Portanto, se quisermos seguir produzindo alimentos, precisamos pensar em mecanismos financeiros para continuar mantendo as árvores em pé”, afirmou.
Financiamento e agricultura de baixo carbono
André Aquino, Chefe da Assessoria Especial de Economia e Meio Ambiente do MMA (Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas do Brasil) falou sobre como a colaboração Sul-Sul deve transformar suas necessidades em fluxos financeiros, a exemplo do TFFF (Fundo Tropical Florestas para Sempre), fundo apresentado pelo governo brasileiro que prevê investimentos em iniciativas e países que conservam e expandem suas florestas.
“Um aspecto que precisa de atenção é o papel da China como potencial investidor, não só por seu poder econômico, mas também por sua dependência de florestas devido às importações de commodities brasileiras”. Aquino salientou, ainda, que nenhuma solução deve funcionar sozinha para garantir a segurança alimentar global: serão necessárias múltiplas soluções.
O representante chinês Peng Ren, diretor executivo da EEI (Evergreen Environmental Institute), destacou o crescimento do interesse dos consumidores e varejistas chineses por produtos de origem responsável, impulsionado pela nova política de “comércio verde” do Ministério do Comércio da China. “Desenvolvimento e conservação não são forças opostas, mas duas faces da mesma estratégia”, afirmou. “O desafio é comum e precisamos enfrentá-lo juntos”.
Durante o evento, Taciano Custódio, chefe de Sustentabilidade do Rabobank, destacou que o Brasil vive um momento de transformação em direção a modelos mais sustentáveis — um movimento que requer recursos financeiros compatíveis com as realidades do campo.
Segundo Custódio, a complexidade do país, marcada por fatores como o sistema tributário, a agenda ambiental e o histórico de desmatamento, aumenta o risco percebido por investidores e encarece o capital disponível em comparação com outros países.
Nesse contexto, ele defendeu que não existe uma solução única — o caminho está em combinar instrumentos financeiros e compreender as especificidades de cada setor e paisagem. “A estratégia do Rabobank é apoiar nossos clientes para expandir a produção sem expandir a área produtiva. Produzir mais não significa desmatar mais”, concluiu.
Alinhamento de metas e confiança
Renata Miranda, consultora no IICA (Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura), reforçou a necessidade de modelos econômicos viáveis e de alinhamento das metas climáticas entre os países da região, com base nos riscos de comércio. “Precisamos fazer isso juntos e não perder essa oportunidade, considerando as limitações de cada um e respeitando as legislações”.
Mirey Atallah, Chefe do Departamento de Adaptação e Resiliência Climática do PNUMA, ressaltou que o desafio da conservação é global e envolve dimensões geopolíticas, econômicas e de soberania.
Atallah reforçou a necessidade de mecanismos financeiros e de confiança mútua entre os países do Sul, garantindo que padrões de sustentabilidade e sistemas de MRV (monitoramento, relato e verificação) sejam definidos de forma conjunta.
A realidade do Paquistão e o poder da cooperação
Representando o Paquistão, Khalid Walled, do SDPI (Instituto de Políticas de Desenvolvimento Sustentável) destacou o papel dos agricultores na economia e na resiliência climática – o setor agrícola emprega um terço da força de trabalho paquistanesa e sofreu perdas de cerca de US$ 30 bilhões nas enchentes de 2022.
O país tem apostado na energia solar para reduzir custos e emissões, com apoio da tecnologia chinesa. “Quando o Sul colabora, o mundo colabora”, disse. “Precisamos de um pacto entre os países do Sul para transformar o comércio climático em comércio justo”.
Encerrando o painel, Wang Yi Vice Chair, presidente do Comitê Nacional de Especialistas em Clima da China, apresentou quatro princípios para guiar o novo multilateralismo: Integração global e responsabilidades diferenciadas, com mais compromisso dos países desenvolvidos; Valorização das especificidades locais, unindo produção, conservação e inovação; Aprendizado prático e adaptação contínua e; Fortalecimento da narrativa do Sul Global, com padrões próprios de sustentabilidade.
“Precisamos construir nossos próprios padrões e modelos de negócio. O futuro sustentável depende da cooperação entre os países do Sul Global”, concluiu.




