Por Bibiana Alcântara Garrido*
Especialistas atestam que reduzir o fogo no Cerrado é um imperativo para a manutenção da vida do bioma e dos benefícios por ele propiciados, como o abastecimento de água em 11 estados e no Distrito Federal, além da contribuição na vazão de rios e na extensão de aquíferos que irrigam o país.
O Cerrado é o bioma mais queimado do Brasil nos últimos 39 anos e só nos oito primeiros meses de 2024 registrou alta de 46% nos incêndios. Os dados da rede MapBiomas e do Monitor do Fogo, coordenado pelo IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), colocam em contexto a situação do segundo maior bioma da América do Sul.
Vale diferenciar a relação do Cerrado com o fogo natural e os incêndios provocados por ação humana. O fogo natural é causado por raios na estação chuvosa, assim, a chance de se espalhar e queimar uma área grande é menor. Já os incêndios causados por ignição humana têm potencial destrutivo, pois são ateados na estação seca, ocorrendo em maior frequência e abrangendo grandes extensões do bioma.
Mas como parar esse fogo que pode ser destrutivo para o bioma? Especialistas do IPAM indicam três caminhos principais para reduzir o fogo no Cerrado.
Proteção
A vegetação nativa do Cerrado ocupa 79% da área queimada no bioma de janeiro a agosto de 2024. Foram 3,2 milhões de hectares queimados, um aumento de 85% em relação ao mesmo período do ano passado, sendo a maior parte (41,7%) em savanas.
Proteger os remanescentes de vegetação nativa, portanto, é um dos caminhos para reduzir o fogo no Cerrado.
“A criação de unidades de conservação, como parques, considerando locais prioritários também para conservação da água; a proteção de corredores ecológicos, para garantir a circulação de espécies com segurança; e a demarcação de territórios de povos e comunidades tradicionais são ações neste sentido”, comenta Ane Alencar, diretora de Ciência do IPAM e coordenadora do mapeamento MapBiomas Brasil para o Cerrado.
Só que mais da metade (55%) dos remanescentes está dentro de áreas com CAR (Cadastro Ambiental Rural), então, é preciso complementar esta solução com as duas próximas respostas para a redução do fogo no Cerrado.
Manejo
O fogo em áreas agropecuárias representa 21% de tudo o que queimou no Cerrado de janeiro a agosto de 2024. Foram 873.053 hectares queimados, um aumento de 102% em relação ao período no ano passado.
A atividade agropecuária costuma aplicar o uso do fogo para o manejo do solo, visando o preparo do terreno para o plantio, por exemplo. Inserir as técnicas do MIF (Manejo Integrado do Fogo) no calendário é um dos passos que pode orientar a redução do uso da ferramenta, com aprimoramento de técnicas para prevenção de incêndios e aprendizado para um manejo adaptado ao cenário de clima extremo.
“O planeta vive uma emergência climática e o Brasil passa por sua pior seca desde o início dos registros. Está na hora de parar de usar o fogo como era antigamente e adotar novas práticas para o cuidado com o solo, pois não temos mais condições de arcar com os danos que um escape do manejo mal executado pode causar à sociedade”, acrescenta Alencar.
Entre as medidas para preparo ou reforma de áreas, sem envolver o uso do fogo, seja para agricultura ou pastagem, exemplos são encontrados no sistema de plantio direto, no corte e na trituração da capoeira, na alternância de culturas, nos sistemas agroflorestais e na integração lavoura-pecuária-floresta.
Mesmo com a redução do uso do fogo no manejo de áreas já convertidas, a vegetação nativa em áreas com CAR ainda pode ser 80% desmatada e queimada para uso, conforme o Código Florestal. Para favorecer a manutenção destas áreas, o terceiro caminho, apresentado pelos especialistas, é uma opção.
Incentivos
O fogo em áreas de vegetação nativa costuma ser a última etapa do processo de desmatamento, por isso, é chamado de “fogo de desmatamento”. Oferecer incentivos para evitar o desmate pode contribuir também para reduzir o fogo no Cerrado.
“O CONSERV é um exemplo de mecanismo financeiro que remunera produtores rurais para manter aquelas áreas que poderiam, por lei, suprimir. Com isso, promovemos uma relação positiva da produção com a conservação, que acaba beneficiando a propriedade, com regulação térmica e irrigação, por exemplo, protegendo fragmentos essenciais para a biodiversidade e entregando serviços ecossistêmicos para o Brasil”, diz André Guimarães, diretor executivo do IPAM.
Iniciativa já existente na legislação brasileira, e ainda pendente de regulamentação, é a Lei de Pagamentos por Serviços Ambientais. Uma vez em funcionamento, permitirá o reconhecimento financeiro de produtores rurais, agricultores familiares, povos e comunidades tradicionais por suas contribuições à conservação da natureza.
*Jornalista de ciência do IPAM, bibiana.garrido@ipam.org.br
Foto de capa: Pesquisadoras do IPAM em área queimada no Cerrado (Wallace Silva/IPAM)