Por Anna Julia Lopes e Lucas Guaraldo*
Ampliar a colaboração entre todas as instituições envolvidas na construção de políticas de manejo do fogo pode aprimorar significativamente o combate aos incêndios florestais na Amazônia Legal, segundo discussões no Workshop para Gestores do Fogo, realizado em Brasília. Os resultados do evento serão publicados no Diagnóstico da Gestão do Fogo nos Estados da Amazônia, que também inclui dados coletados por meio de entrevistas com 122 gestores da área de fogo na região. O documento reunirá, pela primeira vez, informações sobre combate, manejo e controle de queimadas em todos os estados da Amazônia Legal.
Coordenado por pesquisadoras do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), o evento destacou a necessidade de uma colaboração mais estruturada e contínua entre os diferentes níveis de governo e os diversos atores envolvidos. Isso inclui governos federal, estaduais e municipais, além de Corpos de Bombeiros, brigadas comunitárias e voluntárias, secretarias de meio ambiente, instituições de pesquisa e a sociedade civil.
Para Ane Alencar, diretora de Ciência do IPAM e uma das organizadoras do evento, o diagnóstico revela a necessidade de uma “integração de visões”. Segundo ela, a Política Nacional de MIF (Manejo Integrado do Fogo), instituída pela Lei 14.944/2024, representa um avanço ao reunir diferentes perspectivas técnicas, culturais e ecológicas sobre o papel do fogo na floresta.
“A gente tem uma realidade na Amazônia em que o fogo é uma ferramenta produtiva que é utilizada. Então, o que a gente precisa é coordenar o uso do fogo de forma que ele não se torne uma arma e não gere degradação ambiental. Por isso estamos aqui reunidos — para, entre várias agências que atuam no tema, ver como podemos potencializar a gestão do fogo no Brasil”, destacou.
Na avaliação de André Lima, secretário extraordinário de Controle do Desmatamento e Ordenamento Ambiental Territorial do Ministério do Meio Ambiente, o foco da Política Nacional de MIF está justamente na prevenção e preparação para as queimadas, como defende o relatório.
“Agora conseguimos nos organizar muito melhor e criar um caminho para o fortalecimento de um sistema nacional de manejo do fogo, coordenado de maneira integrada. É preciso enfrentar as mudanças climáticas e os efeitos do aumento dos incêndios com um trabalho de baixo para cima, fortalecendo comunidades e governos locais e estaduais, com o governo federal dando suporte e atuando nas áreas mais críticas”, afirmou Lima, em entrevista ao IPAM.
Construção do Manejo Integrado do Fogo
Durante a elaboração da Política Nacional de MIF, foram consideradas práticas tradicionais de povos e comunidades da região que, há séculos, convivem com o uso seguro e sustentável do fogo em suas roças. O uso de queimas prescritas e autorizadas durante o período seco, por exemplo, é uma das estratégias centrais do manejo integrado para evitar incêndios de grandes proporções.
No entanto, devido à vasta extensão da Amazônia Legal e à diversidade de vegetações presentes nesse território, os participantes do workshop defenderam uma capacitação mais ampla e contínua. Segundo relatos, a política precisa ser compreendida de forma integrada e deve incluir práticas de planejamento que vão além do controle emergencial de queimadas descontroladas, quando os riscos e os custos são maiores.
“É importante entender que o MIF traz uma abordagem que vai além das políticas de combate aos incêndios florestais. Ele incide de forma ampla sobre a prevenção, o ordenamento do uso regular e o reconhecimento do uso tradicional e adaptativo do fogo”, explica Jarlene Gomes, pesquisadora do IPAM que também assina o diagnóstico.
Futuro
Para o futuro, é esperado que o volume de recursos — tanto ordinários quanto extraordinários — aumente de forma gradual. É o que diz o secretário André Lima. “Dificuldade orçamentária todos os governos têm para todos os assuntos, sobretudo em momentos de crise fiscal em que há queda de arrecadação sazonais ou por questões conjunturais”, declara.
Segundo ele, o governo federal deve continuar priorizando a utilização de recursos para agendas de preservação, planejamento e preparação. De acordo com o secretário, em comparação com 2024, a União já aumentou o número de brigadistas em mais de 20%, além de ter aumentado os recursos do Fundo Amazônia (R$ 400 milhões para os governos estaduais da Amazônia; e R$ 150 milhões para os governos estaduais do Cerrado e do Pantanal).
Citado por Lima, o foco na prevenção é um dos pontos debatidos pelo documento, que diz que o modelo atual de governança do fogo, quase que exclusivamente centrado no combate aos incêndios, perpetua um ciclo de “dependência de recursos sem avanços significativos na redução de risco”. O relatório cita como medidas mais eficazes o investimento na capacitação técnica e teórica; o fortalecimento da resiliência das comunidades; a priorização da redução de riscos; o alerta precoce; e o desenvolvimento de políticas públicas sustentáveis ao longo do ano.
Como orientação, o estudo indica que uma “harmonização” entre políticas nacionais e locais é fundamental para viabilizar a gestão do fogo em diferentes cenários no futuro e que, embora cada Estado tenha avançado no que diz respeito ao tema, um plano estratégico com diretrizes claras pode aprimorar a integração dessas iniciativas.
*Jornalistas do iPAM, anna.rodrigues@ipam.org.br e lucas.itaborahy@ipam.org.br