O cerrado teve 1,9 milhão de hectares desmatados de agosto de 2013 a julho de 2015, ou seja, perdeu mais 1,7% da vegetação nativa remanescente. Este é um ritmo cinco vezes mais rápido que o medido na Amazônia, que perdeu no mesmo período 0,35% de vegetação nativa remanescente, conforme análise inédita feita pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) com base nos números oficiais do governo brasileiro.
Este cenário revela a falta da conscientização sobre a importância ecológica do cerrado, historicamente escamoteada no Brasil. Soma-se a isso uma legislação ambiental mais branda no bioma: de acordo com o Código Florestal, os imóveis rurais do bioma precisam preservar 35% de sua área na forma de reserva legal dentro da Amazônia Legal e 20% fora, enquanto na Amazônia o índice é de 80%.
O desmatamento também é estimulado pela falta de instrumentos econômicos de incentivo e de pagamentos por serviços ambientais no Brasil e pela pouca exigência de financiadores e compradores de commodities sobre o desmatamento no cerrado. “No contexto que vivemos, de comprometimento com o Código Florestal, é utópico pensar que conseguiremos mudar a lei para o cerrado e aumentar a proteção. Nossa única chance é trabalhar na lógica dos incentivos econômicos, que tem impacto imediato”, afirma o pesquisador de políticas ambientais do IPAM, Tiago Reis.
O cerrado, que domina 24% do território nacional, é tido como a savana mais rica do mundo, com 5% da biodiversidade do planeta. É um bioma essencial no provimento de serviços ecossistêmicos e atua, por exemplo, para recarregar os aquíferos que abastecem as grandes bacias hidrográficas do Brasil.
Retirar essa cobertura vegetal coloca em risco o equilíbrio do sistema e afeta diretamente todos os biomas interligados, como a Amazônia e a caatinga. “Além disso, esse desmatamento ameaça o equilíbrio ambiental que garante a produção agrícola no Brasil, uma vez que a perda de vegetação nativa do cerrado compromete a formação de chuvas por evapotranspiração”, explica Reis.
Matopiba: o centro do problema
No total, o Matopiba representa 62,5% do desmatamento de vegetação nativa do cerrado registrado pelo governo. Todos os dez municípios que mais desmatam estão localizados nessa região, que engloba trechos dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, fronteira agrícola que registra crescimento exponencial de produção agrícola na última década. Isso acontece porque a região sofre um intenso processo de especulação fundiária, tem a logística favorecida pela proximidade de portos estratégicos, como o de Itaqui, no Maranhão e, essencialmente, recebe muitos produtores que fogem das regras que prevalecem na Amazônia.
“Uma questão ainda mais grave é que o Matopiba é a região que mais tem remanescente de vegetação do cerrado. A população tradicional que vive ali sofre grande pressão do agronegócio”, afirma a diretora de ciência do IPAM, Ane Alencar.
Outro fator também estimula o desmatamento no cerrado, especialmente no Matopiba: adaptações genéticas de variedades de soja, o principal produto cultivado na região, avançaram muito nos últimos 15 anos, permitindo que ela seja produzida ao longo de todo o ano com muito menos chuva que o exigido anteriormente. Tais inovações tecnológicas fazem toda a diferença onde é grande a escassez de recursos hídricos.
Impacto nas mudanças climáticas
O desmatamento de 1,9 milhão de hectares do cerrado em dois anos corresponde à emissão de pelo menos 25 milhões de toneladas de CO2 na atmosfera, um cálculo subestimado, pois não considera o estoque de carbono no solo, que representa a maior parte do carbono total. Os dados de biomassa são baseados na Terceira Comunicação Nacional do Brasil Sobre Mudança do Clima,
“Enquanto trabalha-se para controlar a emissão de gases estufa pela conversão do solo na Amazônia, o cerrado tem passado a largo dessa discussão, pois a meta brasileira para esse bioma está aquém do que o Brasil precisa e deve buscar, que é uma economia sem emissão dos gases que provocam as mudanças climáticas”, afirma Reis.