Por Lucas Guaraldo*
Fernando Silva Borgneth, o Castor, é produtor rural, brigadista voluntário e guia de ecoturismo na região da Chapada dos Veadeiros desde 2018. Formado em Ciências Ambientais pela Universidade de Brasília, se mudou para Alto Paraíso, em Goiás, cidade na entrada do parque, para implementar as práticas sustentáveis de permacultura que conheceu na faculdade, além de trabalhar pela proteção do Cerrado e pelo resgate das sementes crioulas.
Sementes crioulas, como são chamadas as sementes tradicionais do Cerrado, produzidas sem mudanças genéticas ou químicas, são peça fundamental para a alimentação e geração de renda nas comunidades tradicionais do bioma. Trata-se de uma semente adaptada ao território, nativa e que se integra no funcionamento do ecossistema de que faz parte, garantindo variedade de produção e segurança alimentar e trabalho para os pequenos produtores.
“Se você come mal, aquela comida não é necessariamente um alimento. Uma dieta baseada em poucas espécies de alimento é pobre, não traz todos os nutrientes para o nosso corpo e é mais vulnerável. E de onde vem essa diversidade que pode beneficiar tanto a gente? Do pequeno produtor. Comprando a comida dessas pessoas você movimenta a economia local, favorece os serviços ambientais do Cerrado e ajuda na preservação e no restauro do bioma”, destaca Castor.
Após perderem espaço para as sementes modificadas e produzidas em escala industrial, que impulsionam as monoculturas, as sementes crioulas têm sido resgatadas por produtores engajados e projetos sociais baseados na troca entre produtores e na diversificação da produção. Assim, feiras e encontros nacionais de produtores e coletores de sementes têm se tornado cada vez mais comuns, salvando espécies do desaparecimento e agregando valor à produção do pequeno agricultor.
“Eu acredito que a grande chave está em levar esse conhecimento para que as pessoas saibam dessa dinâmica e consigam decidir por si mesmas o que elas querem comer. Muitas vezes, na cidade, as pessoas não têm acesso a alimentos orgânicos de qualidade com um custo razoável, porque o caminho do produtor rural é dificultado por essa falta de conhecimento. Hoje é mais fácil produzir e vender produtos em grandes monoculturas, com uso de agrotóxicos. Pro pequeno, sai caro produzir”, completa.
Desequilíbrios nos ciclos de água e fogo
Conhecedor do Cerrado, Castor relata que as mudanças climáticas têm tornado o clima no bioma cada vez mais instável, criando novas dinâmicas de água e fogo na região e ameaçando os tesouros naturais que há séculos fazem parte da paisagem cerratense. Em 2017, um incêndio florestal de grandes proporções atingiu cartões postais da Chapada dos Veadeiros, trilhas e casas de moradores da região, queimando mais de 60 mil hectares de vegetação nativa.
“Com as mudanças climáticas, a gente consegue observar que as secas estão cada vez mais severas em sua intensidade e duração. Antigamente, em setembro chovia, mas agora é inconcebível ter chuva em setembro aqui na região e essa virou justamente a época dos grandes incêndios florestais. Isso impacta a biodiversidade da Chapada, deixando-a mais sensível. Em 2017, foram perdidos buritis de 400 anos e veredas que nunca tinham visto o fogo até então”, conta Castor.
Mas a mudança nas chuvas é apenas parte do problema. Mesmo em períodos de chuvas intensas que batem recordes, a perda de vegetação nativa impede que a natureza reabasteça os reservatórios. Sem a cobertura vegetal nas montanhas, campos e rios do Cerrado, a chuva que deveria irrigar e nutrir vira a outra face de um desastre, correndo para os rios em enchentes e trombas d’água, assoreando e erodindo o solo.
“A gente consegue perceber as alterações no regime hídrico para além da falta de água. Ano passado choveu como não chovia há 30 anos aqui na Chapada, mas essa chuva foi toda concentrada e tivemos diversas perdas. E por que tivemos perdas? Porque diversas áreas de Cerrado, que deveriam ajudar na infiltração da água no solo, estão desmatadas. Com isso, ao invés dessa água cair e abastecer nossas reservas subterrâneas, escorre pelo terreno, causando erosão e indo de uma vez só para os rios. No lugar de infiltrar e reabastecer nossas reservas, essa água causa enchentes e devastação.”
Jornalista do IPAM, lucas.itaborahy@ipam.org.br*