Anna Júlia Lopes*
Com a COP30 marcada para novembro em Belém, cresce a expectativa de que Brasil e China aproveitem o encontro para aprofundar suas colaborações na agenda climática. Em entrevista ao IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), especialistas explicam que os dois países já compartilham acordos e iniciativas que devem ganhar destaque na conferência, especialmente no combate ao desmatamento e na transição energética.
Diretora-executiva da Vallya Agro, Larissa Wachholz viveu em Pequim de 2008 a 2013 e é ex-assessora especial do Ministério da Agricultura, onde liderou o núcleo China e estabeleceu o “Programa China”. É mestre em Estudos Chineses Contemporâneos pela Universidade Renmin da China, com passagens pela Escola Econômica de Londres e pela Universidade de Pequim.
Também entrevistado pelo IPAM, Peng Ren é diretor de programas do SNISD (sigla em inglês para Instituto Sul-Norte para o Desenvolvimento Sustentável). A organização trabalha com a cadeia de suprimentos agrícolas entre China e Brasil, com foco em torná-la livre de desmatamento. O principal objetivo é promover o estabelecimento de uma plataforma de rastreabilidade agrícola entre os dois países.
Larissa Wachholz
Em 2023, a China e o Brasil renovaram sua parceria no combate às mudanças climáticas. Dito isso, o que dá para esperar da COP 30 no que diz respeito aos dois países?
A China é um dos países mais comprometidos com a questão climática no mundo hoje. Eu vejo um interesse cada vez maior das empresas chinesas em participarem ativamente das discussões da COP30 e mostrarem que estão empenhadas em alcançar suas metas de redução em efeitos de gás estufa e em aumentar seus investimentos em energias renováveis e nas cadeias relacionadas à transição energética. Percebo um interesse, por exemplo, em temáticas como produção de fertilizantes verdes, aço verde, combustíveis de navegação marítima e de aviação sustentáveis.
Essas empresas chinesas estão liderando investimentos nessas áreas em seu próprio país, na China, mas a minha percepção é de que, conforme eles adquiram experiência no mercado chinês, será um passo natural que eles levem essas teses de investimento para fora da China, nos seus investimentos internacionais. Eu acho que esse engajamento do setor corporativo chinês é um elemento muito interessante e eu acredito que o Brasil possa ser um possível beneficiário desses investimentos e que deveria trabalhar para isso.
A China tem, por exemplo, grandes empresas da área de internet, do mundo digital. A gente sabe que a tecnologia, a inteligência artificial sobretudo, demanda uma grande quantidade de energia para o funcionamento de todo esse ecossistema digital que se apresenta e que é o futuro do desenvolvimento tecnológico e da tecnologia de ponta. Muita energia vai ser necessária para suprir essa necessidade e eu vejo empresas chinesas começando a se engajar no sentido de mitigar as suas emissões nessa área. Esse é um elemento que eu enfatizo como algo bastante promissor.
Do ponto de vista governamental, o Brasil acaba de realizar uma visita de Estado à China, e, dentre os acordos que foram assinados, há uma colaboração entre o MMA e a organização chinesa estatal responsável pela regulação de florestas e pastagens. Nesse acordo que foi firmado, há um compromisso de colaboração na área de restauração florestal, que eu destacaria como um elemento recente e que certamente terá implicações para a COP30.
A COP vai ser o momento propício para que os países reafirmem seus compromissos com o Acordo de Paris. Há a expectativa de que isso aconteça por parte da China? O governo chinês deve utilizar esse momento para mandar uma mensagem sobre seus investimentos em energia limpa?
O governo chinês tem liderado investimentos globais na área de energias renováveis. Eu acredito que esse será, sim, um grande destaque que eles vão apresentar na COP30. Além disso, na COP29, os chineses apresentaram dados sobre o quanto eles têm ajudado a financiar o combate às mudanças climáticas junto aos países em desenvolvimento. Eu acho que essa combinação de investimento doméstico em descarbonização e transição energética com o investimento internacional nessas áreas e uma ajuda através de programas em países menos desenvolvidos são pilares que a gente pode imaginar e enxergar durante a COP30.
Dá para dizer que o Brasil e a China, como integrantes do Brics, devem preencher o vácuo deixado por países desenvolvidos no que diz respeito à pauta climática durante a COP?
Eu acho que não é possível que o Brasil e a China — ou os demais integrantes do Brics — deverão preencher o vácuo deixado por países desenvolvidos no que diz respeito à pauta climática. Eu acho que isso seria talvez muito ambicioso.
Existe, sim, um vácuo importante, um vácuo principalmente deixado por economias desenvolvidas, mas o Brasil e a China se veem como economias em desenvolvimento e que precisarão de recursos financeiros — sobretudo o Brasil, que é uma economia de porte médio — para avançar com os seus projetos de redução de gás de efeito estufa.
Ainda que a gente possa dizer que sim, se espera uma maior atuação dos países do Brics nesta pauta, especialmente Brasil e China, que são os mais comprometidos com a pauta climática. O fato de o Brasil ser o anfitrião da COP30 já diz muito sobre isso. A gente pode dizer que se espera um grande engajamento por parte deles, mas não que isso seria uma forma de preencher uma lacuna deixada por países desenvolvidos, porque, afinal de contas, há muita responsabilidade dos países desenvolvidos e há muito potencial das empresas multinacionais oriundas dos países desenvolvidos de trabalharem em prol da pauta da mudança climática.
Seria excessivamente ambicioso dizer que os países do Brics vão assumir essa lacuna, mas certamente, sim, eles vão trabalhar para que, apesar dessa lacuna, a gente consiga fazer progressos, porque há uma necessidade coletiva em prol da ação desses países.
A China é referência em energia solar e eólica. Há espaço para uma parceria tecnológica entre Brasil e China nesse setor, principalmente levando em conta o fato de a COP estar se aproximando?
Sim, eu acho que há espaço para diferentes parcerias tecnológicas entre o Brasil e a China no campo da transição energética. Eu destacaria, principalmente, o potencial de atração de investimentos para indústrias que são aquelas que a gente chama de “hard to abate”, aquelas de difícil descarbonização, que precisarão de ambientes com energia renovável a preço competitivo para se descarbonizarem.
Seria uma grande oportunidade para o Brasil receber investimentos industriais dessa natureza, que possam permitir uma transferência de tecnologia em áreas como fertilizantes verdes e aço verde, e que trabalhem em prol da capacitação da mão de obra brasileira nessa área. Para isso, é preciso ter uma visão a longo prazo de desenvolvimento da indústria de renováveis. O Brasil já tem muitos investimentos chineses na geração e transmissão de energia elétrica renovável, mas o país ainda está diante de desafios importantes nesse setor. Alguns desses investidores internacionais estão sendo prejudicados por essa situação e é importante que o Brasil sinalize o seu desejo e interesse de lidar com esses desafios para continuar crescendo a quantidade de energia renovável disponível no país.
A China importa grande parte da sua soja e carne do Brasil. Como essa relação comercial pode ser usada para fomentar práticas sustentáveis de produção?
Eu vejo na China um interesse crescente na pauta do comércio sustentável. É claro que eles continuam absolutamente focados no tema da segurança alimentar, ou seja, a importação de alimentos, como a ração animal — que é o caso da soja — e a carne, que continuam sendo pilares fundamentais para a diversificação da dieta da classe média chinesa. Então, a segurança alimentar continua vindo em primeiro lugar.
Dito isso, eu vejo um interesse crescente de empresas chinesas de promover ações que vão levar a um comércio agrícola internacional sustentável. Recentemente, empresas do setor de lácteos, como a Mengniu, anunciaram em conjunto com a Cofco a compra de soja sustentável do Brasil para a produção de lácteos na China. A soja que vai alimentar os animais que serão utilizados para a produção de lácteos, esse tipo de exemplo é interessante.
Também é preciso pensar que, na China, há grandes redes de alimentação, cadeias de fast-food, que são muito atuantes e têm compromissos internacionais ligados ao perfil dos produtos que eles importam. Esses compromissos se aplicam também à China, ainda que sejam empresas de origem americana ou europeia. Se eles têm essas cadeias na China, eles vão aplicar no país essas regras, por exemplo, de carne bovina de áreas não desmatadas.
No caso da China, nós temos dois fenômenos interessantes a ressaltar. Um deles é o próprio aspecto do interesse do consumidor chinês e o outro aspecto diz respeito à presença de indústrias multinacionais da agroindústria ou do setor de alimentação que têm os seus restaurantes na China e que, consequentemente, levam para o país e para os importadores chineses exigências relacionadas a compromissos de sustentabilidade assumidos em outras regiões do mundo.
Eu acho que é muito importante que o Brasil e a China trabalhem de forma conjunta e coordenada na discussão sobre protocolos de sustentabilidade comuns no que diz respeito ao comércio agrícola, justamente para que os dois estejam plenamente inteirados das expectativas de parte a parte, sendo a China o principal cliente do agronegócio brasileiro nessas duas áreas e para que o Brasil — que é a ponta produtora — não seja surpreendido por eventuais ações da China.
Muitas pessoas aqui no Brasil têm essa ideia de que a China não tem a intenção de aplicar regras de sustentabilidade e rastreabilidade às cadeias de soja e carne, e, ainda que eu concorde que, sobretudo na soja, ainda seja um assunto bastante sensível dada à importância da segurança alimentar no país, eu tenho visto esse interesse crescente das empresas chinesas de conversarem sobre o assunto, e também órgãos do governo chinês e da academia, universidades e instituições de pesquisa, refletindo sobre esse tema. Se há esse movimento de discussão e reflexão, a gente deve imaginar que existe sim um tipo de reflexão sobre o papel da China na questão do desmatamento que pode originar alguma mudança de política em algum momento. Para que a gente tenha, como produtor e fornecedor, um maior controle, podendo antecipar eventuais ações, é preciso trabalhar de forma próxima, em conjunto com os chineses para entender exatamente o estágio em que eles estão nesse tipo de reflexão.
Existe espaço para cooperação bilateral em tecnologias para agricultura de baixo carbono?
Eu vejo um espaço enorme para a cooperação bilateral de tecnologia de agricultura de baixo carbono e para a aplicação de protocolos de sustentabilidade — que hoje já estão sendo sugeridos e discutidos pelo Ministério da Agricultura do Brasil. Eu acho que é muito importante esse item do fomento à agricultura de baixo carbono. O Brasil tem um programa de agricultura de baixo carbono bastante antigo, que já tem mais de 10 anos de existência e já apresentou bastante resultado.
É muito interessante levar esse histórico de atuação para a parte chinesa e fomentar práticas que levem à produção agrícola de baixo carbono no Brasil e na China. Esse fomento ocorre principalmente através de duas vias: da criação de mercados que tenham interesse nesse tipo de produto e também no fomento via financiamento, ou seja, a partir do momento que o setor e os produtores tenham acesso a financiamentos, a custos menores, em troca da utilização de práticas de agricultura de baixo carbono, essa adesão do setor acontece. É preciso criar medidas mercadológicas que encorajem a produção agrícola de baixo carbono para que a gente tenha, de fato, uma transformação em escala.
Como a cooperação científica entre Brasil e China pode avançar no campo das mudanças climáticas?
Eu vejo que a cooperação científica entre o Brasil e a China pode avançar de diferentes formas, principalmente porque hoje ela ainda é muito pequena comparando com o alcance que ela poderia ter. A gente tem algumas iniciativas acontecendo e, sobretudo no último ano, com o Brasil sendo anfitrião do G20 e, esse ano, sendo o anfitrião da reunião do Brics e da COP30, isso faz com que várias empresas e diferentes governos se mobilizem a fazer anúncios relativos a essas pautas.
Nesse sentido, eu acho que houve avanços. A gente tem visto a assinatura de protocolos bilaterais e alguns casos de cooperação científica, por exemplo, entre a Universidade de Xinhua e a UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Na transição energética, há o Centro Brasil-China, que foi estabelecido há mais de 10 anos. Existem ainda cooperações na área agrícola, que podem olhar cada vez mais para o tema da mudança climática, como, por exemplo, uma parceria entre a Universidade Agrícola da China e a Esalq (Escola Superior de Agricultura), da USP (Universidade de São Paulo).
Eu acho que esse é um campo que ainda tem bastante espaço para crescimento, para a colaboração tanto no setor agrícola, como na agricultura de baixo carbono, com menor utilização de produtos como pesticidas — que também leva à redução de emissões. A biotecnologia de sementes, por exemplo, é um outro campo que faria muito sentido Brasil e China terem maior colaboração, inclusive para a pauta climática. Eu acho que colaboração científica é a chave, mas isso exige também investimento, então, quanto mais parcerias corporativas forem feitas, melhor, porque o propósito que se busca é desenvolver tecnologias que possam ser levadas ao mercado e aí, de fato, virarem projetos que vão ajudar no processo de descarbonização.
Há chances de tanto o governo quanto o mercado chinês investirem no combate ao desmatamento no Brasil?
Sim, eu vejo que há muitas chances de os dois governos trabalharem juntos no investimento no combate ao desmatamento, inclusive pensando nesse acordo que foi estabelecido no último mês por ocasião da visita de Estado do Brasil à China. Também foi realizado em Pequim um seminário sobre esse assunto, com a presença de autoridades brasileiras, com a presença da ministra Marina Silva, focado na área de restauração florestal. Eu acho que todos esses elementos apontam para um interesse grande do governo chinês nesse assunto porque, afinal de contas, foi um seminário feito em parceria com o governo chinês. Eu acho que tudo isso são sinais de interesse nessa área e uma disposição de trabalhar com o Brasil nesse assunto.
Vejo também que a regulação do mercado de carbono no Brasil é um passo importante para que nós tenhamos a atração de investimentos mais consistentes nessa área, inclusive desse mundo corporativo chinês, das grandes multinacionais que estão atuando ao redor do mundo e que, assim como multinacionais de outros países, também buscam projetos que permitam a descarbonização das suas operações ou a mitigação das emissões das suas operações.
Peng Ren
Em 2023, China e Brasil renovaram sua parceria no combate às mudanças climáticas. Com isso em mente, o que podemos esperar da COP30 em relação aos dois países?
Há várias iniciativas em andamento. Dentro do Cosban (Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação), existe um subcomitê específico sobre meio ambiente e clima. Pelo que sei, estão desenvolvendo planos de ação para o próximo ano.
Além disso, teremos eventos importantes nos próximos meses, como a cúpula dos Brics e a própria COP30. Acredito que há grandes oportunidades para os dois países colaborarem e, inclusive, fazerem declarações conjuntas sobre mudanças climáticas.
Podemos dizer que China e Brasil, como membros dos BRICS, têm um papel de preencher a lacuna deixada pelos países desenvolvidos na agenda climática da COP?
Sim. China e Brasil compartilham uma visão comum no combate às mudanças climáticas. Isso inclui, por exemplo, o controle do desmatamento ilegal — tema sobre o qual os dois países já emitiram uma declaração bilateral conjunta. Também há MoUs (Memorandos de Entendimento) entre diferentes ministérios de ambos os países em temas como monitoramento via satélite, controle de queimadas e cooperação tecnológica.
Durante a visita do presidente Lula à China, o Ministério do Meio Ambiente brasileiro assinou um acordo com a NFGA (Administração Nacional de Florestas da China) voltado ao controle do desmatamento e ao compartilhamento de boas práticas de reflorestamento desenvolvidas na China. A ideia é adaptar essa experiência ao Brasil.
Outro ponto interessante foi a proposta brasileira de criar o TFF (Tropical Forest Forever, ou Floresta Tropical Para Sempre, em inglês), um mecanismo internacional de financiamento para a conservação. A China demonstrou apoio inicial e há discussões em curso sobre como poderia contribuir. No caso da China, o país pode atuar tanto como recebedor quanto como doador nesse mecanismo.
Como os dois países estão lidando com o desafio de reduzir emissões sem comprometer o crescimento econômico? Pode citar algumas medidas já implementadas?
Tanto China quanto Brasil são países em desenvolvimento, então compartilhamos experiências e aprendizados nesse equilíbrio entre desenvolvimento e meio ambiente. A China não foi um bom exemplo no passado — priorizamos o crescimento econômico por décadas, em detrimento do meio ambiente. Mas, hoje, estamos buscando esse equilíbrio. Nesse sentido, a China pode compartilhar lições úteis com o Brasil.
A China lidera globalmente em energias renováveis, especialmente em energia solar, produção de painéis, carros elétricos e baterias. Isso abre espaço para cooperação com o Brasil em transferência de tecnologia, instalação de capacidade produtiva e formação de mão de obra local. Há muito a ser compartilhado entre os dois países.
A China importa grande parte da soja e da carne bovina do Brasil. Como essa relação comercial pode ser aproveitada para promover práticas mais sustentáveis de produção?
Acredito que tanto China quanto Brasil têm responsabilidade compartilhada na conservação das florestas tropicais. Sabemos que o Brasil já desenvolveu diversos marcos regulatórios e iniciativas de sustentabilidade, tanto em nível nacional quanto estadual. Estamos aprendendo com essas boas práticas. Na China, temos uma estrutura de políticas conhecida como “civilização ecológica” e também os compromissos de carbono duplo. Essas políticas têm influenciado os padrões industriais e levado empresas a melhorarem sua conduta ambiental.
No caso da soja e da carne bovina, a China é um dos principais compradores, e o Brasil é um dos principais produtores e exportadores. Há muitas discussões em andamento na China — por meio de políticas e regulamentações ambientais — para incentivar cadeias de suprimentos livres de desmatamento.
Já tivemos avanços concretos: o primeiro embarque de soja DCF (livre de desmatamento) do Brasil chegou recentemente à China. Estou envolvido agora na cadeia da carne bovina Brasil-China, ajudando a desenvolver um sistema de rastreabilidade específico para isso. Esperamos lançar essa plataforma durante a COP30, junto com o primeiro acordo de compra entre empresas chinesas e brasileiras para a exportação de carne bovina sem desmatamento ilegal.
Como a cooperação científica entre China e Brasil pode avançar no campo climático?
A vontade política já existe — os líderes de ambos os países têm se encontrado com frequência. O desafio agora é transformar essa vontade política em ações concretas.
Isso envolve cooperação tecnológica, diálogos sobre políticas públicas e pesquisa conjunta em áreas como inovação e participação em fóruns internacionais, como os Brics e a COP30. O essencial é coordenar ações de forma estratégica e garantir que essa colaboração gere resultados práticos no campo.
*Jornalista do IPAM, anna.rodrigues@ipam.org.br