“Temos que convencer os governos da importância das terras indígenas”

5 de julho de 2022 | Notícias

jul 5, 2022 | Notícias

Por Lucas Guaraldo*

A Terra Indígena do Vale do Javari, localizada no extremo-oeste do estado do Amazonas, ocupa uma área de mais de 8 milhões de hectares e concentra a maior densidade de povos isolados do mundo, segundo dados da Funai. Contudo, com o desmonte de órgãos fiscalizadores, a região tem sido assolada pela violência do crime organizado, que culminou com o assassinato de Bruno Pereira e Dom Phillips.

De acordo com Beto Marubo, representante da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), os povos indígenas da região têm se articulado para operacionalizar ações de vigilância territorial, algo complementar à fiscalização, que é de competência estatal, sobretudo, qualificar as informações obtidas em campo, com a finalidade de otimizar a atuação dos órgãos competentes, como FUNAI, PF e MPF.

“Temos que convencer o Governo Brasileiro da importância de proteger as terras indígenas. Tendo informações sobre a importância dessas terras públicas e dessas culturas, para o clima e para a segurança do Brasil, podemos conversar com políticos para justificar as políticas públicas necessárias para a região, como as bases da Funai, por exemplo. O Estado renegou completamente essas áreas, mas com esses dados fortalecemos nossa luta e podemos avançar.”

Durante o seminário, o pesquisador sênior do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), Paulo Moutinho, anunciou a produção de relatórios a respeito da grilagem e a fraude do Cadastro Ambiental Rural no Vale do Javari. “Serão relatórios curtos e cheios de dados que possam ser usados como arma na mão do Ministério Público Federal”, destaca.

Um narcoestado na Amazônia

Beto Marubo também destacou a rápida escalada de violência que tem assolado a região. Segundo ele, o tráfico internacional tem se instalado na região devido à proximidade com as fronteiras do Peru e da Colômbia e já controla áreas da floresta e da política. Além das drogas, o crime organizado tem investido na pesca ilegal, garimpo, grilagem de terras e corte de árvores protegidas.

“O estado abdicou de suas competências nessa parte da Amazônia e destruiu as instituições, criando as condições para que esses grupos entrassem. Nós estamos lidando com quadrilhas organizadas e não mais com simples pescadores que entravam nos nossos rios. Falta pouco para que a região do vale do javari seja totalmente dominada pelo crime e vire um narcoestado em todas as esferas.”

A coleta de informações sobre a região também é importante no combate à criminalidade. De acordo com o representante da Univaja, as coletas de informações feita por indígenas capacitados são, muitas vezes, os únicos dados referentes ao Vale do Javari.

“Precisamos de dados para que essas áreas não sejam semelhantes a algumas áreas da Colômbia e do Peru, onde não existe nenhum controle do Estado. Se o Vale do Javari for ocupado e dominado por quadrilhas, aquela região vira um inferno e um problema de segurança nacional. Estamos sozinhos no mato”, alerta Beto Marubo.

Ampliando a defesa dos direitos indígenas

Apesar das ameaças constantes e dos desafios envolvidos no monitoramento de uma região que, segundo dados do IBGE, ocupa uma área quase duas vezes maior que o Estado do Rio de Janeiro, Beto Marubo ressalta a importância da atuação dos povos indígenas na proteção de seus direitos e da herança deixada pelo indigenista Bruno Pereira na região.

“A equipe de monitoramento treinada e capacitada pelo Bruno voltou a fazer seu trabalho normal. Não podemos recuar. Não temos o direito de recuar. Ou a gente faz esse trabalho ou a gente vai perder o controle total do nosso território. Foi por causa do nosso trabalho que o nosso território foi conhecido no mundo todo e as autoridades foram pressionadas. Somos o último anteparo para os povos isolados que dependem de uma Funai que os renega.”

*Estagiário sob supervisão de Natália Moura 



Este projeto está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

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