A pesquisa científica relacionada à influência das atividades humanas no aumento da concentração de CO2 na atmosfera, que causa do efeito estufa e leva às mudanças climáticas, é robusta mundialmente, permitindo projeções climáticas em escalas regional e global. Atentar a esses dados é fundamental para agir rapidamente, tanto para a redução dos gases-estufa quanto para se adaptar às novas condições do clima, afirmaram cientistas brasileiros em audiência pública no Senado, na última semana.
O pesquisador Carlos Nobre, do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP) e membro da Academia de Ciências dos EUA, mostrou estudos que indicam que praticamente todas as regiões brasileiras podem sofrer impactos socioeconômicos caso a temperatura média mundial aumente 5ºC até o final do século, que é o que pode ocorrer se nada for feito para reduzir as emissões de CO2.
Os efeitos do aquecimento global são evidentes no Brasil. Durante a década de 1960, a média de dias por ano com temperatura superior a 34ºC nunca passava de 30 dias, mas desde o início do século 21 este índice nunca mais foi inferior a 60 dias por ano. A temperatura média de 34ºC é relevante para o Brasil porque uma temperatura maior inviabiliza a prática de diversas culturas agrícolas.
Nobre ainda chamou a atenção para a possibilidade de o Brasil passar a sofrer mais com eventos extremos relacionados a secas, no Nordeste, e tempestades, no Sudeste. Tais fenômenos vêm se manifestando com mais frequência, e esses extremos podem tornar-se o “novo normal” nestas regiões. “A situação do Nordeste é muito preocupante. A seca entre 2012 e 2018 foi a mais longa da história, e estas medições são feitas desde o período do Império. A região já vive um período de aridização, por exemplo, no norte da Bahia”, disse o cientista.
Já Mercedes Bustamante, da Universidade de Brasília, alertou para o fato de as mudanças climáticas, somadas ao desmatamento, ameaçarem os ambientes naturais do Brasil, enquanto pouco se explora um mercado baseado em espécies endêmicas para uso na medicina e na cosmética. “Apenas 36 espécies botânicas nativas possuem registro de fitoterápicos”, conta a cientista. É “francamente equivocado”, diz ela, a fala de que a preservação ambiental é um empecilho ao desenvolvimento, ainda forte em certos setores sociais brasileiros.
Consenso científico
Os cientistas que participaram da audiência no Senado também reforçaram a importância de se tomar decisões baseadas em ciência. “A experiência indica que é improvável que três mil cientistas estejam equivocados em suas investigações, e apenas dois ou três estejam corretos”, explicou o físico Paulo Artaxo, da Universidade de São Paulo.
“Esta é uma área de investigação muito ativa mundialmente. A cada semana são publicados pelo menos quatro ou cinco papers (artigos científicos) de impacto internacional. Só nos últimos seis meses, foram divulgados trabalhos de pesquisas coletando esforços de quase três mil cientistas, todos apontando questões preocupantes quanto à sustentabilidade ambiental no que tange às atividades humanas.”
O cientista Gylvan Meira, que colaborou com o Painel Internacional de Mudanças Climáticas (IPCC) até 2015, alertou que especialmente nos Estados Unidos — país que mais abriga negacionistas no mundo —, esta vertente de cientistas tradicionalmente é ligada ao lobby de poderosos setores industriais, como o do petróleo. O que não impede os EUA de serem, por outro lado, a nação mais avançada nas pesquisas científicas tratando do impacto humano para o acúmulo de CO2 na atmosfera, e onde há mais organizações e empresas que adotam medidas de controle de emissões de gases-estufa, aliadas a engajamento social.
Os pesquisadores ainda reiteraram que muitos trabalhos negacionistas apresentam lacunas em relação ao rigor cientifico. Pediram aos internautas que consultem a Plataforma Lattes, onde torna-se claro que a produção desta vertente no Brasil é “muito inferior” à ciência climática.
O homem já emite cerca de 40 bilhões de toneladas por ano de dióxido de carbono (CO2). Esses gases permanecem na atmosfera, gerando efeitos por décadas. Os pesquisadores também mostraram inúmeros gráficos e tabelas atestando que a concentração do CO2 tem crescido de forma consistente desde a Revolução Industrial, com sazonais períodos de declínio, e apresenta hoje seus índices mais altos.
O biólogo Gustavo Luedemann, doutor em Ecofisiologia Vegetal pela Universidade Técnica de Munique (Alemanha) e pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), lembrou que o IPCC controla um fundo de U$ 100 bilhões voltado ao financiamento de ações de mitigação aos danos ambientais. Para ele, esta apresenta-se como uma oportunidade para que o Brasil incremente seu modelo econômico visando uma lógica mais sustentável, fomentando por exemplo ações de manejo florestal, que no seu entender, podem incluir sócio-economicamente regiões inteiras do país ainda marcadas por alarmantes índices de miséria e pobreza.
Já o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) criticou algumas diretrizes que percebe como “preocupantes” do governo, sobre a gestão do Fundo Amazônia. Este fundo, mantido principalmente pela Noruega, destina cerca de R$ 2 bilhões por ano para programas voltados à preservação ambiental na região. O senador lembrou que centenas de ações com esta finalidade estão paralisadas na Amazônia, enquanto o governo manifesta sua intenção de utilizar estes recursos para pagar indenizações a fazendeiros, “em sua maioria grileiros de terra”, segundo Randolfe.
* Com informações da Agência Senado.