Associação de reciclagem na Chapada dos Veadeiros cria moeda social para reciclagem

15 de dezembro de 2025 | Um Grau e Meio

dez 15, 2025 | Um Grau e Meio

Tainá Andrade*

Luís Carlos Gojvscek, 60 anos, é escultor e vivia exclusivamente do ofício até atravessar mais de dois mil e trezentos quilômetros, de Porto Alegre (RS) até Alto Paraíso de Goiás (GO), na Chapada dos Veadeiros, há 15 anos atrás.

As esculturas de sucata reciclada, feitas pelo artista, passaram a ser um problema na nova morada devido ao acúmulo dos resíduos descartados. A solução foi ressignificar o uso do material. 

Em um passeio de bicicleta, o gaúcho encontrou um galpão abandonado. Aos poucos, Luís limpou o local de três mil metros quadrados. Por se tratar de uma área pública, não pôde seguir com seu plano de transformar o lugar em um espaço de reciclagem. No entanto, do embate surgiu a primeira iniciativa de reciclagem da cidade: a associação Recicle Alto e a cooperativa Coopera Chapada. 

Um dos frutos da associação foi a iniciativa Reciclar é preciso. Por meio dela foi criada a moeda social Reciclados, que troca o lixo entregue voluntariamente no galpão por dinheiro social, aceito no comércio regular de Alto Paraíso, em farmácias, supermercados e lojas de material de construção.

Em 2024, a iniciativa empregou, nos dois projetos, Recicle Alto e Coopera Chapada, 26 pessoas. Foram recolhidos aproximadamente 438 toneladas de resíduos recicláveis entre papel, ferro e inox, vidro, plástico e pneus em Alto Paraíso, Cavalcante e Colinas do Sul. Em entrevista à Um Grau e Meio, Luís Carlos Gojvscek conta como essa ideia foi consolidada.

Luís junto com a equipe da Associação Recicle Alto e da cooperativa Coopera Chapada. Crédito: acervo Recicle Alto 

Como surgiu a ideia de começar uma cooperativa de reciclagem?

Minha profissão era serralheiro e acabei me tornando artista plástico. Eu fazia escultura com material reciclável, com vários tipos de materiais em Porto Alegre (RS) e acabei me tornando uma pessoa conhecida. Fazia muitas exposições e vendia muitas peças com sucata. 

Em 1986 li uma revista que falava sobre coisas esotéricas, sobre Alto Paraíso, e isso despertou minha curiosidade. Peguei o carro, trouxe a família para conhecer e me encantei. Depois nos mudamos pra lá. Na época eu estava com 45 anos, era o momento certo. 

Segui com o artesanato, abri uma loja e comecei o trabalho de reciclagem ali. Como eu utilizava sucata, foi acumulando e tive que arranjar outro lugar para depositar. 

Passeando de bicicleta com o meu filho encontrei um galpão, com uns três mil metros quadrados. Ele estava abandonado e pensei que era maravilhoso. Levou entre dois e três meses para limpar. 

Quando faltava pouco para terminar, uma comissão da prefeitura apareceu e proibiu de usar o lugar, porque era uma área pública. Eu disse que queria fazer um projeto de reciclagem, mas eles estavam certos porque era uma área pública. 

A partir daí, fui entender como poderia fazer para usar o galpão. Procurei um advogado e ele orientou que a única forma de ocupar esse espaço era fazendo uma associação. Assim surgiu a Recicle Alto.

Qual era seu objetivo ao criar o projeto?

Trabalho com educação ambiental e acredito que a reciclagem mais difícil de lidar é a humana. Quando a gente entende que o problema maior não está fora, mas dentro de nós, temos que nos reciclar como seres humanos, entender que somos o planeta. Essa é a grande sacada.

As pessoas falam em religião e se esquecem de algo tão simples e importante: que somos os elementos do planeta.Nosso corpo é 70% água, não conseguimos ficar sem ar, sem solo, sem os elementos da natureza. Para que a gente entenda a necessidade de uma mudança, temos que entender que o tratamento dado à natureza é como se fosse o que damos a nós mesmos. 

Então, há a necessidade de uma mudança interior. Ao consumir no mercado, por exemplo, pensar qual seria o material que gera menos lixo. Essa visão de minimizar o nosso impacto na Terra, de dar destinação adequada ao nosso consumo, tudo isso é lixo mental que, se a gente não trabalhar, não vamos entender. 

Costumo falar que para a mudança interior acontecer temos que nos sentir no momento presente. Todo o mecanismo ambiental que está à nossa volta, a todo momento: a gente faz parte disso tudo. 

A mudança tem que estar nas coisas mínimas. “Ah, eu quero mudar o planeta”. Muda tuas ações, coisas dentro de ti, coisas mínimas. Vai fazendo essas mudanças que então existirão reflexos externos grandes.

Nossa ideia é envolver a comunidade de várias formas. Levei essa ideia para escolas, grupo de escoteiros, bolhas esotéricas, trabalhei com a prefeitura e foi começando a agregar as pessoas. Acho que hoje temos mais de 1.000 pessoas ao nosso lado.

Você era um forasteiro na Chapada dos Veadeiros. Como conseguiu engajar as pessoas?

Tem muita gente indo e voltando para cá [Chapada dos Veadeiros]. As pessoas chegam com uma perspectiva e se deparam com outra realidade. Não tem um retorno financeiro rápido, porque não entendem que a cidade é diferente – tem questões culturais, financeiras, estruturais. 

Tem que compreender que você não vai mudar a realidade local: a cidade já tem a dinâmica dela, você vai só contribuir. Quem tem humildade, persistência, consegue as coisas aqui. Tem que ser igual ao Cerrado: ter raiz profunda para conseguir se firmar.

Trabalhei de forma gratuita durante dois anos para provar, principalmente para a prefeitura, que era possível. Durante o dia, até às 16h, era na loja de artesanato; a partir das 17h me dedicava ao projeto. 

Comecei a colocar alguns pontos de entrega voluntária na cidade e falávamos com muita gente, fazíamos educação ambiental 24h por dia. Onde eu estivesse, tinha gente falando sobre lixo.

A comunidade se juntou, começou a entender que era um projeto verdadeiro e que não era uma aventura de alguém que veio e iria embora. Em 2014, foi feito um abaixo assinado para dar apoio para o projeto seguir em frente. Coletamos mais de 600 assinaturas e, com isso, conseguimos o apoio da prefeitura.

A moeda social é um dos pontos-chaves do projeto. Como funciona?

Há aproximadamente cinco anos criamos essa moeda social para que as pessoas de baixa renda entendessem que o resíduo tem valor e não é só lixo. A moeda chama-se Reciclados e faz parte do projeto Reciclar é preciso.

As pessoas entregam seu reciclado, limpo, já separado, a gente pesa e paga eles com a moeda social. Cada material tem seu valor. O Reciclados é um dinheiro mesmo, tem uma tabela de valores. As cédulas são os bichinhos da Chapada e é uma moeda como se fosse uma nota de real.

Temos um termo de parceria com os comerciantes em que eles se comprometem a não vender álcool, nem drogas com essa moeda. É aceito em supermercado, farmácia, loja de material de construção e até na feirinha.

Nas primeiras vezes que trazem o material, principalmente os resíduos recicláveis misturados com os não recicláveis, a gente aproveita para dar uma aula de educação ambiental. O projeto é justamente para isso. Depois eles vão entendendo e já começam a trazer tudo triado e começar a entender mais o processo de reciclagem.

Analista de Comunicação do IPAM *



Este projeto está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

Saiba mais em brasil.un.org/pt-br/sdgs.

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