Por Paulo Moutinho e Raissa Guerra
No Brasil, o desmatamento da Amazônia é comparado com um dragão faminto, e esse dragão estava sob controle no passado. O desmatamento na região caiu 70% entre 2005 (19.014 km2) e 2014 (5.012 km2) em resposta a estratégias diferentes. Mas o monstro não foi morto; ele estava apenas tirando um cochilo. Desde 2012, a taxa anual de desmatamento ficou em torno de 5 mil km2; (4.571 km2 em 2012, 5.891 km2 em 2013, 5.012 km2 em 2014 e 6.207 km2 em 2015), de acordo com dados do Prodes. Infelizmente, em 2016 o dragão adormecido acordou. Em 29 de novembro, o governo brasileiro divulgou dados do desmatamento em 2016 mostrando que uma área equivalente a dez vezes a cidade de Nova York (7.989 km2) foi destruída (figura 1). Essa é a maior taxa registrada desde 2008, quando o desmatamento foi de 12.911 km2, possivelmente indicando o retorno de um antigo padrão de desmatamento.
Figura 1: A evolução das taxa de desmatamento na Amazônia em 2015-2016. (Fonte: Prodes 2016)
Os estados amazônicos do Pará, Mato Grosso e Rondônia não novamente os que apresentaram as maiores taxas de perda de cobertura florestal. Juntos eles respondem por 75% de todo o desmatamento medido pelo Prodes, o sistema oficial de monitoramento operado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). A surpresa foi o estado do Amazonas, que possui grandes extensões de florestas preservadas. As taxas de desmatamento ali crescem desde 2014, e em 2016 elas mostraram um aumento acumulado acima de 100% (figura 1).
A triste mensagem que o Brasil passa ao mundo com a nova e surpreendente taxa de desmatamento é que o ímpeto de controlar a derrubada pode estar minguando. O país era o quarto maior emissor global de gases estufa em 2007 devido à destruição da floresta na Amazônia. Esse é um passado para o qual simplesmente não podemos retornar a fim de evitar colocar em risco o equilíbrio climático em uma porção significativa do território nacional. O desmatamento pode causar consequências graves para a produção agrícola, que responde por uma larga fatia do PIB brasileiro, com mostram estudos realizados na região do Xingu.
Além dos riscos ao clima local e regional, a nova taxa de desmatamento ameaça colocar o Brasil em descrédito ante a comunidade internacional, uma vez que o governo anunciou suas metas de redução de emissões de desmatamento (e parar o desmatamento ilegal apenas em 2030) dentro do Acordo de Paris, da Convenção-Quadro da ONU de Mudanças do Clima. O Brasil também anunciou em 2009 que reduziria o desmatamento na Amazônia em 80% até 2020, prometendo que a taxa deste ano seria de 3.925 km2. Com o aumento recente para quase 8.000 km2, o esforço necessário para se alcançar a meta será muito mais desafiador. Ou seja, reduzir essa taxa pela metade nos próximos quatro anos.
Por outro lado, o Brasil tem todos os elementos necessários para reverter essa nova e ameaçadora tendência. Os caminhos para acabar com o desmatamento na Amazônia já são conhecidos, coo mostrado recentemente por estudos científicos publicados no periódico Elementa: Science of the Anthropocene. Por exemplo, a completa implementação do Código Florestal (legislação de proteção florestal), a destinação de florestas públicas como áreas protegidas, e os incentivos positivos para a conservação de florestas são as rotas mais cruciais para zerar o desmatamento na região.
Além disso, a Amazônia contém extensas áreas que já foram desmatadas e estão disponíveis para a agricultura e pode aumentar a eficiência da bovinocultura. Uma boa parte do setor privado já reconhece a importância de manter suas cadeias de produção livres de desmatamento (pela moratória da soja, por exemplo). Então uma resposta dura de todos os setores brasileiros – incluindo o setor privado – é necessária para reverter essa tendência emergente de subida das taxas de desmatamento.
Sem isso, a capacidade de o país controlar a destruição da maior floresta do planeta estará indubitavelmente sob ameaça. Precisamos produzir mais, exportar mais e criar mais benefícios econômicos para nossa população, mas não às custas das futuras gerações.
* Paulo Moutinho é um ecologista interessado em entender as causas do desmatamento na Amazônia e suas consequência sobre a biodiversidade, as mudanças climáticas e os habitantes da região. Ele trabalha na Amazônia há 20 anos e é um dos cofundadores do IPAM. É mestre e doutor em Ecologia pela Unicamp. Atualmente é pesquisador sênior no IPAM, em Brasília, e um distinguished policy fellow no Woods Hole Research Center, nos Estados Unidos.
* Raissa Guerra é bióloga e mestre em políticas públicas e desenvolvimento sustentável pela Universidade de Brasília (UnB). Fez o pós-doutorado em Ecologia Interdisciplinar na Universidade da Flórida (EUA), quando analisou o potencial da implantação de projetos de pagamento por serviços ambientais na região amazônica. Atualmente é pesquisadora no IPAM, onde trabalha com estratégias para zerar o desmatamento no bioma.
O artigo foi originalmente publicado no blog do Union of Concerned Scientists.