Por André Guimarães e Stephan Schwartzman
Esse artigo foi originalmente publicado em Grist.org (em inglês).
Pode ser difícil lembrar, em meio a tantas notícias ruins produzidas no Brasil ultimamente – a pior recessão dos últimos 30 anos, uma crise de corrupção sem precedentes e a votação no Senado que suspendeu a presidente Dilma Rousseff e deu início a um julgamento de impeachment –, mas nos últimos anos esse país ocupou uma importante posição de líder global no debate sobre mudanças climáticas.
O Brasil foi o país que mais reduziu suas emissões de gases estufa, com uma queda de cerca de 80% na taxa de desmatamento da Amazônia na última década. O Brasil também contribuiu para o sucesso do Acordo de Paris, em dezembro, ao adotar um compromisso de redução absoluta de emissões em diversos setores da economia – um movimento mais ambicioso do que o feito pela maioria dos países desenvolvidos.
Agora a crise atual coloca esses compromissos em risco, ameaçando dessa forma o progresso do combate às mudanças climáticas em todo o mundo.
Derrubar e queimar árvores responde por cerca de 15% das emissões globais de gases estufa, e o desmatamento na Amazônia afeta padrões climáticos em todo o mundo, incluindo chuvas em locais distantes como a Califórnia.
O Brasil merece créditos pela redução em larga escala do desmatamento na Amazônia, porém o progresso estagnou nos últimos anos. Desde 2011, o desmatamento oscila em torno de 5 mil quilômetros quadrados por ano em vez cair até o zero – uma meta que um consenso científico cada vez mais sólido indica como necessário para evitar o risco de uma morte progressiva da floresta. Investimentos inadequados do governo e a falta de incentivos positivos para a proteção da floresta são os principais motivos.
É improvável que o governo aloque os recursos necessários durante o circo do impeachment, que pode levar até seis meses. Além disso, para que os compromissos que o Brasil assumiu no campo climático entrem em vigor, o Congresso precisa transformá-los em lei – algo também improvável de acontecer logo.
Ainda assim, no meio do caos e da corrupção, há razões para otimismo.
O derretimento político do Brasil pode levar a nação a um lugar melhor. Se as investigações em curso sobre a presença crônica de corrupção em contratos públicos levarem, como prometido, a reformas anticorrupção e a um cenário limpo de desenvolvimento em infraestrutura, isso beneficiaria a economia brasileira, assim como o meio ambiente.
Enquanto o governo federal passa por um turbilhão, Estados da Amazônia, como o Acre, o Pará e o Mato Grosso, começam a implementar seus próprios programas para coibir o desmatamento e construir a base para um crescimento sustentável e livre de desmatamento. Eles também procuram ligar tais iniciativas com o mercado internacional de carbono (e pedir a criação de um mercado brasileiro) para financiar a conversão para uma agricultura com desmatamento zero. Atualmente há dificuldade em esses programas decolarem pela falta de apoio federal e esforços mal concebidos de algumas poucas agências federais que sufocam a inovação ambiental, mas seus planos podem impulsionar uma ação mais positiva do governo federal quando a crise passar.
Por último, nós temos esperança na população brasileira, que rejeita uma prática de administração pública repleta de corrupção e propinas. O investimento em infraestrutura com sistemas mais transparentes e verificáveis, incluindo uma avaliação rigorosa de custos e benefícios ambientais e sociais, representaria um ganho em tornar o desenvolvimento mais sustentável na Amazônia e em todos os lugares.
Os cidadãos brasileiros também apoiam de forma esmagadora a punição dos que manipularam o dinheiro público para seu próprio ganho pessoal e político. Isso não parece beneficiar o substituto de Dilma Rousseff, o vice-presidente Michel Temer, que já foi condenado por excessos no financiamento de sua campanha, nem dois terços do Congresso, que estão sob investigação ou foram indiciados por corrupção. Dezenas de executivos e políticos de alto escalão já estão na prisão.
Provavelmente o maior perigo da crise política no Brasil seria deixar de lado o que deseja a opinião pública. Isso drenaria a energia e a atenção de tudo o resto, incluindo ajustes econômicos urgentes, assim como os compromissos climáticos.
Mas se o Brasil puder sair desta crise política com menos corrupção e mais transparência, o país será muito melhor. Mudar a forma como o dinheiro público é gasto – e como o desenvolvimento é planejado e financiado – no fim beneficia a população do Brasil, sua floresta e o clima global.
André Guimarães é diretor executivo do IPAM; Stephan Schwartzman é diretor sênior de política em florestas tropicais do Environmental Defense Fund.