Por Bibiana Alcântara Garrido*
As savanas do Cerrado tiveram aumento de 221% na área queimada em agosto deste ano, com 1.239.324 hectares atingidos, mais de duas vezes o tamanho do Distrito Federal, contra 386.404 hectares queimados no mesmo mês do ano passado. Este tipo de vegetação, composto por árvores, arbustos e gramíneas, é predominante no bioma e ocupa a maior parte (41,7%) de tudo o que queimou no Cerrado nos oito primeiros meses do ano.
O maior aumento, no entanto, foi registrado nas formações florestais do bioma, com alta de 410% no último agosto. A área queimada neste tipo de vegetação foi de 96.533 hectares contra 18.910 hectares queimados no mês de 2023.
“Ainda que a área queimada em florestas do Cerrado seja menor do que a área queimada em savanas, chama a atenção este número que foge à dinâmica comumente observada no bioma. O aumento do fogo nas formações florestais é algo novo e que pode estar relacionado à intensificação das mudanças climáticas e ao desmatamento, que fragilizam estas áreas e aumentam sua vulnerabilidade ao fogo”, explica Ane Alencar, diretora de Ciência do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia).
Os dados são do Monitor do Fogo e os detalhes sobre uso e cobertura da área queimada no bioma foram divulgados nesta quinta-feira (19). O Monitor do Fogo é uma iniciativa da rede MapBiomas, coordenada pelo IPAM.
As áreas agropecuárias no bioma tiveram crescimento de 219% na área queimada em agosto deste ano, com 440.843 hectares queimados, na comparação com agosto de 2023, com 138.274 hectares. De janeiro a agosto, a agropecuária concentrou 21% do fogo no Cerrado.
Na comparação com os últimos cinco anos, a área queimada no Cerrado foi 95% maior em agosto de 2024 do que a média para o período. Além disso, este foi o agosto com a maior área queimada do intervalo analisado, com um aumento de 177% na área queimada (2.445.683 hectares) em relação a agosto de 2023 (881.899 hectares queimados). O mês marca o auge da seca no Cerrado, condição que agrava o alastramento de incêndios causados por ação humana.
“O Cerrado é um bioma que evoluiu com a ocorrência de fogo de forma natural, mas é importante lembrar que este fogo natural só ocorre na época chuvosa, por meio de raios, então é bastante raro. Na seca, o fator humano é o principal responsável pelos incêndios no bioma. É preciso criar mecanismos para que a gente possa manter este bioma vivo, seja com a redução do uso do fogo e o manejo desta ferramenta, seja com a criação de áreas protegidas. O Cerrado é o coração das águas do Brasil, se o perdermos, estamos arriscando o abastecimento hídrico do país e colocando em xeque vidas humanas e da biodiversidade”, diz Alencar.
Os estados de Mato Grosso e Tocantins têm a maior área queimada no bioma Cerrado durante o último agosto. Em Mato Grosso, os municípios com maior extensão de fogo dentro da área do bioma Cerrado foram Barra do Garças, Nova Nazaré e Campinápolis. Em Tocantins, as áreas mais afetadas foram nos municípios Lagoa da Confusão, Formoso do Araguaia e Pium.
Os números refletem a concentração do fogo no Cerrado em regiões próximas à zona de transição com a Amazônia e em partes da fronteira agrícola do Matopiba – formada por municípios do Maranhão, Tocantins, Piauí e da Bahia.
O fogo em áreas de vegetação nativa tem como consequência impactos ambientais e sociais na região, com efeitos que se multiplicam em crises de seca e falta d’água no país. O Cerrado abriga nascentes de oito das 12 principais bacias hidrográficas brasileiras, que abastecem rios da Amazônia, do Pantanal, da Caatinga e da Mata Atlântica. Aquíferos que têm a maior parte de sua área no Cerrado também irrigam o subsolo do Pampa, a exemplo do Guarani.
“Se não controlarmos os incêndios e o desmatamento do Cerrado, não vai ter mais água saindo da torneira na casa da maior parte dos brasileiros. É por isso que a campanha ‘Cerrado, Coração das Águas’, lançada em 11 de setembro, Dia Nacional do Cerrado, tem como foco a questão hídrica: para que todos saibam como o Cerrado é essencial para nossas vidas”, acrescenta Yuri Salmona, diretor executivo do Instituto Cerrados, que realiza a campanha em parceria com o IPAM, o ISPN (Instituto Sociedade, População e Natureza), WWF-Brasil e Rede Cerrado.
Em agosto de 2024, os campos alagados do Cerrado tiveram alta de 68% na área queimada. Estas áreas são compostas por campos úmidos, veredas e áreas de várzea, que ficam sazonalmente alagadas pelas águas das chuvas e pela exposição do lençol freático superficial. O fogo nos campos alagados representa 22% de toda a área queimada no bioma nos oito primeiros meses do ano. Embora sejam naturalmente úmidas, essas regiões acumulam grande quantidade de material combustível durante o período chuvoso, o que, associado à seca de agosto, as tornam mais vulneráveis às queimadas.
*Jornalista de ciência do IPAM, bibiana.garrido@ipam.org.br
Foto de capa: Brigadistas quilombolas, do Prevfogo, em atuação no Sítio Histórico Kalunga (GO) (Foto: Bibiana Garrido/IPAM)