Proposta de novo Código Florestal estimula desmatamentos ilegais e ocupação irregular de margens de rios e morros. E a população carente fica mais exposta.
Exatamente um mês depois do Dia Mundial do Meio Ambiente, a bancada ruralista na Câmara dos Deputados, capitaneada pelo deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB-SP), vai apresentar hoje (5 de julho) uma proposta para alterar o Código Florestal brasileiro em acordo com o governo federal e com grandes produtores rurais do país. A proposta prevê a revogação de regras importantes de proteção das florestas, cerrados e outros ecossistemas naturais e de áreas cuja proibição de ocupação é crucial para a manutenção de vidas humanas, inclusive as do meio urbano.
A alegação dos ruralistas é a de que a lei atual (Lei federal 4771/65) prejudicaria pequenos produtores rurais em todo território nacional por tomar-lhes (da produção) uma parte de suas terras, tais como as margens de rios, as nascentes e os morros, e um porcentual das propriedades rurais onde a vegetação nativa deve ser mantida ou recomposta.
Sob o argumento de que há ocupações seculares como o café em Minas Gerais, a cana-de-açúcar em Pernambuco ou a maçã e a uva em Santa Catarina, o deputado Aldo Rebelo propõe a anistia a desmatamentos ilegais ocorridos em áreas de preservação e reservas florestais até julho de 2008 em todo o País. Essa anistia, somente nos cerrados e florestas da Amazônia, premiará ocupações em cerca de 40 milhões de hectares de florestas convertidas somente entre 1996 e 2008.
O relator foi advertido por nós do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) de que a isenção de reserva legal florestal em áreas com até quatro módulos fiscais (outra medida proposta no projeto a ser votado) significará, somente na Amazônia, o estímulo a desmatamentos em pelo menos mais 35 milhões de hectares. Assim, entre 10,5 e 13,5 bilhões de toneladas de CO2 hoje estocados sob a forma de vegetação nativa poderão ser derrubados e queimados, o que representa cerca de três vezes a meta brasileira de redução de emissões de gases de efeito estufa derivados de desmatamento e uso do solo. Essa meta foi apresentada oficialmente em dezembro de 2009 pela ex-ministra Dilma Rousseff em Copenhague, na Dinamarca, durante a Conferência das Partes da Convenção Quadro de Mudanças Climáticas.
É inequívoca a correlação entre a legislação florestal e as medidas para a contenção das mudanças climáticas e a adaptação a elas. É inegável que estamos vivendo com mais recorrência os chamados eventos climáticos extremos, tais como chuvas e cheias bem acima da média, assim como também secas.
O Código Florestal é a lei brasileira que pode, se respeitada, contribuir de forma decisiva para a redução das emissões brasileiras de gases de efeito estufa. Os desmatamentos e queimadas em todo o País representam algo em torno de 50% das nossas emissões.
A anistia prevista na proposta do deputado Aldo Rebelo, além de um estímulo a mais desmatamentos ilegais, constitui uma injustiça infundada contra aqueles que cumpriram a lei, pois beneficia somente os infratores. Trata-se inclusive de uma medida inconstitucional, tanto por falta de razoabilidade quanto por ferir a isonomia, uma vez que quem não desmatou não mais poderá desmatar e quem desmatou poderá continuar usando a área aberta ilegalmente.
A anistia pode alcançar também ocupações urbanas irregulares em fundos de vale, em margens de rios e em mananciais de água, morros com alta declividade e topos de morro. São áreas que o código florestal brasileiro estabelece como de preservação permanente.
A proposta ora comentada delega às leis locais, de cada Estado e até mesmo de cada município, o estabelecimento de novos critérios. Todos sabemos que os municípios sofrem com a insuficiência na fiscalização e o ímpeto arrecadatório de impostos, como com o IPTU. Um desastre sem precedentes será a municipalização dos critérios de ocupação em áreas de risco (de preservação permanente).
O sofrimento do povo dos Estados de Pernambuco e Alagoas, onde dezenas de milhares de famílias estão desabrigadas, a maioria habitantes das margens de rios ou de encostas de morros, não é o suficiente para sermos mais cautelosos?
O Brasil celeiro do mundo tem mais de 20% da biodiversidade do planeta e das florestas tropicais, quase 15% de toda a água doce da Terra, centenas de povos indígenas e milhares de comunidades das florestas que nos prestam serviços ambientais muito preciosos. Está na hora de acordarmos para o fato inconteste de que somos também, e sobretudo, uma grande realidade socioambiental de destaque no planeta. O Brasil merece do seu Legislativo e de seus governantes um tratamento à altura de sua condição ímpar.
Nós podemos escrever a nova página do desenvolvimento limpo, porque temos clima, florestas, solos, terras agricultáveis, água, diversidade socioambiental e estabilidade econômica. É uma questão de escolha: queremos mais do mesmo (crescimento com irresponsabilidade ambiental), ou a grande economia verde planetária?
ANDRÉ LIMA É ADVOGADO, MESTRE EM POLÍTICA AMBIENTAL, COORDENADOR DE POLÍTICAS PÚBLICAS DO IPAM E DIRETOR DE ASSUNTOS PARLAMENTARES DO INSTITUTO O DIREITO POR UM PLANETA VERDE. FOI DIRETOR DE POLÍTICAS DE CONTROLE DOS DESMATAMENTOS DO MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE ENTRE 2007 E 2008