Por Elias Serejo*
Para muitas famílias, a agroindústria é a principal fonte de sustento. No entanto, a manutenção dessas estruturas enfrenta desafios significativos, como a concorrência com grandes empresas e a adaptação às exigências sanitárias, fiscais e previdenciárias. Para superar as dificuldades, a união dos produtores em sociedades e cooperativas tem apontado para um caminho exitoso, pois fortalece a força produtiva e aumenta a competitividade.
A inserção das infraestruturas em propriedades rurais por meio de parcerias entre organizações comunitárias, estado e terceiro setor tem demonstrado viabilidade como estratégia de verticalização da produção na realidade da agricultura familiar.
Cooperação
Um exemplo do impacto positivo das agroindústrias familiares pode ser visto em Xinguara, no sul do Pará, onde está o sítio Bom Retiro, administrado por Oseias Carneiro Santos e sua família. A propriedade, onde são cultivadas frutas e possui um pequeno rebanho de gado leiteiro, foi recentemente beneficiada com uma das sete agroindústrias de produção artesanal inauguradas na última semana, com apoio do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia).
Oseias, conhecido por sua articulação na região e por agrupar outras famílias em busca de melhores condições de produção, comemorou a entrega da infraestrutura e o recebimento do selo de produção artesanal vegetal. Entregue pela diretora de Defesa e Inspeção Vegetal da Agência de Defesa Agropecuária do Pará (ADEPARÁ), Lucionila Pantoja Pimentel, o selo atesta que boas práticas de fabricação são seguidas. “É uma política pública que fortalece os pequenos produtores rurais. Com o selo, eles podem fornecer alimentos para a merenda escolar e comercializar os produtos em todo o Pará”, destacou Lucionila.
Para a diretora adjunta de desenvolvimento territorial do IPAM, Lucimar Souza, o fato de o estado do Pará ter uma política pública específica para a produção familiar é uma oportunidade de desenvolvimento. “Esse conjunto de ações é possível em virtude da Lei Nº 7.565/2011, que torna as agroindústrias um empreendimento regularizado e com garantias de boas práticas”, comentou.
Benefícios das Agroindústrias
Além da agroindústria de polpa de frutas na propriedade de Oseias, foram entregues outras quatro com o mesmo formato e duas para a produção de farinha de mandioca. A iniciativa faz parte do projeto Apoio à Produção Familiar Sustentável nos Municípios do Pará: Capacitação, Infraestrutura e Educação, executado pelo IPAM e pela FBDS (Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável), com financiamento da BMTE (Belo Monte Transmissora de Energia) e do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), em parceria com a FVPP (Fundação Viver, Produzir e Preservar), organizações e grupos da agricultura familiar, as prefeituras municipais, SEAF (Secretaria de Estado da Agricultura Familia e Comunidades Tradicionais no Pará) Emater Pará e Adepará.
Segundo o coordenador do IPAM no Pará, Edivan Carvalho, essas agroindústrias são fruto da articulação dos produtores por meio de organizações sociais. “Além da estrutura física, foram entregues equipamentos que facilitam e otimizam o processo de beneficiamento. É um movimento de fortalecimento da agricultura familiar que vai gerar renda e aumentar a escala de produção”, afirmou.
Agricultura Familiar no Brasil
De acordo com os últimos dados do Censo Agropecuário do IBGE, a agricultura familiar no Brasil é composta por 3,9 milhões de propriedades, representando 77% de todos os estabelecimentos agrícolas do país. Elas ocupam 23% da área total de produção, equivalente a 80,8 milhões de hectares, quase a área do estado do Mato Grosso. Essas propriedades são responsáveis por 23% do valor bruto da produção agropecuária do Brasil e por 67% das ocupações no campo, empregando 10,1 milhões de trabalhadores.
Desses trabalhadores, 46,6% estão no Nordeste, 16,5% no Sudeste, 16% no Sul, 15,4% no Norte e 5,5% no Centro-Oeste. Na agricultura familiar, tanto a produção de alimentos quanto a gestão das propriedades são predominantemente realizadas pelas famílias, evidenciando a importância dessa modalidade para a sustentabilidade e desenvolvimento rural do país.
Famílias como a de Werlen de Sá Rosa, morador do município de Floresta do Araguaia (PA) e proprietário da Fazenda Santa Fé, trabalham com polpa de frutas. “O que antes perdíamos de frutas, hoje vai ser agregado em renda para todos nós. Vamos poder processar tudo na fábrica”, comemorou.
A média de produção da família de Werlen, no modelo tradicional, era de 300 quilos por mês. Com a infraestrutura, a expectativa é que chegue a 1.200 quilos. “Se antes a gente trabalhava sozinho, agora teremos o reforço de até 15 famílias beneficiadas. Já estamos procurando mercado para expandir”, comentou.
Farinha de Mandioca
De acordo com dados da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), a mandioca é cultivada em diferentes regiões do país, mas está enraizada na cultura dos agricultores da Amazônia devido à herança indígena. Tradicionalmente, a transformação da mandioca é feita por métodos artesanais, mas a mecanização está crescendo.
As instalações entregues permitem maior escala de produção e melhores condições fitossanitárias, mostrando o potencial de modernização e fortalecimento da cadeia produtiva da mandioca. “Todo processamento deve ser feito dentro da agroindústria para garantir o selo de produção artesanal vegetal. Por isso, os agricultores estão se organizando para utilizá-la ao invés das tradicionais casas de farinha”, argumentou o técnico de pesquisa do IPAM Wirislan Xavier.
Xavier referia-se à infraestrutura entregue à APEMPRAL (Associação dos Pequenos e Médios Produtores Rurais do Lajedo II), que conta com 50 associados. O presidente da entidade, Ronildo Chaves Pedrosa Timóteo, recorda o caminho até a inauguração: “Nós acreditamos na parceria e seguimos firmes. Uma das conquistas mais comemoradas pelos sócios foi o forno elétrico, que diminui a penosidade do trabalho manual e, junto com os outros equipamentos, vai proporcionar qualidade de vida”.
A Cooperativa da Agricultura Familiar de Curionópolis, que detém a marca Golden Polpas; a Cooperativa Mista da Agricultura Familiar de Itupiranga; o empreendimento familiar MN Frutas, de Rio Maria, e Q Delícia, em Floresta do Araguaia, também receberam agroindústrias de polpas de frutas. O empreendimento Canarana – O Sabor Crocante recebeu uma para farinha.
“A agroindustrialização rural na Amazônia contribui para transformar agricultores que antes eram produtores de matéria-prima ou comerciantes de porta em porta em protagonistas no cenário econômico formal. Esse avanço eleva o status econômico e fortalece o comércio local e amplia a participação desses agricultores em programas institucionais”, avalia a analista de pesquisa do IPAM Thaynara Veloso.
Resultados do projeto
O IPAM elaborou, em cada um dos 12 municípios beneficiados, o Plano Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável, construído a partir de consultas às comunidades. Mais duas atividades foram fortalecidas: a Casa Familiar Rural do município de Pacajá contou com a perfuração de um poço artesiano e estrutura de abastecimento de água, reformas hidráulicas, estruturais e elétricas do prédio de alojamento dos estudantes, e uma agroindústria de beneficiamento de polpas de frutas. Nas Casas Familiares Rurais de Anapu e Pacajá, o projeto construiu unidades de produção de aves e suínos e implementou Sistemas Agroflorestais. Com as sete agroindústrias entregues em junho, o projeto soma 19 empreendimentos implementados.
*Jornalista do IPAM