A primeira mulher no TransCerrado e sua jornada na ciência sobre duas rodas

16 de setembro de 2024 | Notícias, Um Grau e Meio

set 16, 2024 | Notícias, Um Grau e Meio

Maria Garcia*

A primeira mulher no TransCerrado foi a médica veterinária Verônica Foltynek ela aproveitou para ter a primeira experiência explorando a “ciência em duas rodas”, alinhando a sua paixão pela cicloviagem com uma expedição científica.
Primeira mulher a integrar o time do TransCerrado, ela conta como se preparou para o desafio e a relação das mulheres com o pedal.
A entrevista foi divulgada na newsletter Um Grau e Meio, uma produção quinzenal e gratuita do IPAM com análises exclusivas sobre clima e meio ambiente.
Inscreva-se para receber a newsletter Um Grau e Meio quinzenalmente em sua caixa de entrada.

Como começou sua trajetória no ciclismo e no transciclismo?

Eu pedalo há oito anos, mais ou menos. Um dia, o meu marido adquiriu todo o equipamento de bicicleta e me disse: “esteja pronta no domingo de manhã junto com Rebas”, que é o grupo do Márcio Bittencourt [ciclista que também fez parte do TransCerrado 2024].
A minha primeira trilha foi em Sobradinho (DF) e o lugar é maravilhoso. Tem um visual muito bonito da cidade e o contato com a natureza, as plantas, o Cerrado, os pássaros e muitas pessoas fazendo a mesma coisa que você. É um esporte que você consegue visualizar o Cerrado em outro tempo. É mais rápido que andar a pé e mais lento que um carro. Você pode parar para tirar foto,ou para ver uma fruta, contemplar uma paisagem. Para mim, é uma velocidade perfeita.

Você consegue entrar em contato com locais que não entraria a pé, ou porque é muito longe ou, de carro, vai muita gente. Então às vezes você está sozinho naquele local, com aquela mata. É muito gostoso. A gente poder fazer parte disso e você se entende fazendo um exercício e pedalando dentro do Cerrado. Essa associação de exercício e natureza foi algo que me cativou de primeira. Eu falei para mim mesma: eu quero fazer mais. Eu adorei.

Como essa experiência foi diferente das outras que você teve de cicloviagem?

Cada cicloviagem tem um tema diferente, mas essa foi especial porque era uma expedição com o objetivo de coletar dados, então o ritmo foi outro. Além disso, o tema também foi bem distinto: estávamos falando sobre a água, e isso me tocou profundamente.
Em uma das entrevistas, um senhor nos contou da vivência dele com a água, de ver sua redução enquanto as pessoas da cidade não percebem isso. Afinal, é só abrir a torneira e a água está lá, então, muitos esquecem de onde ela realmente vem.
Durante o percurso, vimos como a falta de técnicas adequadas de produção, muitas vezes realizada às margens do rio, destruía a mata ciliar, afetando todo o ecossistema. Passamos por várias nascentes que estavam secas. Foi triste testemunhar isso. Normalmente, ao final das minhas cicloviagens, eu me sinto muito feliz, mas dessa vez fiquei profundamente triste ao ver o que estamos fazendo com o Cerrado e com o planeta.

O que você pôde observar dos animais no Cerrado?

Ao longo do caminho vimos muitos animais domésticos, já que é uma área antropizada, além de várias aves como siriemas, curicacas, araras canindé e muitos tucanos.
Durante o percurso de quatro dias não avistamos nenhum mamífero silvestre, o que é comum, já que esses animais normalmente têm hábitos mais reservados.

E você já estava preparada para fazer essa aventura de 200km com seus oito anos de experiência no ciclismo?
Eu já fiz algumas provas de dias seguidos. Fazer cicloviagem é uma delícia. A quilometragem não é tão difícil, e sim o quanto que você vai subir. Então eu posso ter trilhas de 20 km que eu não dou conta, ou trilhas de 100 km que são fáceis.
Nesta viagem, a gente teve uma altimetria maior no primeiro dia, se eu não me engano. Depois foi mais tranquilo. Foi uma viagem onde coletamos dados, então tudo é desconhecido. A gente não sabia o que ia acontecer e essa parte do desconhecido é deliciosa, não?

E como você se prepara para esse desafio de pedalar longas distâncias?

Eu acho que essa preparação vem com muito tempo. Eu sempre fui uma pessoa muito ativa. O Márcio [Bittencourt] me estimulou e disse “você vai dar conta!”. Eu respondi “Meu Deus, Márcio! A gente vai subir com o peso, né?”.
Porque se for sem peso, seria tranquilo. O problema é botar o peso com a bicicleta. Quando a gente pedala, imaginamos que eu e a bicicleta somos um ser só. Então, é um peso diferente ali, né? Eu fiquei preocupada com isso, mas eu malho duas vezes por semana e pedalo de três a cinco vezes por semana.
Você tem que ter a musculatura muito boa, quer dizer, sem lesão. A sua bike tem que estar muito bem. Todo o conjunto tem que estar legal. Você precisa estar com o respiratório e cardio bons. Não é só você ter força e arrancar, você vai ter que manter isso.

Como é que você enxerga a presença feminina nesses espaços esportivos de ciclismo para longas quilometragens?

Em uma das provas, num pedregal que eu estava quase voando, o pneu rasgou e eu estava sozinha, não tinha ninguém. Eu falei “você dá conta, você sabe fazer”. A gente cresceu com essa ideia de que mulher não dá conta, que a gente é o sexo frágil. Troquei e segui mas, mesmo assim, isso te gera um gasto de energia. Não é fácil não, mas a gente consegue.
Eu acho que a presença feminina nunca vai ser o suficiente, mas sempre tem e é incentivada nos grupos de pedal. Todo mundo se ajuda, sabe? Eu tenho vários grupos de mulheres. Tem aquelas que gostam de fazer pedais longos, as que gostam de fazer downhilll… cada grupo vai verificando quais são as habilidades de cada mulher, nos juntamos e trocamos figurinhas.
E quando as mulheres se juntam, eu digo, sem os homens, é outro tipo de pedal. Às vezes é até um pouco provocativo com eles, dependendo das mulheres que eu estou. Tipo “olha só, gente, elas estão melhor que vocês”. Muitos homens ficam super incomodados quando uma mulher passa e eles ficam para trás.

Jornalista do IPAM*



Este projeto está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

Saiba mais em brasil.un.org/pt-br/sdgs.

Veja também

See also