Virgínia Antonioli, gerente de sistemas alimentares sustentáveis no WRI Brasil (World Resources Institute), fala sobre as expectativas para a COP 16 de Cali, na Colômbia, e como a perda de biodiversidade impacta as pessoas na Um Grau e Meio.
Quais são as expectativas de avanços para a COP 16?
Essa COP16 tem bastante expectativa. A última COP de biodiversidade foi muito importante para o estabelecimento e acordo do que agora é chamado de Kunming-Montreal Global Biodiversity Framework, que trouxe novas metas bastante ambiciosas para 2030 e 2050 para a redução e reversão da perda de biodiversidade.
Esse foi um acordo que traz alguns pontos relacionados a financiamento, que também vão ser discutidos nessa COP, mas que já veio com o compromisso de que os países atualizassem as suas Estratégias e Planos de Ação Nacionais para a Biodiversidade que são as estratégias e planos de ação para a biodiversidade de acordo com essas novas metas.
Há muita expectativa para que todos os países, tantos os que já apresentaram formalmente sua EPANBS, quanto os que ainda estão nesse processo e vão lançar este documento durante a COP – um deles é o Brasil – demonstrem, de acordo com as suas realidades locais, desafios e oportunidades, quais são as suas estratégias para combater a perda da biodiversidade e promover uma relação mais harmoniosa com a biodiversidade.
A gente acompanhou esse processo da atualização da EPANB brasileira. Não só a WRI como várias outras organizações relevantes nessa temática. Foi um processo participativo e amplo. A EPANB em si é bastante ampla, pega diversos setores que são responsáveis pela perda da biodiversidade.
A expectativa é bastante alta, principalmente no sentido de como algumas dessas grandes metas vão se traduzir em políticas nacionais e até subnacionais. Para o Brasil, quando a gente fala de perda de biodiversidade, mas também de emissão de gases de efeito estufa, de violação de direitos territoriais, de violência no campo, violência contra defensores, a gente está falando de desmatamento. Então, é uma COP que tem bastante expectativa para o Brasil e para o mundo.
Como mensurar a implementação do pacto firmado em Kunming-Montreal?
Em termos de implementação, algo bastante interessante que foi acordado na última COP é o mecanismo de mensuração do avanço das metas, que agora deve ser revisitado e direcionado pelos países a nível nacional.
A expectativa para essa COP é que a gente tenha respostas melhores para o avanço no alcance das metas e compromissos estabelecidos porque, como a questão da perda de biodiversidade é multifatorial, pois são muitas as causas, é complicado dizer o quanto que a gente conseguiu avançar, embora tenha diversos avanços, planos, políticas, a gente tem até visto algumas questões positivas como, por exemplo, combate ao desmatamento em alguns biomas mas, mesmo assim, a mensuração do avanço dessas metas é uma dificuldade histórica.
Um ponto que é bastante importante para o Brasil, principalmente, mas para o mundo, é conectar o avanço da implementação dessas metas com as novas NDCs (Contribuição Nacionalmente Determinada) do Clima, pois muitas das causas raízes, tanto da emissão de gases do efeito estufa, quanto da perda de biodiversidade, são similares e não faz sentido que a gente adote estratégias muito diferentes.
Elas deveriam ser complementares e esse ponto da mensuração é muito importante também para garantir essa conexão, que é ali que a gente espera ver um compromisso mais direto: tanto monitorar o avanço, quanto que haja uma conexão e um aprimoramento dessas agendas.
Quais são os principais sinais de que está havendo a perda da biodiversidade?
São sinais muito claros, não teria como ser diferente. Em um país como o Brasil, por exemplo, que ao longo de décadas vem expandindo as suas monoculturas – sistemas produtivos que são, por natureza, opostos ao conceito de uma produção biodiversa – vemos o aumento do desmatamento e conversão da vegetação nativa.
Há diversas questões, até baixas de produtividade que dizem respeito também à perda tanto da biodiversidade do solo quanto de espécies que fazem a polinização.
Voltando à conexão entre agendas climáticas e de biodiversidade, como temos vivido anos recorrentes de eventos climáticos extremos que são piorados por mudanças climáticas, correlacionando, por exemplo, secas históricas e a expansão muito rápida de queimadas e incêndios florestais, o que temos visto é que, com a perda de biodiversidade, a resiliência dos ecossistemas a esses eventos climáticos diminui também. E aí, quando eu digo ecossistemas, pode ser tanto ecossistemas naturais, quanto ecossistemas produtivos.
Já há diversas comprovações de que, por exemplo, os sistemas produtivos agrícolas mais biodiversos são mais resilientes a eventos climáticos extremos. O que a gente tem visto, na verdade, é o aumento dessa vulnerabilidade. Então essas monoculturas são bastante vulneráveis a esses eventos climáticos extremos e a gente tem visto isso acontecer cada vez com mais frequência e intensidade, e as perdas decorrentes disso também.
Como essa perda da biodiversidade impacta a vida das pessoas?
A perda de biodiversidade afeta todas as formas de vida no planeta, direta e indiretamente. Quando a gente fala, por exemplo, em populações totalmente urbanas, primeiro tem essa questão mesmo de vulnerabilidade aos eventos climáticos extremos que a gente tem visto acontecer recorrentemente.
Aproximando à minha área de trabalho direto, que é a de alimentação, a gente já vê a expansão de um conceito que é chamado de monotonia alimentar aqui no Brasil, que não só vemos um aumento de uma produção mais monótona no campo – grandes culturas extensivas de alguns poucos produtos – a gente tem visto isso se traduzir também na dieta das pessoas.
Há uma pesquisa do Instituto Ibirapitanga que fala sobre a baixa diversidade da alimentação do brasileiro, por exemplo, que mais de 50% dos alimentos consumidos pelos brasileiros são somente 10 produtos, sendo que desses produtos estão ultraprocessados, mas há também o arroz, feijão, a carne bovina e de frango, farinha de trigo.
Isso faz com que a qualidade nutricional e a saúde das pessoas acabem se deteriorando também. Quanto mais a gente perde essa diversidade alimentar no campo, a gente perde também diversidade alimentar nos pratos, nas mesas, na dieta das pessoas.
Quando falamos ainda de povos e comunidades tradicionais, populações campesinas, quilombolas e populações rurais no geral, que dependem da biodiversidade direta e indiretamente, como meio de vida e de se manter, seja por consumo direto ou algum tipo de atividade econômica relacionada a isso, esse efeito é imediato.
Conforme a gente vai perdendo a resiliência dos ecossistemas e conectividade entre eles, baixando a produtividade em função disso, os meios de vida dessas populações vão ficando imediatamente ameaçados. Então é um processo cíclico, como tudo na natureza. Conforme a gente vai perdendo a saúde dos nossos ecossistemas, a gente vai perdendo também a saúde das pessoas, que dependem dele para sobreviver.