Karina Custódio*
Atuando na implementação do MIF (Manejo Integrado do Fogo) há dez anos, Lívia Moura é assessora técnica no ISPN (Instituto Sociedade, População e Natureza). Doutora em ecologia pela UnB (Universidade de Brasília), ela explica as causas do fogo em terras indígenas e detalha as ações necessárias para a redução de incêndios. Se inscreva na Newsletter Um Grau e meio e veja mais conteúdos como esse.
Qual a razão do aumento de fogo em terras indígenas no Cerrado?
Nesta última temporada do fogo em 2024, muitos dos incêndios tiveram origens criminosas, ou seja, fogo iniciado com a intenção de gerar incêndio e queimar grandes áreas sem controle. Isso pôde ser notado com vários focos de calor ocorrendo ao mesmo tempo em regiões específicas do país.
Esta simultaneidade é um dos fatores que revela que o fogo foi iniciado por pessoas diferentes, em locais diferentes, provavelmente para dificultar as ações de combate.
Há fatores que tornam as terras indígenas mais vulneráveis ao fogo?
Aquelas que ainda não implementam o MIF, acabam sendo as mais atingidas pelos incêndios por concentrarem grandes áreas conservadas de vegetação nativa sem as devidas medidas para prevenir incêndios. Ou seja, apresentarem maiores acúmulos de combustível para o fogo.
O fato de serem foco de conflitos e disputas territoriais, como a sobreposição de territórios e grilagem de terras, também contribui. Geralmente os incêndios criminosos estão relacionados com estas disputas e conflitos.
Há muita desinformação em relação ao fogo em terras indígenas. Qual o papel de comunidades originárias em relação a esse fogo?
Os povos indígenas e as comunidades tradicionais usam o fogo de maneira controlada para suas atividades socioculturais e econômicas, evitando que o fogo saia do controle, pois um incêndio pode gerar muitos prejuízos a eles mesmos.
Não se queima o próprio quintal sem controle, correndo o risco de queimar a casa e os seus bens. O fogo é usado em muitas culturas como uma ferramenta para se atingir um objetivo que traga benefícios e prosperidade, e não para trazer prejuízos.
Quais são as dificuldades de combater o fogo em terras indígenas no bioma?
Muitas das dificuldades giram em torno das distâncias que as brigadas precisam percorrer para chegar no incêndio, e no acesso a estes locais, pois nem sempre existem vias de acesso e, quase sempre, as existentes não se encontram em bom estado de uso.
A falta de brigadas florestais nas TIs é outra grande dificuldade. O Prevfogo/Ibama (Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais) em parceria com a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) tem conseguido manter a contratação de aproximadamente 700 brigadistas indígenas por pelo menos seis meses do ano em alguns territórios, dentro do Programa de Brigadas Federais. Porém, a maioria das TIs ainda não fazem parte do Programa Federal e ainda não possui a sua própria brigada.
Quando se trata de TI, é necessária a autorização para que brigadistas voluntários de outras áreas, bombeiros e outros atores possam entrar no território. Existem protocolos a serem seguidos e a Funai e o Prevfogo/Ibama são os órgãos a serem acionados para darem prosseguimento. Estes protocolos foram criados para evitar problemas, atropelos e conflitos, mas podem gerar algumas dificuldades também e lentidão no combate.
Existem estratégias para driblar essas dificuldades? Elas estão sendo feitas?
Com certeza, a implementação do MIF é a maior estratégia disponível hoje no Brasil para reduzir muitos dos problemas e dificuldades com incêndios. Por fazer parte de uma nova Política Nacional, ainda tem muitos passos a serem dados, especialmente em relação à sua regulamentação e ao seu desdobramento nos estados.
Mas, nas TIs onde o MIF está sendo implementado efetivamente há mais tempo pelo Prevfogo/Ibama, em parceria com a Funai, os resultados são muito positivos na diminuição das áreas queimadas por incêndios: chegam a apresentar uma redução em até 45%.
As ações mais efetivas que acarretam nestas reduções estão relacionadas com: a criação e capacitação de brigadas florestais; confecção de aceiros; mapeamento do histórico de fogo e do acúmulo de combustível; educação e sensibilização ambiental; diálogos e reuniões de planejamento com órgãos públicos; aplicação de queimas prescritas e recuperação de áreas degradadas.
Terras indígenas do Mato Grosso e do Mato Grosso do Sul tiveram o maior aumento do fogo. Quais são os problemas enfrentados no monitoramento de TIs nesses estados? Porque elas estão no topo do ranking de crescimento de área queimada?
As TIs que mais queimaram nos últimos anos são aquelas que não fazem parte do Programa de Brigadas Federais e as que não estão implementando o MIF ainda.
É importante ressaltar que a Política Nacional do MIF, que tem como um de seus objetivos expandir a implementação do MIF para todos os territórios brasileiros, foi aprovada recentemente e ainda não está regulamentada. Esta é uma das justificativas do aporte de recursos ser pequeno e de muitas TIs ainda não terem sido contempladas com esta iniciativa.
Ao analisarmos as TIs onde há brigadas e aplicação de MIF desde 2015 (em longo prazo), verificamos que o aumento nos focos de calor em 2024 foi bem menor. Mesmo nestas TIs, houve um aumento neste ano em comparação com os anos anteriores e, muito provavelmente, isso se deve ao atraso na contratação das brigadas, que ocorreu apenas em junho por conta da greve dos servidores do ICMBio e Ibama e dos processos de contratação no MMA.
Para que o MIF desencadeie resultados positivos, maiores esforços devem ser aplicados à prevenção dos incêndios, e não ao combate, e isso implica que a maior parte das atividades das brigadas devem iniciar muito antes do período crítico.
Outro fator que acaba contribuindo para este aumento dos incêndios é que algumas tecnologias novas desenvolvidas para melhorar o monitoramento do fogo e para a realização de queimas prescritas em áreas mais remotas, ou custam muito caro e não podem ser adquiridas, ou ainda não são autorizadas pelos órgãos responsáveis para serem usadas nos territórios.
Áreas protegidas do Tocantins como a TI Inawebohona e o Parque Nacional do Araguaia também tiveram grandes territórios atingidos pelo fogo. Quais são as condições do Cerrado no estado?
Nestas áreas o aumento dos problemas com incêndios também se deve à falta de manejo e tecnologias adequadas. Em 2024, não ouve a aplicação do MIF no Parque Indígena do Araguaia e, para que o manejo seja realmente efetivo, ele precisa ser realizado todos os anos, ao longo de um período maior que cinco anos, para realmente apresentar resultados efetivos.
O estado do Tocantins é coberto por grandes extensões de vegetação inflamável, campos e cerrados, que precisam ser manejados anualmente, especialmente antes do período crítico.
O que o Governo precisa fazer para que o fogo não aumente em 2025? E o que é necessário para recuperação dessas áreas?
Os governos Federal, Estadual e Municipal, bem como os produtores rurais, empresários, as comunidades locais e tradicionais, os povos indígenas, as organizações ambientais da sociedade civil, os pesquisadores e todos os interessados, devem se unir e se apoiar na implementação do MIF em todo o território brasileiro. O MIF é a abordagem disponível, hoje, mais completa e com os melhores resultados que se têm. Além de incluir ações de prevenção e combate aos incêndios, o MIF prevê a recuperação de áreas degradadas como ação fundamental.