A mensagem central da encíclica “Laudato Si” (“Louvado Sejas”), a primeira do papado de Francisco produzida integralmente por ele, é uma frase repetida três vezes ao longo de suas mais de 190 páginas: “tudo está conectado”. O ser humano não está dissociado da Terra ou da natureza, eles são partes de um mesmo todo. Portanto, destruir a natureza equivale a destruir o homem. E destruir o homem, para os católicos, é pecado. Da mesma forma, não é possível falar em proteção ambiental sem que esta envolva também a proteção ao ser humano, em especial os mais pobres e vulneráveis.
Esse raciocínio, que o papa chama de “ecologia integral”, permeia toda a construção da carta encíclica, tanto do ponto de vista da argumentação religiosa quanto das prescrições políticas – que Francisco faz num nível de detalhe assombroso, como quando critica a incapacidade das conferências internacionais de responder à crise climática, sugere uma saída gradual dos combustíveis fósseis e até mesmo propõe mudanças no modelo atual de licenciamento ambiental.
A crise climática, segundo o texto da encíclica, é uma das faces de uma mesma grande crise ética da humanidade. Esta é produzida pela ruptura das relações com Deus, com o próximo e com a terra, que o papa chama de as “três relações fundamentais da existência”. Os padrões insustentáveis de produção e consumo da sociedade global, impulsionados pela tecnociência fora de controle, levam à degradação das relações humanas e à degradação também da “nossa casa comum”, que é como Francisco chama o planeta.
Pouca coisa na agenda socioambiental parece ter escapado à análise de Sua Santidade: além do clima, Francisco pontifica sobre proteção dos oceanos, poluição da água, espécies ameaçadas, florestas e povos indígenas. Em relação a todos esses temas, as principais críticas recaem sobre os países ricos (a expressão “produção e consumo” aparece cinco vezes no texto), que são chamados a compensar os pobres pela degradação. Mas os países em desenvolvimento são também exortados a examinar o “superconsumo” de suas classes abastadas e a não repetir a história dos ricos durante sem desenvolvimento.
Em vários pontos da encíclica o papa entra “con gioia”, como dizem os italianos, em campos minados. Defende abertamente, por exemplo, uma ideia ainda maldita nos círculos econômicos, a de que as sociedades abastadas precisarão “decrescer” para que haja recursos para os pobres se desenvolverem.
Também compra uma briga histórica com a direita evangélica norte-americana ao sugerir que a noção de que o homem deve “sujeitar” a natureza é uma interpretação errada da Bíblia: jamais se supôs uma “sujeição selvagem”, diz, e sim um “cuidado”. A diferença é fundamental, já que os republicanos nos EUA frequentemente justificam a degradação ambiental citando as Escrituras, que colocam o homem numa posição se domínio sobre o ambiente. “Laudado Si” apresenta uma pequena revolução teológica ao colocar o homem como parte da natureza – uma parte especialmente criada por Deus, é verdade –, não como algo separado dela. Francisco amarra os evangélicos declarando, de saída, que a encíclica não é feita apenas para os católicos, mas para toda a humanidade, de todas as religiões, crentes e não-crentes.
A Carta Encíclica ‘Louvado Sejas’ do Santo Padre Francisco sobre o Cuidado da Nossa Casa Comum, nome completo do documento, está dividida em seis capítulos e 246 parágrafos, seguidos de duas orações escritas pelo próprio papa (uma delas intitulada Oração pela Nossa Terra). No primeiro capítulo, o papa faz um apanhado geral sobre “o que está acontecendo com a nossa casa”, resumindo as aflições ambientais do mundo amparado na ciência. No segundo, “O Evangelho da Criação”, ele traça uma argumentação teológica sobre as ligações entre ser humano e natureza. No terceiro, aborda as raízes humanas da crise ecológica; no quarto, discorre sobre sua “Ecologia Integral”. No quinto, apresenta seu chamado à ação, inclusive política, no âmbito internacional, mas também no dos governos locais – fazendo eco ao princípio do “pense globalmente, aja localmente” consagrado na Eco-92. No sexto, trata de educação, cultura e “espiritualidade ecológica”.
Leia aqui a íntegra do texto papal, em português.
Acesse aqui, um guia de leitura para jornalistas feito pela Rádio Vaticana.
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