Karina Custódio*
A contribuição de Ane Alencar para a pesquisa científica e conservação ambiental brasileira acumula centenas de publicações sobre o Cerrado e a Amazônia, com reconhecimento internacional. Cientista no IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) há 30 anos, Alencar é diretora de Ciência da organização, onde lidera uma equipe de 60 pessoas.
Em 2022, foi a primeira pesquisadora da América Latina a integrar a lista das Mulheres Líderes em Aprendizado de Máquina para Observação da Terra, uma iniciativa organizada pela Fundação Radiant Earth. Antes disso, em 2018, foi destacada pela revista científica Fire como uma das líderes mundiais na ciência sobre o fogo.
Como em uma floresta, a trajetória de trabalho de Alencar cresceu com o tempo: as sementes iniciais de sua contribuição foram plantadas ainda na graduação, durante estágio em um grupo que, anos depois, fundaria o IPAM. Foi nesse período que surgiu sua primeira descoberta: o conceito de “cicatrizes do fogo”, nome criado por ela ao analisar as imagens de satélite no início de sua carreira.

Ane Alencar durante estágio onde descobriu cicatrizes do fogo.
“Comecei a notar que, em algumas dessas imagens, havia manchas roxas onde antes era a floresta. Então, comecei a mapear isso. Eu imprimia e mapeava na tela do computador. Depois, encontrei o mapa fundiário da região, então sobrepus e mapeei as fazendas onde ocorriam os incêndios florestais. Assim que mapeamos essas áreas, eu já chamava de cicatriz de fogo porque era uma marca de fogo em uma imagem”, relembra.
O amadurecimento do seu trabalho aconteceu em paralelo à criação do IPAM. O mapeamento das imagens de fogo se tornou um dos primeiros projetos do Instituto, coordenado por Alencar. Mais tarde, a iniciativa resultou na percepção de que 50% da área queimada mapeada, entre 1995 e 1999, tinha origem acidental.
“Esse foi um resultado muito importante porque na época era muito difícil falar em redução do fogo na Amazônia, já que era a principal ferramenta na produção agropecuária. Os estudos provaram que era possível reduzir metade do fogo no bioma, mas era necessário prestar mais atenção, controlar e melhorar seu manejo”, ressalta a pesquisadora.

Ane Alencar (terceira pessoa à direita) durante primeiro projeto coordenado por ela em 1996 (Acervo IPAM)
O primeiro projeto coordenado por Alencar enraizou muito da sua pesquisa nos anos seguintes. No doutorado, ela refez o mapeamento do fogo na Amazônia e hoje lidera as equipes de Cerrado e Fogo no consórcio MapBiomas, que monitora a conservação dos biomas brasileiros por meio de geoprocessamento.
Para a pesquisadora, sua principal marca na ciência do fogo foi mostrar que existem incêndios em florestas tropicais. “Atualmente, as florestas estão em um processo de inflamabilidade e de frequência de incêndios que nós, eu e equipe do IPAM, já havíamos alertado desde aquela época. Todo o conhecimento construído naquele momento possibilitou a construção de informações fundamentais para termos melhores soluções para o desafio que temos hoje”, relata.
Construindo soluções
As conquistas que fazem os olhos da cientista brilhar são aquelas que mais a fizeram aprender. Entre os marcos está a construção do projeto BR-163 Sustentável, no qual Alencar e a equipe do IPAM cruzaram a Amazônia para estudar os impactos da abertura da estrada.
“Passamos seis meses andando em cada município da BR-163 do Pará e conversando com as pessoas sobre o que elas queriam dessa estrada. Depois, nos juntamos com o pessoal que estava fazendo o mesmo em Mato Grosso e estabelecemos um grande movimento socioambiental, construindo uma proposta de plano de desenvolvimento territorial para a estrada”, recorda.
O plano foi acolhido pelo governo federal que, pela primeira vez, considerou os impactos ambientais em grandes empreendimentos na Amazônia. Na mesma viagem, a pesquisadora teve a possibilidade de influenciar em outra política ambiental brasileira: a criação das áreas protegidas da Terra do Meio.
“Viajamos com os rios. Passamos dez dias subindo o Xingu e o Iriri, dialogando com as famílias na margem para desenhar o que seriam as unidades de conservação e fazer os estudos necessários para seu estabelecimento”.
Alencar ainda sonha em construir mais soluções. Entre os planos para o futuro está o projeto de ajudar a estabelecer debates sobre incêndios em outros países com florestas tropicais, como uma maneira de contribuir com o enfrentamento da emergência climática global.
Analista de comunicação*
Foto de Capa: Illuminati Filmes/IPAM