Um dos maiores especialistas em clima do país, Paulo Artaxo é físico, professor da USP (Universidade de São Paulo) e presidente do Conselho Deliberativo do IPAM. Ele avalia que é preciso encerrar a era do petróleo para poder construir uma sociedade minimamente sustentável.
Esta entrevista foi publicada originalmente na Um Grau e Meio, newsletter com análises exclusivas sobre clima, meio ambiente e sociobiodiversidade, produzida pelo IPAM.
É possível já observar conquistas nessa COP28 de Dubai?
A COP é um processo muito complexo, tanto do ponto de vista político quanto do ponto de vista científico, mas não há a menor dúvida que ela traz à tona os conflitos que nós estamos tendo hoje na nossa sociedade como um todo. Então, por exemplo, nós temos evidentemente que terminar essa era do petróleo para poder construir uma sociedade minimamente sustentável. Só que, obviamente, se envolvem capitais muito significativos dos países ricos, e os países ricos obviamente não vão querer abrir mão desse filão que eles têm hoje. Mas, obviamente, isso é uma tarefa que não tem volta, né? Nós temos que construir uma sociedade que seja minimamente sustentável, com um clima estável para as próximas gerações. Isso só vai ser possível com o fim da queima de combustíveis fósseis. Temos outros desafios, como por exemplo, reduzir o desmatamento de florestas tropicais, preservar a biodiversidade e, ao mesmo tempo, reduzir as desigualdades sociais. E temos que fazer todas as coisas concomitantes.
Esperar demais não vai ser o problema?
Veja, nós já estamos chegando muito próximo de vários tipping points climáticos. Esses tipping points foram discutidos e apresentados aqui na COP28 e nós observamos que muitas das mudanças que já fizemos no clima são irreversíveis. Então, isso traz dificuldades importantes do ponto de vista socioeconômico, do ponto de vista de impacto na população principal, principalmente a população mais vulnerável e a população de baixa renda do nosso planeta. Então nós não temos tempo a perder. Temos que implementar estratégias para construir uma sociedade baseada nos objetivos de desenvolvimento sustentáveis o mais rápido possível.
Qual é o papel do Brasil para que essas mudanças climáticas não sejam tão danosas?
O Brasil é um player extremamente importante na questão das mudanças climáticas por uma série de razões. Primeiro, ele é o detentor de um potencial de biodiversidade, é extraordinário. O Brasil tem vantagens estratégicas enormes nas questões de mudanças climáticas, temos um potencial de geração de energia solar e eólica que nenhum outro país do planeta possui. Temos um programa de biocombustíveis que não chega nem perto de outros países. Temos um vasto potencial de captura de carbono com geração de renda para a população mais vulnerável, que não chega perto do potencial de captura de carbono de outros países. Mas, nós precisamos fazer as nossas lições de casa. Precisamos eliminar o desmatamento da Amazônia e mudar o rumo de desenvolvimento do Brasil em vez de uma economia baseada no petróleo, na tecnologia do século passado. Olhar para o futuro e implementar uma economia verde com a distribuição de renda para a população mais vulnerável do nosso país, isso é uma missão de todos nós, brasileiros.
Qual a expectativa para a COP30?
A COP30 em Belém vai ser muito importante porque certamente vai chamar a atenção da comunidade internacional, ainda mais para o Brasil. Mas, nós temos que mostrar resultados, temos que chegar em desmatamento zero até 2030 ou muito próximo disso. Temos que efetivamente mudar nossa matriz energética para se livrar dos combustíveis fósseis o mais rápido possível. E, aproveitar as vantagens estratégicas que a gente tem. Então, até a COP30, que vai ser daqui a 2 anos, nós temos muito trabalho pela frente e esperamos que o governo alinhe o conjunto de ações necessárias para construir uma sociedade brasileira sustentável.
Como os cientistas podem exercer um papel de influência nesse debate?
Bom, é importante salientar que a ciência é absolutamente fundamental nesse processo de transformação da nossa sociedade. A ciência, há mais de 50 anos, alerta a sociedade e os governos de que precisamos mudar a rota de desenvolvimento que nós traçamos até agora. E, a ciência é ainda mais importante agora para desenhar um futuro sustentável para a humanidade como um todo. Isso em todos os aspectos, no aspectos de estratégias de desmatamento, manutenção da biodiversidade, redução das desigualdades sociais, estruturando um novo modelo energético para o país e assim por diante. E o IPAM e todas as instituições de pesquisa do país têm um papel fundamental nessa questão. Sem ciência, não há futuro para o nosso Brasil.