No dia 29 de novembro o governo divulgou os dados preliminares do desmatamento de 2016. A taxa foi de 7.989 km2, o que representa um aumento de 29% em relação ao ano passado. O Brasil tem muito o que perder com isto, não só do ponto de vista ambiental, mas também do ponto de vista político e econômico. Tal aumento não pode se tornar corriqueiro, nem ameaçar os grandes avanços ambientais do país nos últimos anos. É necessário que a sociedade como um todo aja para questionar este aumento e demandar, direta e indiretamente o cumprimento da legislação ambiental, bem como uma produção mais sustentável.
Este não é o primeiro repique no desmatamento. Em janeiro de 2014, o IPAM, em colaboração com o IMAZON e o Instituto Socioambiental (ISA), publicou uma nota técnica alertando para o fato de que o aumento de 28% na taxa de desmatamento na Amazônia brasileira em 2013[1] (5.891 km2) poderia ensejar um descontrole crescente da destruição florestal na região nos anos seguintes. Infelizmente, tal prognóstico se confirmou. A taxa de 2015 atingiu 6.207 km2 e a de 2016, recém anunciada pelo INPE, alcançou 7.989 km2 (Figura 1). Esse valor é o maior desde 2008, quando o desmatamento atingiu 12.911 km2. Naquele ano, drásticas medidas foram tomadas pelo governo, entre elas a criação da Lista de Municípios Prioritários da Amazônia, seguido do bloqueio ao crédito para produtores daquelas regiões. O recente aumento de 29% na taxa de 2016 em relação ao ano anterior não deixa dúvidas de que a tendência de redução, observada a partir de 2005, foi definitivamente revertida (Figura 1).
O velho padrão de desmatamento se repetiu neste último anúncio divulgado pelo INPE: Pará, Mato Grosso e Rondônia seguem como os principais estados que perderam cobertura florestal. Juntos, eles são responsáveis por 75% de todo o desmatamento medido pelo PRODES. A surpresa, contudo, ficou por conta do estado do Amazonas, detentor de imensas florestas preservadas. Desde 2014 as taxas de desmatamento nesse estado vêm subindo, e em 2016 totalizaram mais de 100% de aumento acumulado.
A triste mensagem que o Brasil passa ao mundo com esta taxa assustadora de 2016 é que o seu ímpeto de controlar o desmatamento pode estar se enfraquecendo. O país já foi considerado o quarto maior emissor de gases estufa do mundo em 2007, em função das emissões oriundas da destruição florestal na Amazônia. É um passado para o qual não podemos em hipótese alguma retornar, sob pena de colocar em risco o equilíbrio climático de uma fração significativa do território nacional, com consequências severas para a produção agrícola que responde por boa parte do PIB brasileiro, como demonstrado por estudos científicos do IPAM e parceiros na região do Xingu. Por conta do desmatamento que lá ocorre desde 2000, a temperatura já aumentou em mais de 0.5 oC. Parece pouco, mas é suficiente para ameaçar o regime de chuvas daquela região e produzir secas mais severas, com impacto direto na produção agrícola.
Além dos riscos para a questão climática local e regional, a nova taxa de desmatamento ameaça desacreditar o Brasil junto à comunidade internacional, já que o governo anunciou suas metas de redução de emissões no âmbito do Acordo de Paris firmado pela Convenção Quadro da ONU sobre Mudanças Climáticas. Este Acordo foi ratificado pelo Congresso Nacional e assinado pelo Presidente em setembro, tornando as metas brasileiras obrigatórias. Porém, o compromisso de acabar com o desmatamento ilegal somente em 2030 dá uma sensação de que esta atividade será tolerada até então, um péssimo sinal para um país que tanto avançou nas questões ambientais nos últimos anos.
Já em 2009[2], o Brasil anunciou que reduziria em 80% o desmatamento amazônico até 2020, prometendo que a taxa naquele ano seria de 3.925 km2. Com o recente aumento na taxa para quase 8.000 km2, o esforço para atingir tal meta será bem maior. Ou seja, reduzir em 50% a taxa nos próximos quatro anos (Fig. 1).
Tudo indica que a redução expressiva do desmatamento ocorrida entre 2004 e 2012 que tem colocado o Brasil no topo da lista dos países com melhor desempenho em reduções de emissões por uso da terra e credenciado o país a receber recursos como o Fundo Amazônia e o Fundo de Clima, está se revertendo com prováveis impactos para a captação do País.
O que mais preocupa, contudo, é que o Brasil pode perder todas as conquistas obtidas com a redução expressiva do desmatamento (> 70%), em relação à média histórica do período entre 1995 a 2006. Cabe aqui ressaltar que este quadro não decorre de uma falta dos elementos básicos para pôr fim de vez ao desmatamento na região. O país tem extensas áreas já desmatadas e disponíveis para o avanço da agricultura e a melhoria da eficiência na pecuária. Além disso, é cada vez mais evidente que um desenvolvimento econômico e social sem desmatamento é possível e desejável. Ainda, nestes últimos cinco anos o mercado mundial de alimentos e commodities tem estado de olho na sustentabilidade ambiental dos produtos que adquirem, incentivando a produção livre de desmatamento. Prova disto é a permanência de longo prazo da moratória da soja.
O fato é que os caminhos para se extinguir o desmatamento na Amazônia já são conhecidos. Vários deles foram recentemente resumidos em uma publicação do IPAM na revista científica Elementa. Nessa publicação foram elencadas as maiores ameaças ao fim do desmatamento e foram propostas sugestões para o Brasil enfrentar essas ameaças. A implementação apenas parcial do Código Florestal, os impactos das grandes obras de infraestrutura, a crescente demanda externa por commodities (carne e grãos) e a pressão de alguns setores do agronegócio estão entre os atuais grandes vetores do desmatamento que precisam ser combatidos.
Assim, não há desculpas para governo e sociedade se omitirem em relação ao aumento expressivo na taxa de desmatamento. De acordo com o diretor executivo do IPAM, André Guimarães, todos são responsáveis.
“Se seguir aumentando o desmatamento, seremos todos penalizados. Precisamos agir como um coletivo. Comando e controle é importante, mas nossa indignação e compromisso com a Amazônia e a sustentabilidade são armas ainda mais poderosas.”
Assim, é necessária uma resposta firme de todos os setores, focada na reversão dessa tendência de desmatamento que se apresenta. Caso contrário, a capacidade do país de controlar a destruição da maior floresta do planeta irá, indiscutivelmente, ser colocada em cheque. É preciso produzir, exportar mais e gerar mais benefícios para a nossa população, mas não ao custo das gerações futuras.
A partir de hoje, o IPAM lançará uma série de documentos e notas técnicas para destrinchar os motivos deste aumento na taxa de desmatamento da Amazônia. Quais as suas possíveis causas? O que pode ser feito para reverter este quadro de destruição? Fique atento!
[1] A taxa aqui é fornecida fazendo referência ao ano de seu anuncio (2016), mas reflete o desmatamento ocorrido entre agosto de 2015 e julho de 2016.
[2] Decreto 7.390/2010