O fenômeno El Niño forneceu o ambiente para as queimadas proliferarem em 2015 e 2016. Mas ele sozinho não explica por que tantos focos de calor surgiram na Amazônia. Essa conta é do homem.
Na Amazônia, é praticamente impossível que o fogo apareça por causas naturais, como raios. Se o número de focos de calor aumentou neste ano é porque alguém riscou o fósforo em uma situação altamente favorável à propagação das chamas.
“A frequência do fogo natural na Amazônia, ou seja, de quanto em quanto tempo uma mesma área queima sem interferência humana, é de 500 a 1.000 anos”, explica a pesquisadora Ane Alencar, diretora do IPAM. “Pela ação humana, nós diminuímos essa frequência para 24 anos, sendo que há lugares que já queimaram até 12 vezes nesse mesmo período.” É uma alta frequência de queima a qual a vegetação não tem tempo para se adaptar”. O resultado é uma mortalidade elevada de árvores, mesmo quando o fogo é rasteiro.
Alencar mapeou o histórico do fogo em 24 anos no Sudeste da região, utilizando dados de sensoriamento remoto e identificando quantidade de material no solo. Sua conclusão é que, apesar de o fogo ser considerado um distúrbio natural da floresta, a forma que se faz o manejo da terra está alterando seu regime na Amazônia, pois ele mexe na dinâmica da região, enquanto as mudanças climáticas potencializam seus efeitos.
“A floresta tem a capacidade de retenção de água no solo, mas não está se recuperando desse processo de seca intensa”, diz a diretora do IPAM. Há um déficit de água acumulada na floresta, que parece aumentar ano após ano. Por isso, qualquer fagulha tem potencial de virar labaredas. “São vários eventos que se sobrepõem, sem que haja um tempo de recuperação do solo.”
Um desses eventos é a conversão de uma área florestada para um campo de soja ou de pasto. Um estudo realizado pelo também pesquisador do IPAM Divino Silvério ao redor do Parque Indígena do Xingu (MT) aponta que áreas de produção tem a temperatura da superfície de 4oC a 6oC, em média, mais alta em comparação a uma área florestada.
“Ao desmatar, o sistema perde capacidade de retirar água do solo mais profundo, assim, a energia do Sol que seria utilizada para gerar vapor d’água passa a ser utilizada para aquecer o solo. Desta forma, o sistema se torna muito mais quente e mais seco”, explica Silvério.
Combate
Justamente num ano que se previa crítico, o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) teve menos dinheiro para combater incêndios florestais na Amazônia. O Prevfogo, um programa do Ibama que todo ano contrata brigadistas para combater queimadas sobretudo em terras indígenas e assentamentos, teve R$ 24,2 milhões no ano passado e contratou 1.400 pessoas. Neste ano, após dois cortes orçamentários e uma complementação, foram R$ 22 milhões, que bastou para contratar 900 pessoas.
“Com o aumento do salário mínimo, a despesa total cresceu, mas o orçamento não acompanhou. Por isso contratamos menos brigadistas”, explica Gabriel Zacharias, chefe do Prevfogo.
Segundo ele, uma estratégia que o programa tem usado nos últimos anos é tentar fazer o manejo do fogo usando o conhecimento tradicional dos índios (23 das 49 brigadas do Prevfogo são indígenas). “Não dá para simplesmente dizer para não queimar. O que nós estamos fazendo é buscar resgatar, por exemplo, a informação de quando os avós dos índios queimavam”, diz Zacharias. “O horário da queimada, por exemplo, importa muito na disseminação do fogo.”
Leia a seguir: Mais fogo, menos comida
Reportagem: Karinna Matozinhos e Claudio Angelo (Observatório do Clima)
Edição: Cristina Amorim