Confira entrevista concedida por André Guimarães, diretor-executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), ao boletim do “Chicago Policy Review”, produzido pela Universidade de Chicago (EUA).
A versão original, em inglês, pode ser lida aqui.
Você está envolvido na pesquisa ambiental e em questões ligadas ao desmatamento desde quando esse assunto começou a gerar interesse. Como era esse trabalho?
A Amazônia apareceu no radar cerca de 25 a 30 anos atrás, como algo que os brasileiros precisavam entender e queriam aprender. Naquela época, a Amazônia era apenas uma grande mancha verde na parte norte do mapa do Brasil. Desde aquela época, cientistas, organizações da sociedade civil, acadêmicos e alguns representantes do governo faziam perguntas como: o que há na Amazônia? Quais são os potenciais benefícios que a Amazônia pode gerar para o Brasil? Quais são as tendências em termos de desenvolvimento na Amazônia? Quais são os riscos em termos de desmatamento na Amazônia? Essas eram as perguntas básicas.
A maioria delas já foi respondida pelos cientistas; sabemos pelo menos um pouco sobre as regiões da Amazônia, sobre os riscos do desmatamento ou a perda da biodiversidade, sobre a importância da ciclagem de água e por aí vai. A Amazônia é muito melhor entendida hoje do que era há 25 ou 30 anos. É realmente fantástico.
Mas fizemos tudo? Não chegamos nem perto. A Amazônia hoje apresenta diferentes desafios e diferentes perguntas comparadas há 25 ou 30 anos. A questão hoje é mais relacionada a quais atividades humanas são adequadas ou aceitáveis para os sistemas na Amazônia. Quais são as áreas cruciais para proteção? Onde há concentração de biodiversidade que realmente pede áreas protegidas? Essas são perguntas que têm aparecido em debates recentes.
Como o IPAM trabalha? Como o IPAM tem impacto na ciência e na política?
O IPAM é uma organização da sociedade civil com 21 anos. Tem uma orientação científica bastante forte, apesar de fazermos mais do que ciência, e esse é um dos diferenciais do IPAM. Produzimos ciência e testamos a ciência em campo, e então levamos (o conhecimento) para as políticas públicas. É essa linha que o IPAM segue em praticamente todas as atividades que desenvolve – pode ser sobre territórios indígenas, assentamentos rurais ou Código Florestal. Não importa a área em que estamos trabalhando, sempre seguimos essa linha – ciência, experiência, influência de políticas.
O IPAM é uma das principais instituições envolvidas na organização do sistema de territórios indígenas do Brasil. Cerca de um terço da Amazônia está protegida sob esse sistema, e uma porção substancial do trabalho que contribuiu para o processo de decisão política foi fornecida pelo IPAM.
Outro exemplo do nosso trabalho você encontra nos assentamentos rurais da Amazônia. Eles ocupam uma área do tamanho da França dentro da Amazônia; há cerca de 3 milhões de pessoas espalhadas por essa área. Esse é um setor importante porque hoje os assentamentos são responsáveis por 35% a 40% do desmatamento na Amazônia, então encontrar a solução correta para os assentados é crucial para resolver a equação em longo prazo. O IPAM é provavelmente a ONG em melhor posição para fazer isso – temos a ciência, a informação, as soluções tecnológicas para o uso da terra, e as políticas públicas que fornecem as melhores linhas de crédito e a assistência técnica para esse grupo, então eles podem desenvolver melhor suas atividades e reduzir a pressão sobre a floresta, ganhar mais dinheiro e ser felizes – tudo sem desmatar a Amazônia. Esse são alguns exemplos do que o IPAM faz.
O IPAM tem uma parceria longa com o Laboratório de Biologia Marinha (MBL) da Universidade de Chicago, e uma parceira recente com o International Innovation Corps. O que tornam essas parcerias importantes? De forma geral, qual é a importância de parcerias internacionais nesse tipo de trabalho?
A matéria prima do IPAM são cérebros. Precisamos de boas mentes, inteligência, bons cientistas. E não apenas o IPAM. O ambiente que o IPAM está envolvido pede diferentes capacidades para solucionar os problemas do desmatamento.
Os problemas da Amazônia não são simples. São complexos e pedem uma perspectiva sociológica, uma tecnológica, uma inovadora, uma perspectiva de engenharia, uma agronômica, e uma ecológica. Todos esses ângulos precisam ser combinados para fornecer soluções para as questões que temos na Amazônia – estradas, represas, fazendas e conservação. Todos esses desafios requerem visões diferentes, e o IPAM sabe que não é nosso objetivo ter todas essas capacidades internamente.
A ideia é que o IPAM trabalhe como uma central intelectual, reunindo diferentes aspectos de inteligência para ajudar a resolver problemas comuns. As parcerias com a Universidade de Chicago e com muitas outras universidades e centros científicos em todo o mundo são cruciais para ambos aprendermos com o processo, mas também para influenciarmos a forma com que as pessoas pensam e como se relacionam com a Amazônia. Acho que é uma via de mão dupla: aprendemos e também ensinamos algo novo para estudantes, professores e especialistas, assim eles podem eventualmente usar essa informação no desenho da ciência.
Muitos fatores associados com o desmatamento, como a construção de estradas, obras de infraestrutura e hidrelétricas, são relacionadas ao desenvolvimento social e econômico. Como vocês equilibram a necessidade de conservação dos recursos naturais com o desenvolvimento?
Se eu tivesse a resposta a essa pergunta, não daria aqui. Essa não é apenas a pergunta de 1 milhão de dólares, é a pergunta de 1 bilhão de dólares. Acho que essa é a questão que os cientistas que trabalham na Amazônia estão se perguntando neste instante: como equilibrar desenvolvimento e conservação? Como construir uma rodovia no meio da Amazônia e reduzir os impactos indiretos ao mínimo?
O desmatamento da Amazônia custa dinheiro. Cortar árvores é caro. Você precisa de motivo, de dinheiro, de razão para cortar árvores. Na maioria das vezes, essas desculpas vêm (da construção) da estrada. O governo decide construir uma rodovia, o custo de cortar árvores é reduzido porque você tem acesso e o potencial ganho da atividade, como pecuária ou agricultura, torna-se factível por causa da proximidade da infraestrutura.
Infraestrutura é importante para a região, mas não podemos fechar os olhos para isso (os impactos). Há formas boas e más para se construir uma rodovia na Amazônia. A maneira errada é fazê-la sem perguntar e sem envolver a sociedade no processo. Quando é feito assim, é o modo expresso: você constrói a estrada em alguns anos e, no terceiro ou no quarto ano, o dano já aparece.
A maneira certa de construir uma estrada é primeiro consultar, analisar, criar áreas protegidas, então as coisas não saem do controle, investir em educação, investigar os riscos, criar previamente sistemas de monitoramento – antes que você construa a rodovia. É claro que tudo isso é mais caro, mas é a forma certa de fazer.
O IPAM não é contra estradas; nós não somos contra investimentos em infraestrutura na Amazônia. Somos contrários à forma como esse processo e a decisão são feitas hoje. Isso não tem nada a ver com tecnologia. Tem a ver com inteligência política. Precisamos de políticos que negociem com a sociedade em um prazo e um processo longos.
É muito importante que os leitores do “Chicago Policy Review”, que podem ser influenciadores de política ou tomadores de decisão, saibam disso. Bons políticos e um bom processo político levam a investimentos sustentáveis, inclusive em infraestrutura, enquanto debates políticos equivocados levam a decisões de curto prazo e, com frequência, a decisões erradas.
Atualmente o Brasil está em uma posição em que o desmatamento caiu de forma significativa e parece que o país cumprirá sua meta de reduzir o desmatamento em 80% (abaixo da média registrada entre 1996 e 2005), ainda que uma grande parcela da Amazônia seja desmatada todos os anos. De certa forma parece que o Brasil está “estagnado”. Como conseguir o desmatamento zero? Essa é uma meta razoável?
Uma analogia que gosto de fazer com o desmatamento da Amazônia é a da dieta: perder os primeiros quilos é fácil; você come menos e faz mais exercícios. Mas os últimos são os mais difíceis de se conseguir. O Brasil fez um trabalho pesado por 10, 12 anos. Reduzimos o desmatamento da Amazônia em cerca de 80%. Contudo, nos últimos quatro ou cinco anos, o desmatamento permaneceu na casa de 5 mil a 6 mil km2 todos os anos.
Até esse ponto, nós nos apoiamos em ações de comando e controle – multas, prisão, embargo de propriedades. Agora precisamos ser criativos e produzir incentivos para o uso sustentável da terra. Os elementos necessários são um conjunto de ferramentas diferente de tudo o que foi usado até agora. Isso é muito mais complexo e exige uma participação muito mais ampla da sociedade. Sim, reduzimos bastante, e há uma possibilidade grande de atingirmos nosso objetivo de acordo com as metas nacionais colocadas em Paris, mas a questão é: é suficiente? Podemos ser mais agressivos e zerar o desmatamento para sempre?
Sob o aspecto tecnológico, o Brasil pode produzir duas ou três vezes mais carne e grãos que produzimos hoje e sem cortar uma única árvore. Mas é um desafio. Precisamos associar a tecnologia existente com um monitoramento melhor e fornecer mais informações à sociedade, então todos podem apoiar o desmatamento zero, não apenas os cientistas engajados diretamente no processo.
Que conselho você tem para as pessoas que estudam ou praticam ciência e/ou políticas públicas? Com as pessoas podem gerar maior impacto?
A forma que eu vejo o trabalho político é quase como uma tradução. Um bom formulador de políticas deve ter a capacidade de aprender, escutar, identificar expectativas diferentes e traduzir o conhecimento em ação. Essa é a beleza da política. Com frequência, não é isso que acontece. Com frequência, a política trata de proteger interesses ou lutar por outros interesses.
Um conselho que eu daria para estudantes é aprender da ciência ideias e soluções, e traduzi-las para a política. Chegue o mais perto que puder do trabalho que você busca influenciar. Um bom formulador de políticas não lê apenas artigos, mas também sai e vê as pessoas, entra em contato com o ambiente, com a base de diferentes grupos, e escuta aos atores reais. Então meu primeiro conselho é: vá para o campo. As melhores decisões são tomadas quando você realmente conhece o objetivo de sua decisão.
Outro conselho seria para formuladores de políticas tentarem fazer um pouco de ciência, e cientistas tentarem fazer um pouco de política. São línguas diferentes, mas precisamos de ambas. Como eu costuma dizer, políticos são tradutores que precisam aprender diversos idiomas para traduzir adequadamente para suas audiências. Eu não sou um cientista por formação, mas já fiz ciência. Costumava trabalhar como consultor para agências governamentais, trabalhando com leis e projetos. Então outro conselho que eu dou é tentar algo fora de sua zona de conforto. Se você gosta de política, faça um pouco de pesquisa. Aprenda um idioma que melhore sua capacidade pessoal.