Manejo e incêndios: características do fogo são discutidas em evento do Proteja

14 de novembro de 2025 | COP30, Notícias

nov 14, 2025 | COP30, Notícias

Por Lucas Guaraldo*

Os efeitos destrutivos do fogo e seu potencial como ferramenta ancestral indígena de manejo foram o tema do Proteja Talks 2025 no painel “Uso do Fogo Tradicional em tempos de mudanças”, realizado no dia 13, em evento paralelo da COP30, na Casa Balaio, em Belém. O evento reuniu representantes indígenas e de comunidades tradicionais para apontar o risco do fogo nos territórios no contexto das mudanças climáticas e um aumento no risco de queimadas descontroladas.

Impulsionado pela seca que atingiu o Brasil em 2024, mais de 30,8 milhões de hectares foram queimados no Brasil, afetando principalmente florestas e outras áreas de vegetação nativa na Amazônia e no Cerrado. O fogo também tem tido efeitos significativos nas emissões brasileiras, respondendo por mais de 30 milhões de toneladas de CO2, apenas no período entre junho e agosto do ano passado.

“Vemos a dupla face do fogo. Temos a ameaça econômica e a vida, mas temos a sabedoria tradicional também, a coragem das brigadas e das mulheres. O Proteja Talks quer ampliar a voz dessas pessoas. Ele foi feito para isso”, destaca Jarlene Gomes, pesquisadora do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) e organizadora do painel.

Com as alterações no clima, práticas ancestrais como o manejo indígena do fogo e o uso de queimadas para preparar roçados tem se tornado mais perigosas e imprevisíveis, colocando em risco os territórios. Queimadas começadas fora das terras indígenas também costumam invadir com mais frequência as áreas protegidas, criando um cenário de insegurança e de perda de alimentos e moradias.

“Hoje não chove mais na minha terra. O clima mudou totalmente. O capim dourado que a gente usa para sobreviver está cada vez mais distante. Nossos campos queimaram duas vezes em menos de dois anos, depois de um ano de cuidado para que ele crescesse bem e servisse pra gente tirar nossa subsistência. Tudo isso desapareceu em alguns dias”, contou Safira Ribeiro, moradora da comunidade quilombola Mumbuca do Jalapão, no Tocantins.

O Portal Proteja, projeto organizador do painel, oferece acesso gratuito a mais de 700 documentos, vídeos e fotos e infográficos sobre as áreas protegidas brasileiras. A iniciativa reúne esforços para o desenvolvimento sustentável e participação da sociedade civil organizada, das instituições públicas e governamentais.

Manejo do Fogo

Aprovada em 2024, a Política Nacional de MIF (Manejo Integrado do Fogo) é um plano de gestão que combina aspectos ecológicos, socioeconômicos e técnicos para planejar e controlar o uso do fogo. Unindo pesquisa científica e saberes tradicionais, a lei busca aplicar práticas como queimas prescritas e um calendário de queimadas para prevenir incêndios de grande porte.

“A gente sabe a época certa e a época errada de queimar. O fogo na época boa, consegue proteger a vegetação, os frutos e as pessoas, mas se demoramos muito pra queimar e alguém queima na hora errada, ele se espalha. Com esse tempo mais seco, o fogo já não para mais na floresta alta, ele se espalha e nem com o maquinário conseguimos parar”, explica Watatakalu Yawalpiti, líder da Associação Terra Indígena Xingu.

Com a política, práticas tradicionais podem se adaptar a um clima mais extremo, protegendo a natureza e mantendo seus serviços ecossistêmicos. Para Bianca Coelho, servidora do Instituto Chico Mendes no Manejo Integrado do Fogo na Gerência Regional Norte, olhar o lado bom do fogo é um passo essencial para lidar corretamente com as queimadas.

“Eu sempre vi fogo pelo lado ruim, mas hoje, com o MIF, a gente ressignifica o fogo. Durante muito tempo os órgãos públicos viam o fogo como algo ruim, mas agora sabemos que não é bem assim. Muitos povos e comunidades vivem há séculos com o fogo, num processo natural, positivo e seguro”, destaca.

 

Jornalista do IPAM, lucas.itaborahy@ipam.org.br*

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