“A educação é elemento-chave para conter a ecoansiedade”

22 de setembro de 2025 | Notícias, Um Grau e Meio

set 22, 2025 | Notícias, Um Grau e Meio

Por Maria Garcia*

Patrícia Silvestri é psicóloga, mestre e doutora em psicologia clínica. Atende refugiados pela perspectiva do Apego ao Lugar em ambiente transitório e à luz da Psicologia Ambiental.

Ela detalha a compreensão da psicologia clínica sobre a ansiedade climática e as abordagens e tratamentos para pacientes que sofrem do transtorno relacionado às mudanças climáticas, seja por eco-ansiedade ou traumas decorrentes de eventos climáticos extremos.

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Como a psicologia entende a ansiedade climática? Ela é um objeto de preocupação clínica ou uma mera expressão do senso comum diante da visão coletiva de um “colapso climático”?

Sim, a ansiedade climática existe na psicologia. Ela está relacionada à angústia ou ao medo generalizado das consequências das alterações climáticas. Não é uma doença ou patologia, mas sim uma resposta emocional manifestada por estresse, insônia, ataques de pânico e burnout.

Temos ouvido com mais frequência certos termos desde a pandemia de COVID-19. A insônia e a sensação de impotência podem trazer traços de depressão. Não que a ansiedade gere depressão, mas ela pode trazer traços depressivos. Então, a pessoa se sente paralisada, nada do que ela faça seria o suficiente.

Enquanto isso, os jovens estão muito mais ligados às questões climáticas e ao comportamento. Eles passam a questionar: “O que eu posso fazer para tornar o clima melhor?” e estão mais próximos de temas do dia a dia que não eram preocupações há 30 anos.

 

As pessoas estão trazendo mais para a terapia as angústias ligadas ao ambiente?

Sim, elas trazem. No entanto, não pela preocupação ambiental em si, mas pelos sintomas. A psicologia ambiental surge mais fortemente nos anos 80 e 90, com essa preocupação do contexto ambiental e das inter-relações da pessoa com o meio ambiente.

A forma como a pessoa reage e interage com o meio ambiente, tanto físico quanto emocional, e como ela avalia e percebe esse ambiente, são importantes para o psicólogo clínico fazer o diagnóstico e o encaminhamento do caso. É uma área da psicologia que vem crescendo e possui vários estudos, em parceria com geógrafos e arquitetos, que abordam a questão do ambiente e como tudo isso impacta na vida das pessoas: as cores, a presença de plantas, se há janela ou se é iluminado, etc.

 

Como é possível associar todas essas crises de saúde mental à questão ambiental e quais estratégias podem ser usadas?

As mudanças climáticas abrem um eixo ligado à saúde. Tem a questão da mudança atmosférica, por exemplo. Quando você vai para um lugar que você sente a falta de ar proveniente de incêndios, o aumento do nível do mar, da temperatura ou fenômenos como secas e inundações, tudo isso impacta no indivíduo.

No caso do Rio Grande do Sul [evento climático extremo que ocorreu em 2024, com inundações recorde no estado que levaram ao deslocamento de mais de 700 mil pessoas], essas pessoas perdem tudo: a casa, a referência.

Diante disso, ela vai usar da resiliência, de valores e de repertórios para sair desse momento difícil. Há alguns sintomas que o psicólogo tem que estar atento no trato clínico como, por exemplo, irritabilidade, estresse ou insônia.

A pessoa traz a queixa de que não está dormindo direito, que ela fica muito irritada ou que não tem paciência no trato com as pessoas e está com mudança de humor e baixa motivação. São sintomas que surgem na queixa dentro da experiência clínica e cabe ao psicólogo investigar cada uma delas. E sempre trabalhando com uma equipe multidisciplinar para direcionar qual é o melhor tratamento, a melhor abordagem para essa pessoa em consultório.

 

Do ponto de vista da pesquisa dentro da psicologia ambiental, a ansiedade pelo colapso climático deve ser estudada de maneira individual, com soluções individuais ao paciente, ou em uma perspectiva mais coletiva?

Ela pode ser individual ou coletiva. A gente vai tratar as questões que mobilizam essa pessoa. Por exemplo, se ela tem ansiedade que não é patológica, na qual ela parte de um medo de sofrer um cataclismo ambiental que vai acabar o mundo, como ela fica dentro desse contexto. E essa ansiedade, ela não abarca as pessoas da mesma forma.

Quando você fala de ansiedade ambiental, você se refere ao medo do futuro. Isso é algo que você não tem controle e te paralisa. Já o coletivo tem relação a como a gente interage com o meio ambiente, de que forma eu percebo esse ambiente, como eu guardo as informações sobre esses lugares e essas sensações que passam pelos sentidos.

 

Quais são os aspectos psicológicos pelas quais as pessoas podem passar quando elas percebem mudanças climáticas no território onde vivem, mas não têm intenção de sair? O que você, na sua prática e estudo, entende como “apego ao lar”?

O apego ao lugar tem relação às marcas que a gente faz nesse lugar e o significado dele. Se eu vou para um ambiente novo, por exemplo, e eu levo o porta-retrato da família, estou trazendo um objeto para marcar esse espaço. É o que a gente chama de marcas. E qual seria o significado dessa foto de família nesse novo ambiente que eu estou construindo?

O papel do psicólogo clínico, nessas situações, é atuar no tratamento, por meio do apoio individual em grupo, para a promoção da resiliência – que é uma resposta à adaptação. Então, como é que eu me adapto a esse novo lugar ou a esse lugar em mudanças? Quais estratégias de enfrentamento eu vou usar?

A educação e conscientização são elementos-chave, com práticas mais sustentáveis, como palestras nas universidades ou nas escolas. A educação nesse eixo vem acontecendo com mais ênfase de poucos anos para cá. O psicólogo também pode trabalhar com programas de educação ambiental e suporte psicológico para adaptação e redução desses impactos, por meio de intervenções, roda de conversas, atendimento individual, para minimizar e reduzir esses impactos negativos e estimular o ativismo ambiental.

Acho que é importante dormir bem, fazer atividade física, porque isso impacta nas alterações da endorfina para o corpo e faz com que a pessoa se sinta melhor. E isso também ajuda a entender a interação dela com o meio ambiente.

 

Então, o ativismo ambiental é uma estratégia que pode dar certo para lidar com a ansiedade?

Sim, trabalhando com políticas públicas, com programas de conscientização. Acredito que sejam ações importantes para minimizar essas questões de impacto ambiental na ansiedade climática.

Temos vários estudos que falam, por exemplo, das pessoas que moram em casas mais organizadas e limpas, e isso direciona para que colegas e amigos mantenham essa organização e limpeza do ambiente. Cada um tem que fazer a sua parte. Se a gente for pensar que ninguém faz nada, a gente nunca vai sair do lugar, certo?

A OMS (Organização Mundial da Saúde) fala essas questões de como pequenas ações, mesmo que pareçam poucas, impactam as gerações no longo prazo. E acho que a educação das escolas passa por isso. Até 25 ou 30 anos atrás, ninguém separava o lixo. Agora, a coleta seletiva está cada vez mais comum. É um trabalho de formiguinha, mas essa formiguinha pode chegar lá.

*Jornalista e Analista de Comunicação do IPAM



Este projeto está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

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