“O fogo não vê fronteiras. Expandir o monitoramento fortalece a todos”

11 de agosto de 2025 | Notícias, Um Grau e Meio

ago 11, 2025 | Notícias, Um Grau e Meio

Ane Alencar, diretora de Ciência do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), destacada pela revista científica Fire como uma das líderes mundiais na ciência sobre o fogo, explica como a expansão do monitoramento de queimadas influencia na conservação brasileira e antecipa como será a temporada do fogo.

Karina Custódio*

Como os projetos de expansão de monitoramento de fogo para outros países começaram? E quais são seus objetivos?

O Mapbiomas, uma rede colaborativa que o IPAM faz parte, ganhou um prêmio: o Audacious, que é um dos prêmios mais reconhecidos na área de inovação tecnológica. Com esse prêmio, a gente se propôs a expandir a nossa ação para 70% dos países com floresta tropical.

O fogo é um dos principais vetores de transformação da paisagem nos países tropicais, não só porque ele pode causar um distúrbio, mas ele é uma ferramenta importante de uso e cobertura e para a agropecuária.

O monitoramento do fogo vai trazer muitos benefícios para os outros países e para as instituições que estão trabalhando na rede de MapBiomas, facilitando o seu trabalho de advocacy e de proposição de políticas públicas.

Nós do IPAM, que coordenamos esse mapeamento de fogo na rede de MapBiomas, estamos apoiando essa expansão em forma de treinamento, capacitando outros países para que eles produzam os dados deles conforme o que a gente experienciou.

Como essa expansão pode auxiliar na conservação ambiental brasileira?

Saber a dinâmica do fogo em qualquer país é fundamental para manejar os recursos naturais quando o fogo faz parte do sistema ecológico. E também para proteger os recursos naturais quando ele não faz parte desse processo.

No caso dos países vizinhos, se conseguirmos saber o que, quando e por que está queimando, é possível desenvolver estratégias de controle e reduzir a área queimada. E isso vai ter um impacto muito positivo, por exemplo, na fumaça que vem para o Brasil, ou mesmo para impedir que um incêndio que escape de um país vizinho e atinja os biomas brasileiros.

O fogo não vê fronteiras. Conseguir fortalecer as políticas públicas de manejo integrado do fogo nos países da América do Sul é algo ótimo não só para eles, mas também para todos os países vizinhos.

A área queimada nos primeiros meses de 2025 foi significativamente menor em relação aos mesmos meses do ano anterior. O que acarretou essa redução?

O fogo responde muito às questões do clima, e no Brasil esse ano temos um padrão climático bem diferente do ano passado. Vínhamos de dois anos de uma seca muito severa, se agravando ali no início do período de seca de 2024, que atingiu vários biomas.

Esse ano, além de termos tido um bom período de chuva, grande parte do Brasil tem sofrido frentes frias e a Amazônia está começando agora o período de seca mais forte. Esse atraso no período de seca, e a redução da sua intensidade, contribuem bastante para a diminuição da atividade de fogo.

Outro fator que acho importante, é que houve um crescimento do desmatamento em maio, o que acarretou um aumento da fiscalização e das ações de controle do desmatamento, o que pode ter inibido o uso do fogo.

E um terceiro fator foi o efeito da quantidade de área queimada do ano passado, o impacto disso, que foi não só ambiental, mas econômico e para a saúde das pessoas. Acredito que isso tenha motivado um pouco mais de cautela. Para além, é claro, de tudo que está sendo estruturado no combate aos incêndios.

O padrão de redução das áreas queimadas vai se estender por toda a temporada de fogo?

Existem vários fatores que podem impactar a temporada do fogo. O solo não está totalmente recarregado por conta de dois anos de seca muito extrema seguidos, o planeta está mais aquecido, e 2025, apesar de não estar no recorde, está muito perto do recorde de temperatura.

Mas considerando o clima no país, eu acredito que a gente não vai ter uma situação de queimadas como a gente teve no ano passado. Principalmente no bioma amazônico e no Pantanal, já o Cerrado depende do quanto o desmatamento na região do Matopiba [região que abrange municípios do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia] for combatido.

O aumento do desmatamento na Amazônia pode causar crescimento da área queimada?

Sempre que há aumento do desmatamento há um potencial de ter um incremento nas queimadas, pela presença de mais material combustível para ser queimado.

Entretanto, o aumento do desmatamento registrado pelo DETER [Sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real] tem percentual grande de área detectada como desmatada, mas que, na verdade, corresponde a uma floresta tão intensamente queimada que levou a uma mudança daquela área. Uma perda de suas características florestais, indicando que essa área foi afetada no passado.

É fundamental que tanto as áreas que não foram queimadas no ano passado, como aquelas que sofreram queimadas, sejam protegidas, para evitar novos incêndios e possibilitar uma melhor recuperação das mesmas.

O ritmo atual de redução da área queimada é suficiente para frear a degradação da Amazônia?

A redução da atividade do fogo é muito importante para que a gente não tenha possibilidade do fogo escapar e gerar um incêndio.

Este ano precisamos proteger todas as florestas da Amazônia, com ainda mais atenção às já atingidas pelo fogo em 2024. Porque a vegetação é muito prejudicada ao se ter dois anos de fogo consecutivo na mesma floresta, reduzindo a possibilidade de recuperação de espécies que são mais sensíveis e causando um favorecimento para as espécies que toleram altas temperaturas, vento, fogo… isso a longo prazo pode transformar a paisagem.

É por isso que é fundamental que esse ano todas as florestas sejam protegidas, mas principalmente aquelas que pegaram fogo o ano passado.

Analista de comunicação do IPAM*



Este projeto está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

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